Os Que Partem, Ficam.
Quando minha Avó
Materna desencarnou, escrevi um poema com este título. Em um dos versos digo
que o Amor nos aguarda mesmo quando a luz se apaga. Tentava dizer a mim mesmo
que a morte do corpo físico não significava o aniquilamento dos laços que
uniram os nossos corações. Minha Avó-Mãe havia falecido, mas, a ligação
permaneceria como o Sol nos trópicos.
No entanto, a dor da
separação, do apego, da saudade, do convívio no singular é gritante quando
sabemos que aquele colo, aquele olhar, aquele sorriso, aquele beijo, aquele
abraço, aquela presença já não são mais plausíveis. Por isso a dor da morte é
tão desconfortante que, por mais que tenhamos consciência de é um fenômeno
natural, não há quem fique indiferente, especialmente quando um pai, uma mãe
precisa dar adeus a um filho, a uma filha.
Unanimemente a morte
é causadora de caos em nossos sentimentos, em nossas certezas, em nossas
esperanças, especialmente porque encaramos a morte como o fim de tudo. Para
quem tem amigos que perderam uma filha, como eu, fatalmente tais explicações de
nada servem. É o silêncio que basta acompanhado pelo olhar e pelo abraço de
solidariedade humana. No entanto, eu, não sei calar-me totalmente. Preciso escrever-lhes,
amigos, Ozano e Dulce.
Eu não sei dizer,
simplesmente que “Deus quis assim”, “era
a hora dela”, “a vida continua”, “ela era uma filha especial e agora está no
além” “era iluminada figura familiar”... Ou afirmativas do tipo “eu sei o que estão passando porque eu perdi
minha avó”. Mas sei que tudo agora parece um pesadelo que logo acaba assim
que os primeiros raios do dia nos chamem.
Qualquer pai,
qualquer mãe trocaria própria vida pela existência de um filho, de uma filha. Mas,
nós que ajudamos a eles (os filhos) a virem ao mundo para escreverem a sua
própria história, precisamos recordar que, assim como um o combustível de uma
vela tem seu tempo, assim como o casulo de uma flor eclode na hora certa e
assim como cada folha de árvore forra o chão no tempo hábil, a vida deles
envereda para além dos nossos olhos e sentidos.
Comparar a perda de
um filho, de uma filha com qualquer outra me parece injusto porque viver sem um
filho ou filha é viver na mais absoluta solidão parental. Nesse momento, vocês se
encontram impossibilitados de se projetarem nela, e sem a chance de recuperá-la.
Alguém irá dizer:
- Ah, tudo isso é a
ordem natural das coisas.
E a dor da perda questiona:
- Que ordem é essa
que extingue a verdade de que os filhos são a continuidade dos pais?
Coincidentemente estive
lendo um livro de Augusto Cury onde ele afirma que muitos filhos só entenderão
que deveriam ter conhecido e amado mais seus pais no dia em que ele fecharem os
olhos para sempre. E eu, na condição de pai me perguntei:
- E se for de forma
contrária? Precisaria perder uma filha para lembrar a importância que ela tem?
Assim como muitos de
nós, vocês não tem esse tipo de dúvida, porque sabem que fizeram a parte que
lhes cabiam enquanto pais. Muitos cientistas estão reunidos nesse momento para
discutirem o futuro do planeta. Fala-se tanto da necessidade de deixar um
planeta melhor para os nossos filhos e, esquece-se da urgência de deixarmos
filhos melhores para o nosso planeta.
Ozano e Dulce, durante
dezesseis anos, foram guias formidáveis e exemplos de amor e dedicação a menina
Maria Luiza. De sorriso fácil ao
lado de quem amava e de quem era amiga, a menina de pele clara costumava beijar
o pai amado muito mais do que ele esperava. Assim foi revelado pelo próprio,
ontem, enquanto abraçado com a filha Maria
Fernanda. A partir de hoje o pai vai precisar guardar na memória a sensação
dos carinhos, dos abraços e dos beijos e, todas as vezes que se sentir saudade,
deverá sorrir e agradecer a Deus pelo amor que seguiu a filha para a verdadeira
vida.
Quanto a mãe, amiga,
companheira e confidente, que sabia orientar quando a vontade era castigar
pelas traquinagens de menina, prefiro parafrasear Agatha Christie, quando disse
que o amor de mãe por seu filho (nesse
caso, pela filha) é diferente de qualquer outra coisa no mundo. Ele não obedece
lei ou piedade, ele ousa todas as coisas e extermina sem remorso tudo o que
ficar em seu caminho.
E para a irmã que cobre
de luto a sua alma diante dessa realidade que machuca, será inevitável chorar
quando for ao quarto e perceber que há uma cama vazia. Maria Fernanda forçosamente irá sorrir quando for aos lugares onde
costumavam compartilhar alegrias e, mais tarde, irá buscar consolo no colo dos
pais, dividindo o peso da saudade.
Nas datas
comemorativas, todos irão vibrar, rogando a Deus, que a filha dileta, a irmã
amada esteja presente. Na hora do sono todos sonharão com a figura iluminada de
Maria Luiza. Ela irá sorrir e dizer
de que tudo está bem, acalentando a todos com a certeza de que brevemente
estarão reunidos em nome do Amor de Deus-Pai.
Vazio absoluto. Um
nada sem chão, teto ou paredes. Mais que um poço fundo, o fundo sem o poço. A
falta de ar. O desespero. A desesperança. Irracional, ilógico, inaceitável. Todas
essas ideias são presentes agora, nesse momento de dor em que todos somos
testemunhas. A sensação que vocês sentem, nesse momento, é de que morreram
juntos com Maria Luiza.
Porém, como não
existe ex-Irmã, nem ex-Pai nem ex-Mãe, não existe ex-Filha e não haverá
aniquilamento do amor que vocês construíram juntos. E como este amor é
incomensurável, a vida vai se encarregando de mostrar a incondicionalidade deste
sentimento ajuda a reafirmar que os partem, de alguma maneira, ficam eternizadas
pela beleza da vida que se fez vida no meio dos seus.
Vai com os anjos,
Maria Luiza. Vai em paz.
Ficaremos aqui, meros
espectadores, observando o facho de luz que indica o teu caminho em direção às
moradas celestiais, pois é para lá que vão todos os seres que cumpriram sua
missão dignamente.
Vai... Jesus te espera.
Ricardo Vieira.
14 de Junho de 2012.
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