Livro Primeiras Águas - Poesias

Este é o livro I da série Primeiras Águas.

Campanha Gravatá Eficiente

Fomentando uma nova plataforma de discussão.

A Liberdade das novas idéias começa aqui.

terça-feira, 30 de julho de 2013

Vida Longa ao Aprendizado





Ouvindo e estudando todos os ensinamentos e reflexões deixadas pelo Papa Francisco, eu me recordo das muitas batalhas que tive como educador anos atrás, em Pombos. Experiências traumáticas e valiosas, norteadoras e viscerais para a minha formação humana... Histórias que nunca vou esquecer. Por exemplo:

Eu dava aulas a uma turma de 8ª série na escola 11 de Dezembro, quando a os resultados da guerra de Ruanda foram apresentados pela televisão. Eram cenas de um genocídio cruel só comparado às misérias promovidas pelo Nazismo. A segunda guerra do Congo - consequência dos conflitos em Ruanda - estava no auge de sua força mortal. As vítimas do extermínio, segundo estimativas cautelosas, foram quinhentas mil; segundo os maiores críticos, um milhão.



Por ocasião dessas guerras, o então Papa João Paulo II, escreveu uma carta de solidariedade ao povo de Ruanda. Desde as primeiras notícias dos violentos massacres que estavam ocorrendo em Ruanda, a voz do Santo Padre João Paulo II elevou-se para invocar a reconciliação e a paz. Em 9 de abril de 1994, numa mensagem enviada à comunidade católica de Ruanda, o Papa dirigiu exortou a “não ceder a sentimentos de ódio e vingança, mas praticar o diálogo e o perdão com coragem”. “Nessa trágica fase da vida de sua nação - escreveu o Papa - sejam todos artífices de amor e de paz”.

Enquanto o Papa escrevia documentos, cartas e pronunciamentos, muitos líderes católicos e anglicanos apoiavam o regime extremista dos hutus e, o pior, foram mortos 103 padres, 76 freiras e 53 irmãos consagrados. Essas notícias, esses dados não chegaram a maioria da população ocidental. Quando soube disso, resolvi compartilhar com meus alunos formandos, aprofundar as questões do que se pode realmente fazer para vivermos em paz.

Grande parte daquela sala era de católicos apostólicos romanos, participavam de um grupo de jovens da paróquia de Pombos. Nessa mesma época, pela amizade e proximidade que tínhamos, alguns alunos me convidaram para conhecer o grupo de oração. Eu fui. Saí decepcionado com o tipo ou nível de discussão que circulava nas reuniões. A temática da vez era “padre deve ou não casar”.

Na segunda-feira seguinte, durante a aula, alguém me questionou sobre a questão e eu, incisivo, disse:
- Vocês estão perdendo tempo com questões irrelevantes para vida católica, para a vida religiosa, para o legado cristão de cada um que está aqui. Ao invés de discutirmos se padre deve ou não casar, que tal fazermos uma campanha do quilo para ajudar as pessoas da rua do lixo? Não vamos perder tempo com esse tipo de polêmica que não leva a nada. Alguns baixaram a cabeça, e, ouviram minha conclusão:

- Vejam a postura do Papa João Paulo II. Escreveu uma carta para o povo de Ruanda que está sofrendo com o que restou deles depois da guerra. São crianças, homens, mulheres, idosos mutilados pelo massacre. Se eu fosse Papa, mandava derreter todo o ouro do Vaticano (começando pela cadeira, pela pia, pelos anéis do próprio) e distribuiria para a população. Se ele é representante de Jesus na Terra, deve se recordar do Mestre que disse que o Filho do Homem não tem uma pedra para encostar a parede. (...).

Um dos jovens do grupo que me convidou (ainda me recordo do nome dele, mas prefiro n citar) me olhou com certo ódio e disse:
- Professor, o senhor está desrespeitando o Papa. O senhor só fala isso porque é Espírita. (...)

Dias depois fui chamado pelo diretor para uma conversa. Sem querer saber da minha versão, me contou que um grupo de alunos havia ido se queixar de mim ao pároco e que o mesmo pedira a minha saída da escola, porque, segundo a leitura de todos, eu estava tentando manipular a cabeça dos meninos e influenciá-los para mudarem de religião.

