Livro Primeiras Águas - Poesias

Este é o livro I da série Primeiras Águas.

Campanha Gravatá Eficiente

Fomentando uma nova plataforma de discussão.

A Liberdade das novas idéias começa aqui.

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Educação e Controle




Por 
Sílvio Gallo

Artigo publicado na Revista Sinpro Cultura - caderno de cultura do Sindicato dos Professores de Campinas e Região, ano XII, nº 23, julho/95, caderno especial "Para Debater".

Lembro-me de uma passagem de um texto de Félix Guattari na qual ele comenta um fato curioso para o exercício cotidiano de nossa função de educadores. Toma a situação hipotética de um aluno que esteja na sala de aula e, em lugar de prestar atenção à nossa maviosa explicação, começa a cutucar o colega do lado, a jogar pelotas de papel nas meninas e tudo aquilo que conhecemos bem.

Qual é normalmente a reação do professor? Guattari diz que pode ser de variados tipos: um professor autoritário coloca o aluno de castigo, ou manda-o para fora da sala - rompendo, assim, com qualquer relação pedagógica possível -; já um professor mais progressista vai preocupar-se com a reação do aluno e tentará compreendê-la, para ajudá-lo: o encaminhará ao psicólogo da escola etc.

Entretanto, muito dificilmente nosso professor em questão terá o estalo de imaginar que o que aquele aluno "relapso" está fazendo é, nada mais, nada menos, do que aquilo toda a classe faria, se tivesse coragem para tanto! Em outras palavras, professor algum pensará que o problema é seu, e não do aluno, que é sua aula que não está agradando a ninguém, que seu trabalho precisa ser repensado se pretende ser uma atividade realmente educativa.


Por detrás da questão da qualidade do ensino, está uma muito mais complexa, a da relação de poder no ato pedagógico. Esta foi a razão que me fez abrir estas reflexões com aquele exemplo levantado por Guattari. Quando um aluno é indisciplinado em sala de aula, vamos tentar entender o que se passa com ele, quando simplesmente não o isolamos por completo mas, apenas muito raramente, vamos tentar entender o que se passa conosco, rever nossa metodologia, rever os conteúdos que estamos ensinando, buscando uma ação pedagógica verdadeiramente significativa, tanto para nós, educadores, como para os alunos.

Do mesmo modo, quando um aluno repete de ano, quando abandona a escola e este problema nos toca de forma direta, vamos nos debruçar para tentar encontrar e entender o problema do aluno, mas nunca pensamos que o problema possa ser nosso! Ou, como disse o Fernando Henrique em seu pronunciamento, quando alcançamos o índice de repetência e de evasão que temos hoje, não pode ser aquele imenso contingente de alunos que está errado, mas é a escola que deve estar errada.

Mas afirmei que por trás disto está a relação de poder. A equação saber é poder é bastante conhecida, embora Michel Foucault tenha tido a ousadia de afirmar que o poder produz saber, assim como o inverso também é verdadeiro, o que, no final das contas, não invalida a equação, apenas a amplia ainda mais. Ora, na sala de aula o professor é aquele que sabe; é, portanto, a autoridade, o local do poder. Devemos nos lembrar de que, nas antigas salas de aula, o mestre ocupava o púlpito; mesmo hoje, ainda temos algumas salas de aula em que o espaço do professor é um tablado, mais elevado do que o espaço dos alunos. Embora explicações didático-pedagógicas sejam sempre possíveis, é inegável e incontestável seu caráter ideológico e político - no sentido do exercício do poder. Algumas cenas do filme The Wall, dirigido por Allan Parker e baseado num álbum da banda inglesa Pink Floyd são mais do que emblemáticas a esse respeito.

As ditas pedagogias novas - escola nova e construtivismo, por exemplo - tentaram e vêm tentando esvaziar esse poder do professor, colocando o aluno como centro do processo e o professor como um auxiliar (ou facilitador etc. - os termos variam de autor para autor) do processo de ensino-aprendizagem, o que Régis de Morais chamou de "revolução copernicana no ensino". Nossa prática quotidiana nas escolas mostra, porém, que tal revolução não vingou. Pode ter diminuído a prepotência de alguns mestres e certamente diminuiu a ação de todos, mas não esvaziou de poder o professor, devido, sem dúvida alguma, à surda e calada resistência dele, que agarrou-se a essa autoridade conferida pelo saber como os ditadores perseguidos agarram-se às suas fortunas depositadas em bancos suíços.

