Era o fim de mais uma noite de glória para nós, RUBRO-NEGROS. E o começo indesejado de madrugada para mim e para um amigo. Ao acabar a partida entre Sport X Colo Colo, me incumbi do favor de levar três amigos em casa no meu carro. Chovia muito. Fomos até a Cohab 2 levar dois amigos em casa (pai e filho). Quando voltávamos em direção a Rua Amaury de Medeiros, encontramos um carro – Gol prata com vidro fumê – parado. Buzinei e passei. Seguimos nosso caminho, eu e um amigo.
Não demorou muito para notar, através do retrovisor do meu carro, que o veículo estava a nos seguir de perto. Na descida da Amaury de Medeiros, o veiculo “em atitude suspeita” nos cortou e se colocou lentamente a nossa frente. Na rua paralela à linha férrea, irritado com a lentidão e já desconfiado, eu acelerei e cortei-o. Circulamos a Praça 10, atravessamos a rua da usina e o carro a nos seguir.
No semáforo do cruzamento entre a Igreja Matriz e o Banco do Brasil, o sinal estava aberto para nós. No entanto, havia dezenas de pessoas que atravessavam a rua, oriundas do bloco dos estudantes e fomos obrigados a parar ao lado de outro veículo que também esperava os pedestres passarem.
De repente, o veiculo se posiciona na nossa passagem inesperadamente. Descem do veiculo três homens com armas na mão. Eu ainda iniciei a marcha ré, mas eles correram em nossa direção com armas em punho, aos gritos:
- Pare o carro! Desce do carro!
Eu e meu amigo nos apavoramos. Gritamos um para o outro do carro:
- É um assalto. Minha cabeça fervilhou imaginando a perda do fruto do meu suor...
O meu amigo sentiu-se aliviado quando conseguiu identificar um dos homens:
- Tudo bem Ricardo – disse meu amigo – é policial. Ele vai me reconhecer.
Ledo engano. Num misto de alívio por não se tratar de assalto e susto pelo tipo de abordagem feita, fomos saindo do carro, sob os gritos dos policiais civis com armas na mão, sem nenhum tipo identificação no carro, nem camisas ou batas que nos tranqüilizassem e também não assustassem as pessoas que estavam passando.
Em efeito colateral, nem eu e nem meu amigo nos acalmamos.
Os policiais, especialmente o que abordou o meu amigo, gritava, pedindo que colocássemos as mãos na cabeça. Arrogantemente gritava dizendo-se da polícia. Da minha parte, eu tentava entender o que realmente estava acontecendo. Me virei para policial que me revistou e traçamos a seguinte conversa, que irei escrever conforme minha educação e emoção e muito próximo ao que realmente se passou:
- O que foi que houve policial? O que fizemos de errado? Porque essa confusão toda? Veja quantas pessoas na rua! Que vergonha pra mim, pra meu amigo? Tinha necessidade disso? Eu passei por vocês na Cohab 2 e só aqui vocês abordaram a gente?
- É uma abordagem de rotina, meu amigo. Uma moto passou e apontou o seu carro. A placa de Natal foi alvo de suspeita.
- só porque meu carro tem placa de Natal? Quem foi essa moto? Como é que pode vocês acreditarem num motoqueiro que achou suspeito meu carro? Eu não estava correndo pelas ruas cidade, eu não estava parado em atitude suspeita ou cometendo nenhum ato de violência...
- Mas não tem escrito no carro nem na sua testa que você é cidadão ou bandido...
- Nem na sua também – retruquei o argumento.
Um terceiro policial se aproximou e perguntou se eu era de Gravatá e o que eu fazia da vida. Informei que era residente aqui mesmo e que era professor. Que o meu amigo residia bem dali perto e que era estudante de direito, que tínhamos ido levar um amigo em casa... (este policial conhecia o meu amigo e simplesmente não tentou acalmar os ânimos de seus colegas)
Enquanto isso, meu amigo discutia ferozmente com o outro agente. Eu tentava manter a calma para que não perdêssemos os nossos direitos de cidadãos livres, que poderíamos ir e vir sem sermos desrespeitados e humilhados publicamente, diante de tantas pessoas. O policial que gritava com meu amigo, ainda revistou a mala do carro, os bancos e, sentindo-se talvez decepcionado, bateu violentamente a porta do meu carro e evadiram, deixando-nos transtornados e envergonhados com a atitude.
Pessoas que assistiram tudo, assustadas, se aproximaram e perguntaram se estávamos bem e demonstraram toda a indignação diante da cena desnecessária de agentes policiais que deveriam exercer suas funções em detrimento do direito comum e do respeito ao cidadão.
Dentro do meu veículo, ainda atordoados, resolvemos nos dirigir a Delegacia de Polícia para ao menos relatar o fato ao Delegado e solicitar dele uma orientação tanto para nós quanto para os policiais. Quando lá chegamos, um novo diálogo, dessa vez, ainda mais estridente:
- O que foi que houve? – perguntou o agente que se identificou como Marcelo (que me abordou).
- A gente quer conversar com delegado. – dissemos quase com mesma voz.
- Mas por quê? Vocês apanharam? A gente estava fazendo o nosso serviço. Você no meu lugar faria a mesma coisa. – explicava o Marcelo.