Quando terminei a conversa com o diretor, revoltado, chorando, anunciei que estava indo procurar o padre para uma conversa franca. O diretor disse que valeria a pena, etc. Mas, mesmo assim, eu fui direto à casa paroquial. Cheguei em frente ao portão da casa paroquial e praticamente gritei para que o padre viesse me atender. Depois de muito insistir, ele mandou uma pessoa me receber, dizendo que não estava. Até hoje eu trago comigo umas verdades que ele precisava ouvir, travadas na minha garganta. Assim como me dói até hoje, a decisão do diretor em me deixar a disposição da Secretaria de Educação, tirando-me daquela escola que eu tanto gostava de trabalhar.

Quem conhece o padre sabe de milhares de controvérsias, erros e injustiças cometidas por ele. Quem conhece alguns daqueles alunos, sabe o caminho que trilharam desabonando a sua conduta cristã. Quem NÃO me conhece, até hoje me aponta como casca de ferida. E eu, como sempre falo, deixo que o tempo mostre a verdade que não abro mão: a fé deve ser vivida sem cegueiras e repleta de questionamentos. Eu queria, só por um instante, olhar os rostos dos ex-alunos diante do que se fala abertamente hoje sobre os Papas, sobre os escândalos, sobre as comparações INEVITÁVEIS entre Francisco e seus antecessores.



O que disse para eles (alunos) naquele ano foi que se a fé sem obra é morta, como ensina o evangelho. Que não adianta rezar e continuar a fazer tudo errado, como diz canção de Fernando Mendes. Que não vale a pena acreditar na religião sem ter o direito de questioná-la, sempre que necessário. Que o mundo precisa de tolerância, em todos os sentidos. Mas, profeticamente plagiando, diria que eles não tinham ouvidos de ouvir, de entender, de tolerar que há verdades fora de nós.

Eu queria olhar para eles (alunos, diretores e padre) diante de uma constatação publicada por um católico recentemente e que agora compartilho com vocês. Observem o texto e a imagem. Se a imagem diz tudo, o texto não refuta o que disse há 14 anos. O texto é o seguinte:

REPARE NAS 7 DIFERENÇAS:

1. Mudou o trono dourado por uma cadeira de madeira... Algo mais apropriado para o discípulo de um carpinteiro (O Sr. Jesus).
2. Ele não aceitou a estola vermelha bordada a ouro roubada do herdeiro do Império Romano, ou a capa vermelha.
3. Usa os mesmos sapatos pretos velhos, não pediu o vermelho clássico.
4. Usa a mesma cruz de metal, nenhuma de rubis e diamantes.
5. Seu anel papal é de prata, não de ouro.
6. Usa sob a batina as mesmas calças pretas, para lembrar-se de que é apenas um sacerdote. Você já descobriu a sétima diferença?
(Retirou o tapete vermelho, Parece que não se interessa tanto pela fama e aplausos.).






Mesmo sendo Espírita, agradeço a Deus pela chegada desse novo Papa, ou desse Papa novo, com ideias e atitudes muito mais coerentes, tolerantes, cristãs, humanas e verdadeiramente humildes. É por tudo isso que assistimos na última semana que o povo brasileiro, nação de tantos credos, aplaude Francisco, como se ele fosse da família carnal.

No mais, depois destes anos todos em sala de aula, aprendi muita coisa. Só não aprendi ainda a silenciar diante de um momento que inspira aprendizado. E assim como Francisco e tantos outros, prefiro errar falando a silenciar na omissão. Pensemos nisso.

PS: João Paulo II foi um dos grandes líderes religiosos e um dos homens mais influentes do século XX. Seu legado permanecerá sendo respeitado e reverenciado por todos, inclusive por mim.

terça-feira, 23 de julho de 2013

DESENCARNA, VIAJA DOMINGUINHOS





Um Cristo pregado numa cruz
Um cego que tenta acender a luz
Como o dia que transcorresse sem o sol
Como o peixe a ser fisgado no anzol
Como um rio que não corresse mais
Como um louco que já não vive em paz

Assim sou eu vivendo sem teu amor
Sou como as águas do riacho que a correnteza levou
Como as águas do riacho que a correnteza levou
Como as águas do riacho que a correnteza levou

Como a rosa que morreu com a idade
Como o vento que destruiu a cidade
Como a chuva que molhou o nosso pranto
Como a vida que vive lá no canto
Como a folha que seca cai no chão
Como o mar sem a sua agitação
Assim sou eu vivendo sem teu amor.