A questão ganha, hoje, contornos ainda mais complicados. A aguda crise da educação fez com que os professores fossem gradualmente perdendo seus salários e seu status social. Ser professor hoje é ser um pária; vivemos uma situação quase pior do que a do pedagogo grego, que não passava de um escravo. O professor hoje quer e precisa, portanto, assegurar o mínimo que lhe resta de dignidade, e acontece que o que sobra de tal dignidade é o fato de ele ser, pretensamente, aquele que sabe. Faço questão de frisar o pretensamente, dado que todos sabemos qual é o nível da formação acadêmica de muitos dos que, por uma razão ou por outra, pretendem ser professores.

É por isso que dificilmente se aceita discutir, nas salas de professores, a questão da repetência e da evasão. Parece que estão querendo, uma vez mais, jogar a culpa do fracasso sobre nós, tirando-nos o último traço de dignidade que nos resta. Só que, para que sejamos realmente dignos, devemos assumir, sim, a nossa parcela nessa culpa. E temo que ela não seja pequena...

A educação tem sempre se valido dos mecanismos de controle. Se existe uma função manifesta do ensino - a formação/informação do aluno, abrir-lhe acesso ao mundo da cultura sistematizada e formal - há também funções latentes, como a ideológica - a inserção do aluno no mundo da produção, adaptando-se ao seu lugar na máquina. A educação assume, desta maneira, sua atividade de controle social. E tal controle acontece nas ações mais insuspeitas.

Foucault denunciou os mecanismos mais explícitos da escola, quando traçou em Vigiar e Punir os paralelos desta instituição social com a prisão. Mostrou que a estrutura física e arquitetônica da escola está voltada, assim como na prisão, para a vigilância/controle de seus alunos/prisioneiros. São muitos os olhos que sentimos sobre nós, o que introjeta o controle e faz com que nós próprios nos vigiemos. Mas o filósofo francês também apontou outros mecanismos da escola muito menos explícitos, como a disciplinarização.

Há dúzias de argumentos pedagógicos para explicar a razão de o conhecimento estar dividido em disciplinas: facilita o acesso/compreensão do aluno etc. etc. Mas, por detrás disso, paira o controle: compartimentalizando, fragmentando, é muito mais fácil de controlar o acesso, o domínio que os alunos terão e também de controlar o que eles sabem. Lembremos do sábio conselho do general romano: "dividir para governar".

Outro aspecto deste termo ambíguo não por acaso, a disciplinarização, diz respeito mais diretamente à questão do poder. A escola é o lugar da disciplina, de seu aprendizado e de seu exercício. Não vai longe o tempo em que os alunos faziam, nos pátios das escolas públicas, antes de entrar em aula, exercícios de ordem unida, como recrutas num quartel, e acredito que em alguns lugares isso ainda seja prática comum.

A disposição de carteiras numa sala de aula, por outro lado, visa também à disciplinarização dos alunos e uma melhor possibilidade de controle por parte do professor, que domina geopoliticamente a classe, percebendo seu mapa geográfico e podendo armar uma estratégia/tática de aula.

Mesmo no caso das pedagogias novas, que rompem com o tradicional enfileiramento das carteiras, permanece uma forma implícita de o general dispor seu exército no campo de batalha da sala de aula. Em outras palavras, a sala nunca é um caos, com os alunos ocupando o espaço desordenadamente, mas há sempre uma ordem implícita que, se visa a possibilitar a ação pedagógica, traz também consigo a marca do exercício do poder, que deve ser sofrido e introjetado pelos alunos.

Um terceiro e último aspecto é o que nos interessa mais de perto. Para disciplinarizar e controlar a escola faz uso do mecanismo da avaliação, também recoberto de mil argumentos didático-pedagógicos, mas outra marca indelével do poder e do controle. Ora, dirão alguns, como educar se não tivermos um feedback dos alunos, só possível através dos mais diversos mecanismos de avaliação, para reorganizarmos continuamente o processo pedagógico? E terão toda a razão.

Mas, por outro lado, também não podemos deixar de reconhecer que a única forma que a burocracia escolar encontrou ao longo dos séculos para materializar os resultados de tais avaliações foi a sua quantificação em termos de notas e, modernamente, de conceitos que, no fundo, nada mudam, mas continuam classificando e quantificando. Se deixarmos de lado o caráter desprezível desta quantificação em nome de sua absoluta necessidade, não podemos negar que ela acaba servindo como instrumento de poder. O professor é aquele que tem o poder de dar a nota e, assim, aprovar ou reprovar o aluno.


Já no início deste século os pedagogos anarquistas rejeitavam a realização de provas, exames e a atribuição de notas aos alunos, denunciando o caráter eminentemente político e dominador desta empreitada. É exatamente esta questão que está por trás da resistência dos professores em aceitar abdicar de seu poder de avaliar. Avaliar é decidir. Decidir é dominar. Dominar é ter poder.

