Diário de Viagem 01
Minha viagem a Bolívia no início do mês em que nasci, foi uma das mais fascinantes experiências que já vivi, por uma série de motivos muito maiores que se possa imaginar. E ao contrário do que todos fazem, quero iniciar um sistemático diário de viagem começando do fim, relatando acontecimentos de trás pra frente, ou, dos dias derradeiros aos primeiros instantes em que pousei em Santa Cruz de la Siera, depois Cochabamba, Oruro, Lá Paz e, finalmente, Copacabana – no Lago Titicaca, fronteira com Peru.
O fato desse primeiro capítulo relata uma das historias engraçadas que aconteceu comigo e com minha companheira de viagem Gleizy, quando voltávamos ao Brasil.
Os nossos guias Fernando e Sérgio nos orientaram para que comprássemos folhas de Coca para a viagem, pois a mesma nos ajudaria a enfrentar os efeitos do clima e da altitude na viagem entre Cochabamba e Copacabana, cortando a Cordilheira dos Andes. Ainda nos limites de Cochabamba compramos um pequeno saco com uma quantidade considerável de folhas de coca e seguimos viagem.
De fato, não era exagero. A folha nos ajudou muito durante a viagem. Ensinaram-nos que mastigando a folha, estaríamos mantendo nosso corpo aquecido e nosso cérebro o mais equilibrado possível. Era verdade. Foi verdade. É fato. Quem mastiga a folha da coca, ingere um sumo que alivia os desconfortos causados pelos altos píncaros das Cordilheiras.
Quando chegamos a Copacabana tratamos logo de tomar o chá de coca que também havia sido recomendado por amigos bolivianos. A foto acima mostra exatamente o momento em que iniciava a ingestão do tal chá milagroso para quem vive ao nível do mar, sob o calor do Nordeste brasileiro.
Com a folha na boca e saciados com o chá da coca, conseguimos subir em um dos pontos mais altos de Copacabana, que é o Monte Calvário – antigo santuário Inca e atualmente morro de peregrinação católica, onde se vê as estações da Via Crucis. Aliás, subir monte foi um estágio mágico de nossa estadia em Copacabana.
Bem, resumindo... A tal da folha da Coca e seu Chá fazem realmente a diferença para quem vive na mesma linha do nível do mar. Comprovado.
Sobraram muitas folhas de Coca e eu, que não sou adepto do desperdício, guardei praticamente todo o pacote para trazer de volta comigo para o Brasil. E assim foi feito. Porém, quando estávamos na conexão Cochabamba-Santa Cruz, Gleizy me perguntou:
- Ricardo, você guardou o saco com as folhas de coca?
Eu respondi:
- Mas é claro. Está aqui, comigo, junto com o Notebook.
Ela retrucou:
Sabia que você pode ser preso no Brasil por portar esse tipo de planta?
E emendou ainda:
- Pode até ser que seja liberado em Santa Cruz, mas, quando chegarmos ao Brasil, é possível que sejas investigado. Se for preso, não sei nem como te liberar – zoava ela como sempre faz em momentos como esse.
Eu não me assustei. Estava claro para mim que, caso fosse abordado pela Polícia Federal, explicaria, ou melhor, justificaria a presença das folhas de Coca, como qualquer turista que visita o Peru e a Bolívia faz. Os meus fins eram conhecidos por todos. Ou pelo menos supôs que sim. Só me preocupava o desconforto de ter que ser investigado e, consequentemente, atrasar todos os voos que nos levariam de volta para Recife.
Na aduana em Santa Cruz:
Um policial perguntou se poderia abrir minha bolsa e respondi positivamente. Observou cada compartimento. Tirou o notebook, caneta, agenda e, claro, a bolsa com as folhas de coca. Ele olhou para mim, cheirou as folhas, e perguntou:
- Para onde o senhor está indo?
- Para o Brasil. Estou voltando para casa – respondi.
- E o que o senhor veio fazer na Bolívia?
- Trabalhar e fazer turismo – expliquei.
- O que o senhor faz no Brasil?
- Sou professor no estado de Pernambuco.
Ele olhou para mim com certa tranquilidade e concluiu meio irônico:
- Elas (as folhas) são muito cheirosas, não?! Bom proveito no Brasil!