Esta é canção “Correnteza” de Jorge de Altinho e Ezequias Rodrigues.

Não sei explicar direito, mas foi esta a primeira canção que me veio à mente quando soube do desencarne de Dominguinhos. Aliás, é possível que eu saiba. Contudo, me falam elementos fonéticos que possam expressar com exatidão o sentimento que corre nesses parágrafos. O que sei que sinto, nesse momento, não é de perda. É de total alívio. Alívio diante de uma angústia, de um sofrimento, de uma dor que lhe mata minuto a minuto. Talvez, posso assim dizer, a mesma dor retratada pela canção do poeta Altinense. Quiçá, mas dramaticamente ainda, seja o mesmo suplício enfrentado por Prometeu, após revelar Pandora ao mundo dos mortais.

Imaginemos, por exemplo, um sujeito que está sentado no corredor da morte, totalmente inocente dos seus crimes. Ele observa os médicos passando, organizando a dose letal; ele recebe o padre pra extrema unção; compreende a leitura das leis que pesam sobre ele e... por um motivo qualquer, resolvem adiar por mais um dia a sua morte... por mais dois dias... por mais dois dias. E quando finalmente chega o dia, a dose não foi letal. Ele sente ópio lhe invadir lentamente, torturando o seu corpo. Por dias ele permanece nessa condição.

Suponhamos, também, um paciente acometido de uma doença degenerativa. Um professor ou um cantor que ganha sua vida com a voz e perde as cordas vocais. Um velocista que precisa das pernas pra bater seus recordes e torna-se tetraplégico. Um pianista que tem seus dedos e mãos atrofiados por um acidente qualquer. Corpo doente é corpo limitado e preso, condenado a não viver em plenitude tudo que se pode e se deve viver.

Doença e saúde se referem ao estado em que se encontram as pessoas e não ao estado de órgãos ou partes do corpo. O corpo físico nunca está só doente ou só saudável, já que nele se expressam realmente as informações da consciência. O corpo de um ser humano vivo deve seu funcionamento ao espírito que o habita.  Quando as várias funções corporais se desenvolvem em conjunto dentro de uma harmonia, ele se encontra num estado que denominamos de saúde. Se uma função falha, ela compromete a harmonia do todo e então falamos que ele se encontra em um estado de doença. A doença é a perda relativa da harmonia.

Por fim, imaginemos, vencermos todas essas limitações. O professor voltar a dar aulas. O cantor voltar a encantar com sua voz. O atleta percorre distâncias maiores. O musicista que se entrega novamente aos concertos mais completos de sua carreira. Nesse momento, o Cristo não estará mais no alto do madeiro e nem o mar irá perder a sua agitação. Os dias irão transcorrer em pleno sol de verão e a vida não mais viverá num canto, esquecida.

É justamente assim, creio eu, que está se sentindo Dominguinhos. Vencedor das suas batalhas. Herói nas suas limitações. Homem de carne e osso que não sofre mais com as limitações impostas pela doença. Ser eterno que traça agora nova rota em direção ao infinito.

Agarrado com sua sanfona, se junta ao rol dos sanfoneiros nordestinos que outrora partiram e aguardavam ansiosos pelo reencontro com o compadre. Sivuca, de garra com sua sanfona, deve tá tocando “Subindo ao Céu”, todo prosa. Já o Rei do Baião, deve solicitar a canção “Ave Maria Sertaneja”, com os olhos voltados para o afilhado, estendendo-lhe o abraço. Lindú (do Trio Nordestino) provavelmente se balança de alegria com o reencontro, gritando: “Êta, bicho bom”.

O Festival de Inverno de Garanhuns, com certeza, sofrerá o frio mais atordoante de sua história. O seu filho mais ilustre acabou de partir para as estrelas. E daqui, do mundo dos mortais, continuaremos sentindo o frio da tua ausência, a saudade da tua voz, a solidão da tua voz grave e a alegria de que temos a certeza do teu lugar no céu dos justos.

Vai, teu sorriso está conosco. Tua canção e tua poesia continuarão ecoando entre os Brasis desses Sertões.