Livro Primeiras Águas - Poesias

Este é o livro I da série Primeiras Águas.

Campanha Gravatá Eficiente

Fomentando uma nova plataforma de discussão.

A Liberdade das novas idéias começa aqui.

sábado, 21 de setembro de 2013

FÓRUM MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO – GRAVATÁ – 2013



Impressões e Avaliações.

Caros amigos, professores, camaradas do ideal educacional do município:

Não poderia me omitir de deixar as minhas impressões acerca do que foi o Fórum Municipal de Educação, assim como fiz uma análise pessoal da COMUDE 2009 - CONFERÊNCIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. E aqui, assim como no texto escrito em 2009, não há nenhum traço de “partidarismo” ou “personalismo”, tampouco “crítica pessoal” contra nenhum sujeito envolvido na articulação do evento. Sinto-me a vontade de escrever porque busquei estudar, analisar e colaborar com as questões envolvidas no evento a partir do que entendo sobre educação.

Bom que se diga, também, que a Secretaria Municipal de Educação, através da professora Francisca Nogueira, articulou um evento que primasse pela participação democrática de todos os entes interessados e integrados com a causa da Educação, o que não aconteceu em 2009, quando eu, Professor do Município, só participei do evento porque foi representando a ONG Gravatá Cidadã.

Na ocasião, defendíamos a premissa da Gestão Democrática garantida por lei, mas, desrespeitada por todos os políticos e seus cônjuges afiliados. Num universo de 40 delegados, apenas eu, Professora Sunamita Oliveira, Professor Ronaldo Assis e o Professor Lenilson Lima usamos o microfone pra defendermos a ideia da “Eleição Direta para Diretor” para o sistema municipal de ensino.

Não precisa dizer que fomos votos vencidos. Quatro anos se passaram a questão veio à tona novamente. E assim como na primeira oportunidade, não passou. E o pior: a questão sequer foi conferida o destaque necessário. Além desse ponto em comum, entre COMUDE 2009 e o FÓRUM DE EDUCAÇÃO 2013, a famosa articulação (manobra) de manter Diretores e Supervisores numa sala única, apartados dos professores e servidores, me parece não ser sinal de uma abertura verdadeira para a democracia, para a gestão articulada e politicamente imparcial, o que fere os princípios da Legislação.

Estamos muito longe de vivermos VERDADEIRAMENTE uma Educação baseada na Democracia. Senão, vejamos:

Segundo estudo feito pela Secretaria de Educação Básica (SEB), apenas 57% dos municípios fizeram o seu Plano Municipal de Educação (PME). Nesse sentido, nossa cidade está de parabéns por ter realizado (aos trancos e barrancos) o seu plano. Porém, outro dado assusta muito mais. Dos 3.204 municípios que construíram o seu PME, a maioria esmagadora o fez de forma nada democrática, apelando para consultorias técnicas, ou seja, sem a garantia da ampla participação da sociedade civil organizada, sem a presença dos trabalhadores da Educação, sem a participação das Câmaras de Vereadores.

E mais: Um estudo feito pelo MEC, no último dia 4 de setembro, revela que apenas 553 Secretarias Municipais de Educação declaram ter um PME “aprovado com respostas válidas”. Os dados demonstram ainda que a existência de um conselho municipal da área não implica, necessariamente, na construção democrática de um PME, já que 1.383 municípios afirmaram ter Conselhos Municipais de Educação “com respostas válidas”.

Onde existe o PME, não existe uma equipe de acompanhamento e avaliação, ou seja, não há dispositivos que certifiquem o cumprimento do que se foi sistematizado. Mais grave ainda é quando NÓS, professores, temos essa chance de garantir esse cumprimento e abrimos mão do mesmo. O que isso quer dizer? O que isso tem a ver com a gente, professor de Gravatá?

Bem, parece que nada! Isto porque ao contrário do que eu esperava, uma parte dos meus colegas de sala, estavam apenas preocupados com o horário de ir embora; outros apenas aproveitavam pra se confraternizar; outros omitiam-se em questionar; outros falavam bobagens do tipo “resultados do IDEB não deve ser apresentados para os alunos” e outros, como eu, silenciavam na agonia da decepção, na angústia de ser voto vencido ou na irritabilidade de ver a coordenadora da sala parar diversas vezes pra pedir silêncio... Portanto, em nada esses dados nos tocam!