No avião que nos levava para Guarulhos, Gleizy, mais uma vez, me lembrou do risco eminente de ser preso. De repente, minha amiga começou a se sentir mal. Teve tantas dores de cabeça que chorou, mesmo tomando remédio. Quem tem enxaqueca, sabe, nosso rosto fica completamente desfigurado, impossibilitando-nos de disfarçar qualquer dor. Assim Gleizy e eu descemos em solo brasileiro.
Era a hora da verdade. Seria eu detido, questionado, avaliado pelos policiais federais?
Quando chegamos na área destinada a aduana, minha bolsa passou pelo detector e, em seguida, fui liberado, sem nem sequer me olharem com desconfiança. Gleizy, por sua vez, fora detida pela policial federal que não achou nada agradável o semblante da “meliante” em entrada ao Brasil.
Resultado: foi levada para uma sala onde lhe tiraram a roupa e investigaram toda a sua bagagem até terem a certeza de que ela estava “limpa”.
Quando já estávamos indo almoçar, ela, muito espirituosa disse:
- Você era o traficante e eu é que fui detida!
E eu, rindo até pelas orelhas sentenciei:
- Quem manda ter cara de traficante? Eu, pelo menos, sou Brasileiro Traficante Legalmente Aparentado.
Rimos sem parar...
Em casa, resolvi pesquisar sobre a folha da coca, seus benefícios, sua história, seu cultivo, suas aplicações, enfim. Encontrei dois textos bem interessantes que elucidam e ensinam sobre o uso da Coca no nosso dia-a-dia e na medicina, desde milênios atrás.
Espero que todos gostem do texto, inclusive você, Gleizy.
A COCA
A coca é uma planta nativa do Peru e Bolívia, principalmente. Sua folha é considerada uma das mais nutritivas do mundo. Possivelmente o seu maravilhoso efeitos medicinais são devidos ao alto teor de nutrientes que possui, uma vez que estão diretamente relacionadas ao bem-estar psicossomático do ser humano.
O chá de coca contém vitaminas A, E, B1, B2, B3 e C (ácido ascórbico), proteínas, macro e microelementos (cálcio, fósforo, ferro, sódio e potássio), taninos e também de um total de quatorze alcalóides que são responsável por seus efeitos benéficos de cura. É do conhecimento comum que o uso de folhas de coca ajuda a equilibrar a instabilidade biológicos que produzem fadiga e stress.
A folha de coca tem analgésico, sedativo, adstringente e antiflatulentes, é um agente de limpeza do sangue, digestivo, diurético e estimulante respiratório. Tradicionalmente, a fim de preservar os dentes e cavidade oro-faringe, a folha de coca mastigada um pino de boliche na boca dela.
Da mesma forma, a infusão é usada como um poderoso e eficaz digestivo, levando-o após a ingestão de alimentos. Também é muito eficaz contra a osteoporose, já que a folha de coca fornecer mais cálcio que o leite e peixe fósforo ambos e Também é recomendado para hiperatividade e para o tratamento da obesidade e bulimia: a infusão de folha de coca, controla o apetite, sem desnutrição.
Também é sabido que o consumo proporciona mais resistência. Também começou a limpeza do trato urinário. Outra função importante da folha de coca é melhorar a função hepática, porque remove as substâncias tóxicas, levando, consequentemente, para regular os níveis de colesterol e triglicérides.
A COCAÍNA
Sintetizada em 1859, a cocaína tem como origem a planta Erythroxylon coca, um arbusto nativo da Bolívia e do Peru (mas também cultivado em Java e Sri-Lanka), em cuja composição química se encontram os alcalóides Cocaína, Anamil e Truxillina (ou Cocamina ).
Duas variedades da planta dominam o mercado: a huanaco, coca boliviana de folhas ovais e coloração marrom-esverdeada, e a coca peruana, de folhas bem menores e cor verde-clara, que contém muito mais alcalóide do que as plantas que medram na Bolívia. A coca aclimatada em Java, além dos alcalóides comuns às outras variedades possui a atropa cocaína acrescida de quatro glicogénios cristalinos. A droga também pode ser obtida de um arbusto aparentado à Erythroxylon coca - o epadu, que cresce na Amazónia e é utilizado há séculos pelos índios da região.