Não temos um salário digno, perdemos nosso status e, o que nos resta e ao que nos agarramos com firmeza é o nosso poder de decidirmos sobre a vida dos alunos e, assim, dominá-los. Não importa se minha aula é chatíssima, se o conteúdo que "ensino" não é nem um pouco significativo. Como vou dar uma nota ao aluno, aprovando-o ou reprovando-o, ele é obrigado a assistir a aula. Como se assistir a toda e qualquer aula fosse o critério absoluto para uma educação de qualidade...

Reafirmo que a questão é polêmica. Num artigo pequeno e brilhante, Gilles Deleuze afirma que estamos transitando das sociedades disciplinares analisadas por Foucault - que deram origem à prisão e à escola como conhecemos hoje - para as sociedades de controle, que certamente engendrarão novas instituições, assim como provocarão agudas transformações nas que conhecemos. Demonstra o filósofo que a característica básica destas sociedades é dar a ilusão de uma maior autonomia, mas, mesmo por isso, serem muito mais totalitárias que as anteriores.

Por exemplo, hoje não preciso ir à agência bancária, pois controlo minha conta por telefone, fax ou microcomputador; pareço, por isso, ter uma autonomia muito maior. Porém, a facilidade do acesso informatizado permite aos governos que eu seja vigiado muito mais de perto, e o que é pior, na maioria das vezes sem nem ao menos suspeitar disso!

É claro que a escola não fica de fora nessa nova onda social. Nesse artigo publicado em 1990 Deleuze aponta rapidamente algumas transformações pelas quais ela deve passar:

"No regime das escolas: as formas de controle contínuo, avaliação contínua, e a ação da formação permanente sobre a escola, o abandono correspondente de qualquer pesquisa na Universidade, a introdução da ‘empresa’ em todos os níveis da escolaridade."

As reformas propostas pelos governos estadual e federal não são movidas apenas por um desejo e uma necessidade de uma educação de qualidade; ou, dito de outra maneira, o paradigma de qualidade assumido por eles é o da qualidade total, este totem do neoliberalismo que insiste em instaurar uma nova ordem mundial, sob seu absoluto e transparente controle.

É assim que se propõe a avaliação contínua, a formação permanente, a parceria com as empresas e estes mecanismos para melhorar a qualificação do operariado brasileiro, a diminuição dos índices de reprovação e evasão escolar. É preciso que se mostre ao mundo que o Brasil é um país capacitado, apto a andar de mãos dadas com a modernidade! Mesmo que a modernidade signifique mais controle, e uma subserviência ainda maior...

Sim, este discurso precisa ser denunciado e criticado. Mas simplesmente não podemos fazê-lo com as armas velhas! Não podemos apontar uma adaga para combater um míssil com ogiva nuclear! Se quisermos fazer uma oposição séria e consequente ao discurso oficial, continuando na luta por um sistema de ensino sério, competente e verdadeiramente de qualidade, devemos buscar uma nova tática, que implica em que assumamos nossos erros.

Devemos começar por abdicar ao discurso do poder. Não podemos defender a rigidez do sistema de notas/avaliação que culmina na reprovação, pois subjaz a ele nosso sádico desejo de poder despótico, que é o mesmo que move as ações oficiais. Se a tônica do momento é a avaliação contínua, o acompanhamento do aluno sem sua reprovação por entre as séries, podemos fazer dessa ação pedagógica uma ação verdadeiramente educativa, contribuindo de fato para com a formação dos seres humanos que encontram-se quotidianamente conosco em nossas salas de aula.

Negar o passado não é a melhor forma de encarar o futuro, mas agarrar-se a ele tampouco possibilita um presente satisfatório. As maiores batalhas foram vencidas pelos exércitos que souberam aproveitar-se das armas do inimigo, voltando-as contra ele próprio. Penso que essa deva ser nosso caminho. Assumindo com humildade nossos erros históricos e a disposição de superá-los, podermos construir, de fato, a escola que queremos.

sábado, 28 de janeiro de 2012

150 ANOS DO Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco




Amigos, professores, estudantes, cidadãos, pernambucanos...

Hoje é uma data muito importante para nossa História, para nossa Geografia, para a nossa cultura. O Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco (IAHGP) completa 150 anos de atividade.

Recordo-me que nos anos 90, saia de Vitória para me encontrar com a namorada em Recife. O ponto de encontro era sempre o mesmo: o Teatro do Parque. Assistíamos a uma sessão de cinema, depois sentávamos no jardim do Teatro enquanto comíamos alguma bobagem. 