O que vejo é que os dispositivos facilitadores da gestão democrática nas escolas do município estão enfraquecidos, como em outros cantos do país, justamente porque ninguém leva a sério a vida educacional do Brasil, a começar por nós mesmos. Observem os Projetos Pedagógicos que nós temos nas escolas. São, na verdade, cópias baseadas em dados e informações externos, feitos por sujeitos que nada conhecem a realidade escolar. O que para mim é uma arbitrariedade.

A escolha da direção escolar também acontece de forma arbitrária. Assim como usei o microfone em 2009, para recordar que estamos falando de Lei Federal, aqui recordo o texto:

A gestão democrática do ensino público brasileiro é regulamentada por intermédio da Lei n. 9394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação, no art. 3°, inciso VIII.  Seu art. 15 também sugere que os sistemas de ensino devem assegurar progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira às unidades escolares públicas de educação básica que os integram. Dessa forma, percebe-se a valorização da autonomia administrativa das unidades escolares e o estímulo às vivências de gestão democrática em seu cotidiano.

Mas, para a maioria dos meus colegas, isso não passa de utopia. Mas, não sabe essa maioria é que quando inferimos que “pode” haver uma relação entre a insuficiência das instancias facilitadoras da gestão democrática e os últimos resultados do IDEB (que só culpam o trabalho do professor) em nosso e em outros municípios, o que permite estabelecer uma lógica entre os elementos da gestão democrática e a qualidade da educação.

Falamos de leis o tempo todo e não as cumprimos como deveria ser. É a tal coisa: “Democracia é quando eu mando em você. Ditadura é quando você manda em mim”. Democracia refere-se à “forma de governo” ou a “governo da maioria”; então, torna-se claro, que as relações cotidianas no âmbito escolar, deveriam explicitar esta linha de ação, porém sabendo-se que toda gestão, pressupõe uma AÇÃO e a palavra ação é justamente o oposto da inércia, do comodismo, fica mais fácil deixar como está.

No entanto, o Fórum Municipal de Educação também buscava tratar do Plano de Ações Articuladas, o famoso PAR, e não vi ninguém questionar o que é o PAR, qual a importância do mesmo para o município e qual era a relação entre o Plano Municipal de Educação e o PAR. A Secretária de Educação deu uma pequena pincelada sobre a relação dos dois documentos, mas, na sua fala demonstrava pressupor que todos os presentes conhecem os mecanismos políticos e administrativos dos mesmos, o que não é verdade.

Muitos colegas me perguntaram o que é o PAR, o que é LDO e o que é PLANO PLURIANUAL. Para alguns, isso não é obrigação do professor saber. Esse é um grande erro, um erro imperdoável porque nós exigimos bons salários, boas condições de trabalho, reforma política, mas nos omitimos de construir documentos que garantam tudo isso. Abrimos mão, muitas vezes, de aprimorar questões que envolvem o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA) por consideramos que nossa obrigação política como cidadão é apenas de votar. Assim como os políticos não estão nem aí pra educação, nós também cometemos os mesmos erros, abrindo mão de colaborar e construir, para depois votar e exigir.

Assim, não entendemos que para os Municípios, este é um momento particularmente importante, pois será o ano da elaboração do efetivo planejamento da atual gestão municipal, que deve estar definido no Plano Plurianual (PPA).
A integração entre o PPA, a LDO e a LOA é um valioso instrumento para a gestão dos atuais prefeitos, pois difunde as políticas municipais e garante a informação sobre a origem das receitas e sua destinação, o que será avaliado pelos Poderes Legislativos locais e pela população em geral.

O PAR, que foi criado em 2007, funciona como um check-up médico da educação: problemas são identificados e as medidas tomadas. O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), apresentado pelo Ministério da Educação em abril de 2007, colocou à disposição dos estados, municípios e Distrito Federal, instrumentos eficazes de avaliação e de implementação de políticas de melhoria da qualidade da educação, sobretudo da educação básica pública.

