Ouvindo e estudando
todos os ensinamentos e reflexões deixadas pelo Papa Francisco, eu me recordo
das muitas batalhas que tive como educador anos atrás, em Pombos. Experiências
traumáticas e valiosas, norteadoras e viscerais para a minha formação humana...
Histórias que nunca vou esquecer. Por exemplo:
Eu dava aulas a uma
turma de 8ª série na escola 11 de Dezembro, quando a os resultados da guerra de
Ruanda foram apresentados pela televisão. Eram cenas de um genocídio cruel só
comparado às misérias promovidas pelo Nazismo. A segunda guerra do Congo - consequência
dos conflitos em Ruanda - estava no auge de sua força mortal. As vítimas do
extermínio, segundo estimativas cautelosas, foram quinhentas mil; segundo os
maiores críticos, um milhão.
Por ocasião dessas
guerras, o então Papa João Paulo II, escreveu uma carta de solidariedade ao
povo de Ruanda. Desde as primeiras notícias dos violentos massacres que estavam
ocorrendo em Ruanda, a voz do Santo Padre João Paulo II elevou-se para invocar
a reconciliação e a paz. Em 9 de abril de 1994, numa mensagem enviada à
comunidade católica de Ruanda, o Papa dirigiu exortou a “não ceder a
sentimentos de ódio e vingança, mas praticar o diálogo e o perdão com coragem”.
“Nessa trágica fase da vida de sua nação - escreveu o Papa - sejam todos
artífices de amor e de paz”.
Enquanto o Papa
escrevia documentos, cartas e pronunciamentos, muitos líderes católicos e
anglicanos apoiavam o regime extremista dos hutus e, o pior, foram mortos 103
padres, 76 freiras e 53 irmãos consagrados. Essas notícias, esses dados não
chegaram a maioria da população ocidental. Quando soube disso, resolvi
compartilhar com meus alunos formandos, aprofundar as questões do que se pode
realmente fazer para vivermos em paz.
Grande parte daquela
sala era de católicos apostólicos romanos, participavam de um grupo de jovens
da paróquia de Pombos. Nessa mesma época, pela amizade e proximidade que
tínhamos, alguns alunos me convidaram para conhecer o grupo de oração. Eu fui. Saí
decepcionado com o tipo ou nível de discussão que circulava nas reuniões. A temática
da vez era “padre deve ou não casar”.
Na segunda-feira
seguinte, durante a aula, alguém me questionou sobre a questão e eu, incisivo,
disse:
- Vocês estão perdendo
tempo com questões irrelevantes para vida católica, para a vida religiosa, para
o legado cristão de cada um que está aqui. Ao invés de discutirmos se padre
deve ou não casar, que tal fazermos uma campanha do quilo para ajudar as
pessoas da rua do lixo? Não vamos perder tempo com esse tipo de polêmica que não
leva a nada. Alguns baixaram a cabeça, e, ouviram minha conclusão:
- Vejam a postura do
Papa João Paulo II. Escreveu uma carta para o povo de Ruanda que está sofrendo
com o que restou deles depois da guerra. São crianças, homens, mulheres, idosos
mutilados pelo massacre. Se eu fosse Papa, mandava derreter todo o ouro do
Vaticano (começando pela cadeira, pela pia, pelos anéis do próprio) e
distribuiria para a população. Se ele é representante de Jesus na Terra, deve
se recordar do Mestre que disse que o Filho do Homem não tem uma pedra para
encostar a parede. (...).
Um dos jovens do grupo
que me convidou (ainda me recordo do nome dele, mas prefiro n citar) me olhou
com certo ódio e disse:
- Professor, o senhor
está desrespeitando o Papa. O senhor só fala isso porque é Espírita. (...)
Dias depois fui chamado
pelo diretor para uma conversa. Sem querer saber da minha versão, me contou que
um grupo de alunos havia ido se queixar de mim ao pároco e que o mesmo pedira a
minha saída da escola, porque, segundo a leitura de todos, eu estava tentando
manipular a cabeça dos meninos e influenciá-los para mudarem de religião.