Depois, quando ficávamos sabendo de alguma exposição, uma atividade, uma palestra, atravessávamos a calçada em direção ao número 130 e, assim, éramos seduzidos pelo IAHGP. Muitas vezes perdíamos a noção de tempo diante de uma relíquia contendo três milhões e meio de páginas manuscritas ou impressas, e uma infinidade de peças raras que fazem parte da história de Pernambuco e do Brasil, da minha história, da nossa história, da identidade de um povo tão aguerrido.

Quando podíamos, sentávamos aos pés da caixa dos Correios da época de D. Pedro II. Ali, muitas vezes, escrevi poemas e rabiscava desenhos com lápis carvão, que sempre estava comigo junto com folhas de um velho borrão.

Foi nesse espaço que descobri muito sobre a história de nossa terra e especialmente sobre a geografia da capitania que deu mais lucro, dos personagens marcantes como Gilberto Freire, João Pessoa, dentre outros. As lutas libertárias de nossa terra.

Uma pessoa que sempre nos recebia era seu Severiano. Não sei se ele ainda está por lá. Há muitos anos não volto ao espaço. Mas me recordo muito dele porque sempre o comparávamos com um dos maiores visionários do cinema estadual. Tinha uma voz marcante, forte e ao mesmo tempo humilde, nos contando fatos de sua vida e da vida do Instituto.

Um dos espaços mais importantes da nossa terra e pouco conhecido e reconhecido, foi fundado em 1862. É o Instituto Histórico estadual mais antigo do Brasil. Ao longo dos seus 150 anos de existência ininterrupta, constituiu-se num referencial nacional e internacional.

Seus acervos (biblioteca, arquivo e museu) e sua Revista representam uma fonte inesgotável para pesquisadores de várias áreas do saber. Autêntica casa de Pernambuco, o IAHGP é baluarte de defesa da história e da cultura do povo pernambucano.

Para aqueles que gostam de conhecer o nosso rico, honroso e maravilhoso passado, fica a dica.



IAHGP - Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano

Rua do Hospício, 130, Boa Vista, Recife - PE - CEP: 50060-080.

Fone: (81) 3222-4952

e-mail: contato@institutoarqueologico.com.br

Horário de visitação: Segunda à sexta-feira, das 13h às 17h / Sábado, das 8h às 12h

UMA TESE É UMA TESE




Sabe tese, de faculdade? Aquela que defendem? Com unhas e dentes? É dessa tese que eu estou falando. Você deve conhecer pelo menos uma pessoa que já defendeu uma tese. Ou esteja defendendo. Sim, uma tese é defendida. Ela é feita para ser atacada pela banca, que são aquelas pessoas que gostam de botar banca.

As teses são todas maravilhosas. Em tese. Você acompanha uma pessoa meses, anos, séculos, defendendo uma tese. Palpitantes assuntos. Tem tese que não acaba nunca, que acompanha o elemento para a velhice. Tem até teses pós-morte.

O mais interessante na tese é que, quando nos contam, são maravilhosas, intrigantes. A gente fica curiosa, acompanha o sofrimento do autor, anos a fio. Aí ele publica, te dá uma cópia e é sempre - sempre - uma decepção. Em tese. Impossível ler uma tese de cabo a rabo.

São chatíssimas. É uma pena que as teses sejam escritas apenas para o julgamento da banca circunspecta, sisuda e compenetrada em si mesma. E nós?

Sim, porque os assuntos, já disse, são maravilhosos, cativantes, as pessoas são inteligentíssimas. Temas do arco-da-velha.

Mas toda tese fica no rodapé da história. Pra que tanto sic e tanto apud? Sic me lembra o Pasquim e apud não parece candidato do PFL para vereador? Apud Neto.

Escrever uma tese é quase um voto de pobreza que a pessoa se autodecreta. O mundo pára, o dinheiro entra apertado, os filhos são abandonados, o marido que se vire. Estou acabando a tese. Essa frase significa que a pessoa vai sair do mundo. Não por alguns dias, mas anos. Tem gente que nunca mais volta.

E, depois de terminada a tese, tem a revisão da tese, depois tem a defesa da tese. E, depois da defesa, tem a publicação. E, é claro, intelectual que se preze, logo em seguida embarca noutra tese. São os profissionais, em tese. O pior é quando convidam a gente para assistir à defesa. Meu Deus, que sono. Não em tese, na prática mesmo.
Orientados e orientandos (que nomes atuais!) são unânimes em afirmar que toda tese tem de ser - tem de ser! - daquele jeito. É pra não entender, mesmo. Tem de ser formatada assim. Que na Sorbonne é assim, que em Coimbra também. Na Sorbonne, desde 1257. Em Coimbra, mais moderna, desde 1290.

Em tese (e na prática) são 700 anos de muita tese e pouca prática.