A partir da adesão ao Plano de Metas, os estados, os municípios e o Distrito Federal passaram à elaboração de seus respectivos Planos de Ações Articuladas (PAR). A partir de 2011, os entes federados poderão fazer um novo diagnóstico da situação educacional local e elaborar o planejamento para uma nova etapa (2011 a 2014), com base no IDEB dos últimos anos (2005, 2007 e 2009).

Como podemos colaborar, ou afirmar que participamos ativamente do processo de construção de um Plano Municipal de Educação se nós desconhecemos os documentos básicos, os instrumentos legais e se desconsideramos a importância dos mesmos? O MEC orienta que a participação do Poder Executivo, do Poder Legislativo, do Ministério Público e da Sociedade Civil Organizada é indispensável, a responsabilidade maior é de cada professor, porque somos nós que viveremos por décadas dentro do espaço escolar.

Nesse sentido, me deixou triste, decepcionado e irritado como aconteceu o Fórum Municipal de Educação. Não vi nenhum Vereador presente; não vi nenhum representante do judiciário; não vi nenhuma entidade não governamental participando ativamente do processo de construção do nosso PME, obedecendo às orientações articuladas entre PPA e o PAR. Isso não quer dizer que estas entidades não tenham sido convocadas, claro. Mas, independentes deles não darem a devida importância ao processo de formação de uma Educação mais soberana, igualitária, justa e democrática, NÓS professores – repito - temos (tínhamos) o dever moral de exigir mais de nós mesmos e efetivamente colaborar na construção de um plano que não seja mais uma cópia ou documento que engolimos, de cima para baixo, sem sequer avaliarmos.

Talvez eu deva entender que tudo isso é uma marca da nossa cultura de abrir mão das nossas obrigações e bradar o que nos é de direito. Pronto? Acabou? Não posso aceitar esse simplismo. Por isso, ao chegar em casa, depois de um dia inteiro de Fórum, eu escrevi no facebook: “Como eu queria ter inteligência para passar numa prova da Petrobrás e nunca mais saber de Educação”. Ao contrário do que se pensa, não estou maldizendo a minha profissão, mas, simplesmente, expressando a minha revolta diante da indiferença generalizada. Infelizmente, aceitamos o sutil poder desmobilizador que nos encontramos mergulhados.

Quando a professora Maía informou das divisões de grupos, a minha esperança foi por água abaixo. Todos os diretores e supervisores juntos para que seja “garantida” a aprovação de um plano que, na prática, iria ser construído por todos. Quando chego ao meu grupo, percebo que tudo está perdido porque poucos ali estavam interessados em prestar atenção nas mudanças que permeiam a nossa vida.

É claro que há coisas que não entendemos. Por exemplo: Se o tempo de vigência do PPA não deve coincidir com o tempo de mandato do Poder Executivo, como garantir que tanto a LDO e como a LOA terão seus planejamentos financeiros garantidos? Diz a lei que essa não-coincidência entre a vigência do PPA e o mandato do chefe do Poder Executivo acontece para que não ocorra descontinuidade de programas governamentais na transição de um governo a outro. Será?

Um grande passo com relação à Educação e a responsabilidade dos Poderes Executivos refere-se ao projeto de lei 7420/06, da ex-deputada Raquel Teixeira, que determina que cada rede e sistema de educação básica do país obedeçam a critérios definidos de qualidade e que os gestores públicos sejam responsabilizados. É a famosa Lei de Responsabilidade Educacional, que depende de uma ampla consulta pública.

Quem sabe as exigências em cima das nossas cabeças diminuam e o Poder Executivo entenda, definitivamente, que só existirão bons resultados se a responsabilidade de Educar seja compartilhada entre todos os envolvidos, desde o faxineiro até o prefeito e não apenas do professor em sala de aula, bem como a efetiva participação da família na formação do alunado.

Como consequência dessa Lei de Responsabilidade Educacional, também, é necessário lembrar e torcer para que o sistema público de educação volte a ser melhor que o sistema privado. É uma vergonha para um país democrático ter permitir que a concorrência entre estes sistemas seja injusta, incoerente com aquilo que temos em lei. Infelizmente, no Brasil, acontece assim: o governo democratiza e consequentemente, abre a concorrência imoral entre o público e o privado.