Quando terminei a
conversa com o diretor, revoltado, chorando, anunciei que estava indo procurar
o padre para uma conversa franca. O diretor disse que valeria a pena, etc. Mas,
mesmo assim, eu fui direto à casa paroquial. Cheguei em frente ao portão da
casa paroquial e praticamente gritei para que o padre viesse me atender. Depois
de muito insistir, ele mandou uma pessoa me receber, dizendo que não estava. Até
hoje eu trago comigo umas verdades que ele precisava ouvir, travadas na minha
garganta. Assim como me dói até hoje, a decisão do diretor em me deixar a
disposição da Secretaria de Educação, tirando-me daquela escola que eu tanto
gostava de trabalhar.
Quem conhece o padre
sabe de milhares de controvérsias, erros e injustiças cometidas por ele. Quem conhece
alguns daqueles alunos, sabe o caminho que trilharam desabonando a sua conduta
cristã. Quem NÃO me conhece, até hoje me aponta como casca de ferida. E eu,
como sempre falo, deixo que o tempo mostre a verdade que não abro mão: a fé
deve ser vivida sem cegueiras e repleta de questionamentos. Eu queria, só por
um instante, olhar os rostos dos ex-alunos diante do que se fala abertamente
hoje sobre os Papas, sobre os escândalos, sobre as comparações INEVITÁVEIS
entre Francisco e seus antecessores.
O que disse para eles
(alunos) naquele ano foi que se a fé sem obra é morta, como ensina o evangelho.
Que não adianta rezar e continuar a fazer tudo errado, como diz canção de
Fernando Mendes. Que não vale a pena acreditar na religião sem ter o direito de
questioná-la, sempre que necessário. Que o mundo precisa de tolerância, em
todos os sentidos. Mas, profeticamente plagiando, diria que eles não tinham
ouvidos de ouvir, de entender, de tolerar que há verdades fora de nós.
Eu queria olhar para
eles (alunos, diretores e padre) diante de uma constatação publicada por um
católico recentemente e que agora compartilho com vocês. Observem o texto e a
imagem. Se a imagem diz tudo, o texto não refuta o que disse há 14 anos. O texto
é o seguinte:
REPARE NAS 7
DIFERENÇAS:
1. Mudou o
trono dourado por uma cadeira de madeira... Algo mais apropriado para o
discípulo de um carpinteiro (O Sr. Jesus).
2. Ele não
aceitou a estola vermelha bordada a ouro roubada do herdeiro do Império Romano,
ou a capa vermelha.
3. Usa os
mesmos sapatos pretos velhos, não pediu o vermelho clássico.
4. Usa a mesma
cruz de metal, nenhuma de rubis e diamantes.
5. Seu anel
papal é de prata, não de ouro.
6. Usa sob a
batina as mesmas calças pretas, para lembrar-se de que é apenas um sacerdote.
Você já descobriu a sétima diferença?
(Retirou o
tapete vermelho, Parece que não se interessa tanto pela fama e aplausos.).
Mesmo sendo Espírita,
agradeço a Deus pela chegada desse novo Papa, ou desse Papa novo, com ideias e
atitudes muito mais coerentes, tolerantes, cristãs, humanas e verdadeiramente
humildes. É por tudo isso que assistimos na última semana que o povo
brasileiro, nação de tantos credos, aplaude Francisco, como se ele fosse da
família carnal.
No mais, depois destes
anos todos em sala de aula, aprendi muita coisa. Só não aprendi ainda a
silenciar diante de um momento que inspira aprendizado. E assim como Francisco
e tantos outros, prefiro errar falando a silenciar na omissão. Pensemos nisso.
PS: João Paulo II foi um dos grandes
líderes religiosos e um dos homens mais influentes do século XX. Seu legado
permanecerá sendo respeitado e reverenciado por todos, inclusive por mim.
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