Acho que, nas teses, tinha de ter uma norma em que, além da tese, o elemento teria de fazer também uma tesão (tese grande). Ou seja, uma versão para nós, pobres teóricos ignorantes que não votamos no Apud Neto.

Ou seja, o elemento (ou a elementa) passa a vida a estudar um assunto que nos interessa e nada. Pra quê? Pra virar mestre, doutor? E daí? Se ele estudou tanto aquilo, acho impossível que ele não queira que a gente saiba a que conclusões chegou.

Mas jamais saberemos onde fica o bicho da goiaba quando não é tempo de goiaba. No bolso do Apud Neto?

Tem gente que vai para os Estados Unidos, para a Europa, para terminar a tese. Vão lá nas fontes. Descobrem maravilhas. E a gente não fica sabendo de nada. Só aqueles sisudos da banca. E o cara dá logo um dez com louvor. Louvor para quem? Que exaltação, que encômio é isso?

E tem mais: as bolsas para os que defendem as teses são uma pobreza.

Tem viagens, compra de livros caros, horas na Internet da vida, separações, pensão para os filhos que a mulher levou embora. É, defender uma tese é mesmo um voto de pobreza, já diria São Francisco de Assis. Em tese.

Tenho um casal de amigos que há uns dez anos prepara suas teses. Cada um, uma. Dia desses a filha, de 10 anos, no café da manhã, ameaçou:

- Não vou mais estudar! Não vou mais na escola.
Os dois pararam - momentaneamente - de pensar nas teses.
- O quê? Pirou?
- Quero estudar mais, não. Olha vocês dois. Não fazem mais nada na vida. É só a tese, a tese, a tese. Não pode comprar bicicleta por causa da tese. A gente não pode ir para a praia por causa da tese. Tudo é pra quando acabar a tese. Até trocar o pano do sofá. Se eu estudar vou acabar numa tese. Quero estudar mais, não. Não me deixam nem mexer mais no computador. Vocês acham mesmo que eu vou deletar a tese de vocês?
Pensando bem, até que não é uma má ideia!

Quando é que alguém vai ter a prática ideia de escrever uma tese sobre a tese?

Ou uma outra sobre a vida nos rodapés da história?

Acho que seria um tesão.


 
MARIO PRATA
Crônica publicada no jornal O Estado de São Paulo.
7 de outubro de 1998.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Triste história de um Professor





Caro Juremir (CORREIO DO POVO/POA/RS)

Meu nome é Maurício Girardi. Sou Físico. Pela manhã sou vice-diretor no Colégio Estadual Piratini, em Porto Alegre, onde à noite leciono a disciplina de Física para os três anos do Ensino Médio.

Pois bem, olha só o que me aconteceu: estou eu dando aula para uma turma de segundo ano. Era 21/06/11 e, talvez, “pela entrada do inverno”, resolveu também ir á aula uma daquelas “alunas-turista” que aparecem vez por outra para “fazer uma social”.  Para rever os conhecidos.

Por três vezes tive que pedir licença para a mocinha para poder explicar o conteúdo que abordávamos. Parece que estão fazendo um favor em nos permitir um espaço de fala.

Eis que após insistentes pedidos, estando eu no meio de uma explicação que necessitava de bastante atenção de todos, toca o celular da aluna, interrompendo todo um processo de desenvolvimento de uma idéia e prejudicando o andamento da aula.

Mudei o tom do pedido e aconselhei aquela menina que, se objetivo dela não era o de estudar, então que procurasse outro local, que fizesse um curso à distância ou coisa do gênero, pois ali naquela sala estavam pessoas que queriam aprender' e que o Colégio é um local aonde se vai para estudar. Então, a “estudante” quis argumentar, quando falei que não discutiria mais com ela.

Neste momento tocou o sinal e fui para a troca de turma. A menina resolveu ir embora e desceu as escadas chorando por ter sido repreendida na frente de colegas. De casa, sua mãe ligou para a Escola e falou com o vice-diretor da noite, relatando que tinha conhecidos influentes em Porto Alegre e que aquilo não iria ficar assim. Em nenhum momento procurou escutar a minha versão nem mesmo para dizer, se fosse o caso, que minha postura teria sido errada. Tampouco procurou a diretoria da Escola.

Qual passo dado pela mãe? Polícia Civil!... Isso mesmo! Tive que comparecer no dia 13/07/11, na 8ª (oitava Delegacia de Polícia de Porto Alegre) para prestar esclarecimentos por ter constrangido (“?”) uma adolescente (17 anos), que muito pouco frequenta as aulas e quando o faz é para importunar, atrapalhar seus colegas e professores'.

