sábado, 26 de abril de 2014

A Cidade Que Não Aprende Com os Próprios Erros.



Já ouvi e li muitos depoimentos contra a figura de Roberto Carlos no tocante ao seu papel durante a ditadura militar. Segundo alguns críticos fervorosos e cultos, a Jovem Guarda não levantou bandeira política contra o Estado ditatorial imposto no Brasil até os anos 80. Muita gente fala mal da postura que teve, por exemplo, Caetano Veloso, durante o mesmo regime, pois defendia a luta armada e a organização de guerrilhas em nome da liberdade. Outros tantos descem a lenha no Rei do Baião, que fora a favor do militarismo, afinal, ele esteve nas forças armadas.

No meu julgamento, penso que todos eles tiveram importância capital no processo de reconstrução política no Brasil. Aliás, todos os males (que não é o caso) pelos quais passamos, todos os erros que cometemos enquanto humanidade, enquanto povo, enquanto cidadão, enquanto pessoa, fazem parte de um processo evolutivo que sempre nos apontam para uma realidade mais justa, próspera, feliz. Isto quando aprendemos com os erros. E quando não aprendemos?

Eu aprendi com os meus próprios erros. E não foram poucos. Foram muitos. Alguns dos quais sofro o efeito da improvidência e da indisciplina até hoje, embora tenha me perdoado de todos eles. No tocante a minha atuação como professor, os erros me custaram os lindos cabelos que povoavam minha linda cabeça. (Risos!). Chistes à parte, devo dizer que os meus maiores erros foram cometidos pela inexperiência e pelo modo passional de encarar as coisas, antes dos 30 anos e justamente na cidade de Pombos, onde trabalho há quase duas décadas.

Estou escrevendo sobre Pombos porque tem sido recorrendo os meus sorrisos sarcásticos diante das notícias que tenho. Não é privilégio de Gravatá ter cargos comissionados e políticos perseguindo professores e trabalhadores municipais. O assédio moral existe em todas as esferas, em todos os municípios, claro. Mas, quando a cidade é provinciana e pouco desenvolvimento sociocultural, a situação piora. E é nesse momento que lembro da Ditadura, das mortes, dos direitos políticos cassados, da música de Roberto, de Caetano, de Luiz Gonzaga, da JOC Brasileira, dos movimentos sociais e o papel de algumas lideranças religiosas como Dom Helder Câmara... E faço a comparação entre Democracia, Socialismo, Comunismo, Ditadura...

Quando eu estive sendo porta-voz dos professores de Pombos, no começo deste século, através do SinPro-PE, a nossa comissão era formada por dez professores. Eu era (pra variar) o único homem do grupo e, portanto, sempre com o poder representativo da palavra nas negociações com o executivo. Dos dez componentes, após alguns meses de trabalho, restaram apenas dois: eu e professora Fátima. As demais colegas assumiram cargos na secretaria (estão lá até hoje), outras foram para direção escolar, outras foram estudar e não tiveram “tempo” pra comparecer às assembleias. Resultado... Eu virei alvo fácil. E assim, por um erro básico, foi condenado passar dois anos numa licença sem vencimentos. Um grupo de professores me chamou de “agitador”, de “irresponsável”, que eu só queria aparecer e ganhar um cargo (foi-me oferecido, inclusive), que eu não queria dar aula, etc. Outros me apontaram como pedófilo por ter permitido alunos assistirem o filme “Todo Mundo em Pânico”.

Sofri os piores momentos de minha vida. As maiores dificuldades financeiras, amorosas e pessoais bateram com força no meu consciente, com o mesmo poder que as condenações e perseguições sofridas no início dos anos 2000. Não fosse o meu emprego em Gravatá e do Pré-vestibular da Faintvisa, teria passado por necessidades financeiras graves, afinal, me preparava pra casar e constituir família.



Quando a candidata Jane Povão ganhou às eleições, fui convidado pela mesma a assumir cargo a combinar. Não aceitei. Pedi pra me liberar numa cedência solicitada pelo então prefeito de Gravatá, Ozano Brito. E assim foi feito. Afastei-me das mágoas corrosivas daquele ambiente. No segundo ano de mandato de Jane, tenho uma bela surpresa. A minha ex-diretora escolar me liga. A mesma que me apontava como agitador e irresponsável. O diálogo foi mais ou menos assim:
- Opa, Ricardo, como vai? Aqui é fulana de Tal.
- Olá, fulana! O que manda?
- Olhe, nós estamos aqui reunidas... Interrompi:
- Nós quem?
- Eu, fulana, cicrana, beltrana... (Todas figuras que mandaram na Educação de Pombos por oito anos e que, naquele momento estavam excluídas do processo da governança).
- É que a gente tá se reunindo para reativar o sindicato e gostaria de saber se você está interessado em nos ajudar.
- Olhe, fulana, você se recorda de quando eu estava como coordenador do sindicato, você e esse grupo que está ai me chamaram de agitador? E porque agora vocês me querem junto?
Nunca mais nos falamos...

