sexta-feira, 25 de junho de 2010

DEIXEM JOÃO FALAR





Você não pode imaginar a falta que João faz. Seu jeito de ser, suas falas e seus compromissos deixaram sinais claros para sua geração. Foi ele quem preparou o caminho para o ministério de Jesus, confrontou as classes política e religiosa. Corajosamente, denunciou as contradições dos poderosos e revelou tramóias familiares. João, o Batista, não ficou calado. Soltou a garganta e abriu a boca para dizer o que muitos não gostariam de ouvir.




Confesso que quando criança eu tinha medo de João. Sua maneira de vestir, comer e viver pareciam estranhas. Sempre imaginei alguém carrancudo, misterioso e distante. Mas, com o passar do tempo, percebi que ele me ajudava a construir outros valores.




Numa sociedade midiática, representante dos maiores espetáculos e dos incríveis interesses econômicos, João abre outros caminhos para aqueles que estão na periferia do show, dos estádios e das cidades. Sua simplicidade, aparentemente alienante, é provocadora. Em sua apresentação pessoal, João propõe inversões. Ele traz da borda para o centro e leva o que é “fundamentalmente central” para as margens. Há intencionalidades no seu coração.




As boas notícias que estavam por chegar revelariam que todos aqueles que foram lançados na marginalidade seriam convidados para a festa. É por isso que crianças, mulheres, pobres e prostitutas encontraram tanta graça e intenso cuidado em Jesus. Numa sociedade que privilegiava (e privilegia) adultos, homens, ricos e moralistas, é possível compreender o impacto de tal mensagem, geradora de revisões para todos.




Como aceitar que crianças e “quengas” chegarão primeiro ao Reino dos Céus? Como acreditar que mulheres trazem consigo o valor inerente de ser pessoa criada à imagem e semelhança de Deus e não estão sujeitas ao machismo e patriarcalismo, historicamente impostos sobre elas? Como reconhecer que os pobres contam com uma aliança divina para lutarem por suas causas, visto que ricos poderosos já o fazem por sua própria condição? Como entender que aqueles que não integram e acatam nossos valores morais e religiosos possam ser aceitos e acolhidos?




Desconfio que por estas razões é que João, para alguns, deve permanecer quieto. Os motivos não devem ser outros, afinal, ele nunca concorreu com Jesus. Em diversas ocasiões, afirmou: “...que Cristo cresça e que eu diminua.”




João sabia quem ele era e reconhecia quem Jesus é. Tudo aquilo que João fez e falou apontava para Jesus. E tudo o que foi dito e realizado por Jesus confirmou as palavras de seu antecessor. O ministério de Cristo espelhou com impacto os compromissos do profeta do deserto e, por sua própria natureza e perfil, também incomodou e ainda provoca tanta gente. Certamente, por esta razão, João teve sua cabeça oferecida na bandeja; e Cristo, seu corpo exposto numa cruz.




Na semana dos festejos juninos, deixemos que João continue a falar!




Sérgio Andrade – Deão da Catedral Anglicana da SS. Trindade

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