A que ponto que chegamos? Isso é um desabafo! Tenho 39 anos e resolvi ser professor porque sempre gostei de ensinar, de ver alguém se apropriar do conhecimento e crescer. Mas te confesso, está cada vez mais difícil.

Sinceramente, acho que é mais um professor que o Estado perde. Tenho outras opções no mercado. Em situações como essa, enxergamos a nossa fragilidade frente ao sistema. Como leitor da tua coluna, e sabendo que abordas com frequência temas relacionados à educação, ''te peço, encarecidamente, que dediques umas linhas a respeito da violência que é perpetrada contra os professores neste país''.

Fica cristalina a visão de que, neste país:

> NÃO PRECISAMOS DE PROFESSORES                  
> NÃO PRECISAMOS DE EDUCAÇÃO

AFINAL, PARA QUE SER UM PAÍS DE 1° MUNDO SE ESTÁ BOM ASSIM

Alguns exemplos atuais:
·         Ronaldinho Gaúcho: R$ 1.400.000,00 por mês. Homenageado pela “Academia Brasileira de Letras".
·         Tiririca: R$ 36.000,00 por mês. Membro da “Comissão de Educação e Cultura do Congresso".

TRADUZINDO:
SÓ O SALÁRIO DO PALHAÇO, PAGA 30 PROFESSORES. PARA AQUELES QUE ACHAM QUE EDUCAÇÃO NÃO É IMPORTANTE:CONTRATE O TIRIRICA PARA DAR AULAS PARA SEU FILHO.

Um funcionário da empresa Sadia (nada contra) ganha hoje o mesmo salário de um “ACT” ou um professor iniciante, levando em consideração que, para trabalhar na empresa você precisa ter só o fundamental, ou seja, de que adianta estudar, fazer pós e mestrado?  Piso Nacional dos professores: R$ 1.187,00…

Moral da história:
Os professores ganham pouco, porque “só servem para nos ensinar coisas inúteis” como: ler, escrever, pensar,formar cidadãos produtivos, etc., etc., etc....

SUGESTÃO:
Mudar a grade curricular das escolas, que passariam a ter as seguintes matérias:
1.   Educação Física: Futebol;
2.   Música: Sertaneja, Pagode, Axé;
3.   História: Grandes Personagens da Corrupção Brasileira; Biografia dos  Heróis do Big Brother; Evolução do Pensamento das "Celebridades";
4.   História da Arte: De Carla Perez  a  Faustão;
5.   Matemática: Multiplicação fraudulenta do dinheiro de campanha;
6.   Cálculo: Percentual de Comissões e Propinas;
7.   Português e Literatura: Para quê?...
8.   Biologia, Física e Química: Excluídas por excesso de complexidade.

Está bom assim?
Eu quero mais!
ESSE É O NOSSO BRASIL

Vejam o absurdo dos salários no Rio de Janeiro (o que não é diferente do resto do Brasil)
> BOPE - R$ 2.260,00....................... para  ........  Arriscar a vida;
> Bombeiro - R$ 960,00.....................para  ........  Salvar vidas;
> Professor - R$ 728,00.....................para  ........  Preparar para a vida;
> Médico - R$ 1.260,00......................para  ........  Manter a vida;

E o Deputado Federal?
R$ 26.700,00 (fora as mordomias, gratificações, viagens internacionais, etc., etc., etc., para FERRAR com a vida de todo mundo, encher o bolso de dinheiro e ainda gratificar os seus “bajuladores” apaniguados naquela manobrinha conhecida do “por fora vazenildo”!).

Porto Alegre (RS), 16 de julho de 2011.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

CUIDADO COM OS BURROS MOTIVADOS




A revista ISTO É publicou esta entrevista de Camilo Vannuchi. O entrevistado é Roberto Shinyashiki, médico psiquiatra, com Pós-Graduação em administração de empresas pela USP, consultor organizacional e conferencista de renome nacional e internacional.


'Cuidado com os burros motivados'

Em 'Heróis de Verdade', o escritor combate a supervalorização das aparências, diz que falta ao Brasil competência, e não auto-estima.



ISTO É - Quem são os heróis de verdade?

Roberto Shinyashiki -- Nossa sociedade ensina que, para ser uma pessoa de sucesso, você precisa ser diretor de uma multinacional, ter carro importado, viajar de primeira classe.

O mundo define que poucas pessoas deram certo. Isso é uma loucura. Para cada diretor de empresa, há milhares de funcionários que não chegaram a ser gerentes. E essas pessoas são tratadas como uma multidão de fracassados.

Quando olha para a própria vida, a maioria se convence de que não valeu à pena, porque não conseguiu ter o carro, nem a casa maravilhosa. Para mim, é importante que o filho da moça que trabalha na minha casa, possa se orgulhar da mãe.