- Não, a gente não apanhou e nem eu faria a mesma coisa que você. Mas a gente se sente humilhado porque vocês não souberam abordar a gente. Porque que seguiram a gente por mais de 1 km, até chegar no centro da cidade, diante de tantas pessoas e fechar o meu carro daquela maneira? – eu já não estava tão calmo...
- Queremos falar com o delegado ou com o comissário.
- Nem um nem outro está.
- Ok. Então amanhã a gente vem. – disse meu amigo.
- Venha! O meu nome é Marcelo. Diga que vocês foram abordados por nós. (havia um tom sarcasticamente ameaçador na fala do agente)...
Quando ainda fechava a porta do carro, ouvimos um dos agentes (o que abordou aos gritos meu amigo) dizer: - “Se eles vierem, a gente diz que eles desacataram a autoridade policial...”
Ao que me consta, cabe ao policial civil ou militar, zelar pela ordem e sossego públicos e pela incolumidade física dos cidadãos. Sei que no exercício de suas funções, lhes são concedidas algumas franquias, como o uso de armas de fogo, algemas e outros apetrechos sem os quais não poderá combater a criminalidade. Reconheço que é direito de todo policial honroso e sei que exercício regular desse direito não passa pelo abuso, nem se inspira no excesso ou desvio do poder conferido.
Mas, todo direito se faz acompanhar de um dever, que é o de se exercer perseguindo a harmonia das atividades. A contravenção a este dever constitui abuso de direito. Os policiais que nos abordaram não poderiam, a meu ver, usarem do preposto de que nós havíamos cometido ato ilícito ou conduta criminalmente tipificada só pelo fato de “alguém apontar meu carro como suspeito”. Eu entendo que os policiais praticaram ato abusivo (com excesso de autoridade) que causou dano ao patrimônio subjetivo moral, meu e do meu amigo.
Todo homem tem direito à integridade de seu corpo e de seu patrimônio econômico, tem igualmente à indenidade do seu amor-próprio (consciência do próprio valor moral e social, ou da própria dignidade ou decoro) e do seu patrimônio moral. E este patrimônio, eu prezo demais, por ser formador de opinião, por ser educador e por ser, simplesmente, cidadão.
E aqui vai um alerta a todos os cidadãos e também um aviso aos policiais: Se por abuso de autoridade e ameaças for atingido qualquer cidadão, obviamente arranhões foram produzidos em sua reputação moral, merece sua reparação condizentemente. Acabei de ler artigo 186, do Estatuto Civil, que diz: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
O parágrafo 6º, do art. 37 da Carta da República, lembra que: “As pessoas de direito público e as de direito privado prestadores de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
Por certo que, em tese, a atividade policial desempenhada envolve pequenos constrangimentos ao cidadão comum, tais como as revistas em bagagens ou pessoais, como mal necessário justificado pelo interessa maior público. Daí falar-se em dano mínimo, superável e justificável. Todavia, cada caso há de ser investigado detidamente.
O modo de abordagem também há de ser apreciado, pois tal como qualquer outro servidor público o policial deve agir com urbanidade, imparcialidade e impessoalidade. Não que haja um ideal de educação de uma Scotland Yard, mas se exige um mínimo de tratamento civilizado ao cidadão, mesmo que se verifique singelo elemento de suspeita de algum ilícito penal típico. A forma de abordagem relatada acima comprova o total despreparo dos policiais.
Eu entendo que é preciso reagir contra estes abusos de autoridades, exigir que nossos direitos sejam respeitados. Nem sempre podemos evitar que estas violências sejam praticadas contra nós, por aqueles que têm o dever – e ganham para isso – de garantir nossos direitos. Mas muitas coisas podemos fazer para evitar que elas aconteçam ou para nos livrarmos delas. O importante é não cruzemos os braços nem calemos a boca, senão essas violências contra nós continuarão e aumentarão cada vez mais.
Estou assim escrevendo porque conheço meus direitos e deveres e respeito os dos outros. Eu fico imaginando quantos pobres, principalmente, diariamente são vítimas de abusos de autoridades. Quantos são presos ilegalmente, sem ter cometido qualquer crime; quantos são revistados sem motivo e com violência; quantos barracos são invadidos por policiais, em busca de marginais que nem conhecem; quantas confissões são exigidas à força, com torturas e quantos são obrigados a testemunhar o que não viram nem ouviram?
Para finalizar, gostaria de deixar um recado aos policiais:
- Seu dever é proteger os cidadãos, garantindo suas liberdades asseguradas na Constituição;
- Não deve cometer um crime para descobrir outro;
- A violência que você cometer poderá resultar na perda de seu emprego, em pagamento de indenizações às vítimas e em sua condenação criminal;
- Agindo com violência, você estará contribuindo para que a violência se perpetue. Amanhã, a vítima pode ser você ou alguém seu;
- Sua arma só pode ser utilizada em casos de extrema necessidade;
- A autoridade deve ser imposta pelo respeito, na moral, e não pela força do arbítrio.
CUMPRA COM SEU DEVER, DENTRO DA LEI. SEU TRABALHO SÉRIO E HONESTO É INDISPENSÁVEL PARA TODOS NÓS. A SOCIEDADE PRECISA DE CONFIAR EM VOCÊ.