Na civilização Inca, o uso da folha de coca era controlado pessoalmente pelo imperador. O maior privilégio que um Inca podia obter era conquistar o direito de mascar as folhas de coca, e os nobres costumavam ser sepultados com uma generosa provisão de folhas para abastecê-los no paraíso incaico. Mascadas, as folhas de coca produzem euforia e enorme capacidade de trabalho. Nos altiplanos da Cordilheira dos Andes, o costume de mascar coca persiste até hoje entre os habitantes, ajudando-os a enfrentar os problemas da altitude e os rigores do clima.
A cocaína propriamente dita, ou cocaína hidroclorida, é uma substância branca, amarga e inodora, na forma de cristais ou pó, e que pode ser bebida, aspirada ou injectada. Apesar do curto período de sua existência, a história registra usuários famosos da droga, como Sigmund Freud, o papa Leão XIII e o escritor Conan Doyle, criador do famoso detective Sherlock Holmes, que por sua vez também apreciava a cocaína. Na actualidade, a droga tem seu uso difundido não só entre os astros do cinema, da música e da televisão, mas também vem ganhando consumidores entre executivos e a classe média em geral.
Segundo a revista Veja, no Brasil os usuários típicos têm entre 25 e 40 anos de idade, salário acima de Cz$ 15.000 (maio-86) e podem ser publicitários, jornalistas, criadores de moda ou profissionais da área financeira, que exibem comportamento auto-suficiente e elegantemente agressivo. De acordo com a revista Time, de 1979 a 1982, o número de consumidores de cocaína nos Estados Unidos aumentou de 15 milhões para 22 milhões, e parece continuar crescendo.
As propriedades primárias da droga bloqueiam a condução de impulsos nas fibras nervosas, quando aplicada externamente, produzindo uma sensação de amortecimento e enregelamento. A droga também é vaso constritora, isto é, contrai os vasos sanguíneos inibindo hemorragias, além de funcionar como anestésico local, sendo este um dos seus usos na medicina.
Ingerida ou aspirada, a cocaína age sobre o sistema nervoso periférico, inibindo a reabsorção, pelos nervos, da norepinefrina (uma substância orgânica semelhante à adrenalina). Assim, ela potencializa os efeitos da estimulação dos nervos. A cocaína é também um estimulante do sistema nervoso central, agindo sobre ele com efeito similar ao das anfetaminas. No cérebro, a droga afecta especialmente as áreas motoras, produzindo agitação intensa. A acção da cocaína no corpo é poderosa porém breve, durando cerca de meia hora, já que a droga é rapidamente metabolizada pelo organismo.
Sua aspiração por período prolongado danifica as mucosas e os tecidos nasais, podendo inclusive causar perfuração do septo. Doses elevadas consumidas regularmente causam sangramento do nariz e corisa persistente, além de palidez, suor frio, convulsões, desmaios e parada respiratória. A quantidade necessária para provocar uma overdose varia de uma pessoa para outra, e a dose fatal vai de 0,2 a 1,5 grama de cocaína pura. A possibilidade de overdose, entretanto, é maior quando a droga é injectada directamente na corrente sanguínea.
O efeito da cocaína pode levar a um aumento de excitabilidade, ansiedade, elevação da pressão sanguínea, náusea e até mesmo alucinações. Um relatório norte-americano afirma que uma característica peculiar da psicose paranóica, resultante do abuso de cocaína, é um tipo de alucinação na qual formigas, insectos ou cobras imaginárias parecem estar caminhando sobre ou sob a pele do cocainómano.
Embora exista controvérsia, alguns afirmam que os únicos perigos médicos do uso da cocaína são as reacções alérgicas fatais e a habilidade da droga em produzir forte dependência psicológica, mas não física. Por ser uma substância de efeito rápido e intenso, a cocaína estimula o usuário a utilizá-la seguidamente para fugir da profunda depressão que se segue após o seu efeito.
A Coca-Cola, um dos refrigerantes mais populares, foi originalmente uma beberagem feita com folhas de coca e vendida como um "extraordinário agente terapêutico para todos os males, desde a melancolia até a insónia". Complicações legais, todavia, fizeram com que a partir de 1906 o refrigerante passasse a utilizar em sua fórmula folhas de coca descocainadas.