O mundo precisa de pessoas mais simples e transparentes. Heróis de verdade são aqueles que trabalham para realizar seus projetos de vida, e não para impressionar os outros. São pessoas que sabem pedir desculpas e admitiram que erraram.



ISTO É - O Sr. citaria exemplos?

Shinyashiki - Quando eu nasci, minha mãe era empregada doméstica e meu pai, órfão aos sete anos, empregado em uma farmácia. Morávamos em um bairro miserável em São Vicente (SP) chamado Vila Margarida. Eles são meus heróis.

Conseguiram criar seus quatro filhos, que hoje estão bem. É pena que a maior parte das pessoas esconda suas raízes. O resultado é um mundo vítima da depressão, doença que acomete hoje 10% da população americana. Em países como o Japão, a Suécia e a Noruega, há mais suicídio do que homicídio.

Por que tanta gente se mata?

Parte da culpa está na depressão das aparências, que acomete a mulher, que embora não ame mais o marido, mantém o casamento, ou o homem que passa décadas em um emprego, que não o faz se sentir realizado, mas o faz se sentir seguro.


ISTO É - Qual o resultado disso?


Shinyashiki - Paranoia e depressão cada vez mais precoce.

O pai quer preparar o filho para o futuro e mete o menino em aulas de inglês, informática e mandarim. Aos nove ou dez anos a depressão aparece. A única coisa que prepara uma criança para o futuro, é ela poder ser criança.

Com a desculpa de prepará-los para o futuro, os malucos dos pais estão roubando a infância dos filhos. Essas crianças serão adultos inseguros e terão discursos hipócritas. Aliás, a hipocrisia já predomina no mundo corporativo..


ISTO É - Por quê?


Shinyashiki - O mundo corporativo virou um mundo de faz-de-conta, a começar pelo processo de recrutamento. É contratado o sujeito com mais marketing pessoal.

As corporações valorizam mais a auto-estima do que a competência. Sou presidente da Editora Gente e entrevistei uma moça que respondia todas as minhas perguntas com uma ou duas palavras.

Disse que ela não parecia demonstrar interesse. Ela me respondeu estar muito interessada, mas como falava pouco, pediu que eu pesasse o desempenho dela, e não a conversa. Até porque ela era candidata a um emprego na contabilidade, e não de relações públicas. Contratei-a na hora. Num processo clássico de seleção, ela não passaria da primeira etapa.



ISTO É - Há um script estabelecido?


Shinyashiki - Sim. Quer ver uma pergunta estúpida feita por um presidente de multinacional no programa 'O Aprendiz'? Qual é seu defeito?
Todos respondem que o defeito é não pensar na vida pessoal: Eu mergulho de cabeça na empresa. Preciso aprender a relaxar.

É exatamente o que o Chefe quer escutar. Por que você acha que nunca alguém respondeu ser desorganizado ou esquecido? É contratado quem é bom em conversar, em fingir.

Da mesma forma, na maioria das vezes, são promovidos aqueles que fazem o jogo do poder. O vice-presidente de uma as maiores empresas do planeta me disse: 'Sabe, Roberto, ninguém chega à vice-presidência sem mentir'. Isso significa que quem fala a verdade não chega a diretor!


ISTO É - Temos um modelo de gestão que premia pessoas mal preparadas?


Shinyashiki - Ele cria pessoas arrogantes, que não têm a humildade de se preparar, que não têm capacidade de ler um livro até o fim e não se preocupam com o conhecimento.

Muitas equipes precisam de motivação, mas o maior problema no Brasil é competência. Cuidado com os burros motivados. Há muita gente motivada fazendo besteira.

Não adianta você assumir uma função, para a qual não está preparado. Fui cirurgião e me orgulho de nunca um paciente ter morrido na minha mão. Mas tenho a humildade de reconhecer que isso nunca aconteceu graças a meus chefes, que foram sábios em não me dar um caso, para o qual eu não estava preparado.

Hoje, o garoto sai da faculdade achando que sabe fazer uma neurocirurgia. O Brasil se tornou incompetente e não acordou para isso.


ISTO É - Está sobrando auto-estima?


Shinyashiki -- Falta às pessoas a verdadeira auto-estima. Se eu preciso que os outros digam que sou o melhor, minha auto-estima está baixa. Antes, o ter conseguia substituir o ser.

O cara mal-educado dava uma gorjeta alta para conquistar o respeito do garçom. Hoje, como as pessoas não conseguem nem ser, nem ter, o objetivo de vida se tornou parecer.