Os anos se passaram e por não saber ouvir quem deveria ouvir, Jane foi derrotada e o ex-prefeito voltou como salvador da pátria. Tenho um vídeo gravado no dia da apresentação dele aos professores, no primeiro dia letivo de 2013, onde ele chorou e vi muitos professores chorarem com ele...

Essa semana, depois de ter faltado dois dias seguidos por conta da infecção, fui obrigado a me apresentar, mesmo doente, na escola onde dou maior parte das minhas aulas e onde tenho vivido momentos de paz. A diretora me deixou livre pra voltar pra casa quando viu meu estado. Mas antes de sair, um professor me contou a nova faceta da atual gestão:
Uma diretora e uma professora da maior escola do município estão respondendo a inquérito administrativo por terem liberado os alunos de uma turma, que não estavam suportando assistir aula sem uma ventilação que amenizasse o calor. A professora, por sua vez, foi julgada como sendo a organizadora de um motim feito por alunos em frente ao Paço Municipal.

Detalhe: assim como em Gravatá e em outros municípios, Diretor escolar é APONTADO pelo poder executivo e acatado pela Secretaria de Educação. Pois é! Nem quem faz parte da governança tem garantia de livre expressão.

Enquanto respirava um pouco na sala dos professores, ouvi outra professora proferir palavras de ordem, em defesa da soberania da liberdade de expressão, contra o assédio moral, que a união dos professores deveria tomar uma atitude, etc. etc.. O engraçado é que esta professora também fez parte dos privilegiados, que passaram anos fora da sala de aula, ocupando cargo político e que me apontou diversas vezes como seu inimigo, haja vista minha luta junto ao sindicato.

São erros políticos, passados e presentes, que nos conduziram a esta degradante situação. Se no passado, os erros nos levaram à acumulação de permanentes e avultados “privilegiados” a um nível de endividamento e de falta de transparência nas contas públicas, que hoje nos atirou para este empobrecimento coletivo no presente, também não deixa de haver erros quando os mesmos privilegiados querem lutar por direitos que não correspondem ao bem comum.



Venho repetindo em minhas aulas e em conversas com amigos, o que Milton Santos afirmava categoricamente no século passado: “Não há cidadania no Brasil. A classe média não requer direitos, e sim privilégios.” Bom lembrar, também, o grande José de Castro: Existem dois grupos no mundo “o grupo dos que não comem e o grupo dos que não dormem com receio do grupo dos que não comem".

Devo dizer que no Brasil, em cidades como Pombos e Gravatá, também existem esses dois grupos, onde um quer comandar e o outro, também. Outro dia li uma postagem no facebook que dizia: “Democracia é quando Eu Mando em Você. Ditadura é quando Você Manda em Mim”.

Eis porque não acredito mais em sindicatos, em movimentos de classe. Até porque não somos classe. Somos, no máximo, grupo de uma categoria desgastada pelas nossas próprias posturas egoístas, pela falta de formação e pela incoerência de alguns. Há uma guerra de um grupo contra o outro. Se não sendo privilegiado, grita. Se está recebendo regalias, favores e benefícios, o silêncio é claustro.
E o que a vida me ensinou? A lição de sempre defender os meus direitos quando me sentir ameaçado. E ponto final. Levantar bandeiras é participar de uma facção. Aqui, ali, acolá há a segregação de interesses que apontam apenas para o próprio umbigo.

E o que cidade de Pombos não aprendeu? Grave é a constatação de um povo que não tem memória, que não sabe avaliar sem pensar em barganhas e mais triste ainda é saber que a maior parcela da população entrega as suas vidas aos políticos e não os avalia, fiscaliza, cobra e exige que lhe é de direito.

Numa cidade como Pombos, a manipulação de interesses e a partilha de dádivas entre um pequeno grupo contrastam com o desejo de ver uma Educação Laica, Democrática e Libertária, que traga ordem, disciplina, honra e progresso.

Para mim, um povo sem memória é um povo sem história. E um povo sem história está fadado a cometer, no presente e no futuro, os mesmos erros do passado. Esta é uma cidade que não aprende com os próprios erros e reproduz a falência de todos os setores da vida social, política e econômica – molas do desenvolvimento pátrio.

Será que a solução é voltar ao marco zero? Desaprender para aprender? Deletar para escrever em cima? Houve um tempo em que eu pensava que, para isso, seria preciso nascer de novo, mas hoje sei que dá pra renascer várias vezes nesta mesma vida. Basta desaprender o receio de mudar.


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