As pessoas parecem que sabem, parece que fazem, parece que acreditam. E poucos são humildes para confessar que não sabem. Há muitas mulheres solitárias no Brasil, que preferem dizer que é melhor assim.

Embora a auto-estima esteja baixa, fazem pose de que está tudo bem.


ISTO É - Por que nos deixamos levar por essa necessidade de sermos perfeitos em tudo e de valorizar a aparência?


Shinyashiki -- Isso vem do vazio que sentimos. A gente continua valorizando os heróis.
Quem vai salvar o Brasil? O Lula.
Quem vai salvar o time? O técnico.
Quem vai salvar meu casamento? O terapeuta.

O problema é que eles não vão salvar nada! 

Tive um professor de filosofia que dizia: 'Quando você quiser entender a essência do ser humano, imagine a rainha Elizabeth com uma crise de diarreia durante um jantar no Palácio de Buckingham'. Pode parecer incrível, mas a rainha Elizabeth também tem diarréia. Ela certamente já teve dor de dente, já chorou de tristeza, já fez coisas que não deram certo.

A gente tem de parar de procurar super-heróis, porque se o super-herói não segura a onda, todo mundo o considera um fracassado.


ISTO É - O conceito muda quando a expectativa não se comprova?


Shinyashiki - Exatamente.. A gente não é super-herói nem superfracassado. A gente acerta, erra, tem dias de alegria e dias de tristeza. Não há nada de errado nisso. A crise será positiva se elas entenderem que a responsabilidade pela própria vida é delas.



ISTO É - Muitas pessoas acham que é fácil para o Roberto Shinyashiki dizer essas coisas, já que ele é bem-sucedido. O senhor tem defeitos?


Shinyashiki - Tenho minhas angústias e inseguranças. Mas aceitá-las faz minha vida fluir facilmente. Há várias coisas que eu queria e não consegui. Jogar na Seleção Brasileira, tocar nos Beatles (risos). Meu filho mais velho nasceu com uma doença cerebral e hoje tem 25 anos.

Com uma criança especial, eu aprendi que, ou eu a amo do jeito que ela é, ou vou massacrá-la o resto da vida para ser o filho que eu gostaria que fosse. Quando olho para trás, vejo que 60% das coisas que fiz deram certo.

O resto foram apostas e erros. Dia desses apostei na edição de um livro, que não deu certo. Um amigão me perguntou: 'Quem decidiu publicar esse livro?'
Eu respondi que tinha sido eu. O erro foi meu. Não preciso mentir.


ISTO É - Como as pessoas podem se livrar dessa tirania da aparência?


Shinyashiki - O primeiro passo é pensar nas coisas que fazem as pessoas cederem a essa tirania e tentar evitá-las. São três fraquezas: A primeira é precisar de aplauso, a segunda é precisar se sentir amada e a terceira é buscar segurança.

Os Beatles foram recusados por gravadoras e nem por isso desistiram. O que as escolas deveriam fazer é ajudar o aluno a desenvolver suas próprias potencialidades.


ISTO É - Muitas pessoas têm buscado sonhos que não são seus?


Shinyashiki - A sociedade quer definir o que é certo. São quatro loucuras da sociedade. 

A primeira é instituir que todos têm de ter sucesso, como se eles não tivessem significados individuais. 

A segunda loucura é: Você tem de estar feliz todos os dias. 

A terceira é: Você tem que comprar tudo o que puder. O resultado é esse consumismo absurdo. 

Por fim, a quarta loucura: Você tem de fazer as coisas do jeito certo.

Jeito certo não existe. Não há um caminho único para se fazer as coisas. As metas são interessantes para o sucesso, mas não para a felicidade. Felicidade não é uma meta, mas um estado de espírito.

Tem gente que diz que não será feliz, enquanto não casar, enquanto outros se dizem infelizes justamente por causa do casamento. Você pode ser feliz tomando sorvete, ficando em casa com a família ou com amigos verdadeiros, levando os filhos para brincar ou indo à praia ou ao cinema.

Quando era recém-formado em São Paulo , trabalhei em um hospital de pacientes terminais. Todos os dias morriam nove ou dez pacientes. Eu sempre procurei conversar com eles na hora da morte.

A maior parte pega o médico pela camisa e diz: 'Doutor, não me deixe morrer. Eu me sacrifiquei à vida inteira, agora eu quero aproveitá-la e ser feliz'. Eu sentia uma dor enorme por não poder fazer nada. Ali eu aprendi que a felicidade é feita de coisas pequenas.

Ninguém na hora da morte diz se arrepender por não ter aplicado o dinheiro em imóveis ou ações, mas sim de ter esperado muito tempo ou perdido várias oportunidades para aproveitar a vida.