Nesse sentido, vale a pena lembrar dois exemplos: França e Coreia do Sul.

Na França é inadmissível que a escola privada seja melhor que a pública. Um presidente da república jamais seria eleito se a sua politica de governo permitisse acontecer o que aconteceu aqui no Brasil. No decorrer do século XIX, tanto na França como em boa parte dos países europeus, devido às pressões das massas e a necessidade da modernização tecnológica, instituíram-se sistemas educacionais que garantiram instrução a todos os cidadãos.

Coreia do Sul é um dos melhores exemplos de um país que mudou sua vida a partir dos investimentos feitos na Educação. Há 40 anos, todos os indicadores sociais da Coreia eram inferiores aos do Brasil. Todos. Hoje, tem um dos melhores índices educacionais do mundo. E aí, entra-se na questão da administração municipal.

A Constituição de 1988 deu aos municípios prerrogativas importantes. Até então tudo era centralizado nas decisões em Brasília. A nova carta descentralizou o poder e criou três entes federativos independentes: a União, os Estados e os Municípios. O problema é que essa divisão de deveres e direitos não foi justa, portanto, democracia incompleta.

A União continuou com as maiores arrecadações, com os maiores benefícios. Enquanto que os outros dois permaneceram com percentuais muito menores e, consequentemente, com benefícios bem menores. A União não deu aos municípios condições de se equipararem tecnicamente. Assim, os municípios não conseguem responder às exigências legais impostas pelo ente maior. Uma destas exigências é a Educação de qualidade, a ponto de o Senador Cristovam Buarque defender a federalização das escolas, seguindo modelo do Banco do Brasil.

Resumidamente: a União manda, mas não dá condições de os municípios executarem. Toda cidade, por exemplo, acima de 20 mil habitantes tem obrigação de ter o Plano Diretor. Se não tiver, o prefeito pode sofrer sanções. No entanto, o governo federal não oferece condições técnicas e financeiras para que esse plano seja realizado na prática e não seja apenas um documento legal de enfeite, como na maioria dos casos.

Na educação também acontece assim. Muitas leis, muitas diretrizes, muitas exigências legais, mas, nada de uma efetiva mudança financeira e técnica na vida dos professores brasileiros, que trabalham nos níveis básico e médio. Nós estamos no século XXI com serviços públicos do século XIX. Exemplo?

Recentemente o Deputado Federal do PSB, Gonzaga Patriota, declarou ser a favor do transporte de alunos através dos paus de arara, no município de Serra Talhada, em uma entrevista numa rádio local. O Deputado condenou a ação da Polícia Rodoviária Federal que multava os veículos que desobedeciam à legislação de trânsito que proíbe o transporte de pessoas nesses veículos.

Uma amiga pesquisadora de São Paulo, Professora Doutora em Educação pela USP, Dora Incontri, contou-nos recentemente que foi convidada a participar de um evento sobre Educação e Espiritualidade no Senado Federal. Não havia nenhum político presente. Meia dúzia de professores ligados a entidades preenchiam o imenso auditório do plenário. Um dos coordenadores do comitê de educação do Senado teve a coragem de enviar uma carta solidarizando-se com a causa da educação, via assessor parlamentar.

Nem o exemplo do Deputado do PSB, nem o exemplo do Senado Federal me surpreendem e me deixam triste. O que me entristece é a inércia que os trabalhadores da educação estão mergulhados, em todos os níveis. O silêncio é generalizado. Parece que vivemos num sistema lindo, justo, igualitário, sem assédios morais, sem problemas graves de violência nas escolas, indisciplina e enfraquecimento das relações família-escola.

O mundo moderno, com seus novos desafios, coloca a educação como prioridade para qualquer país, exige uma escola de qualidade para todos. O mundo se transforma, traz mudanças radicais, revoluções marcantes em vários setores, e só se pode enfrentá-lo apoiado no conhecimento.

Quando isso irá acontecer?
Bem, se continuarmos colocando nas mãos dos gestores e políticos; enquanto não nos valorizarmos enquanto pessoa e profissional; enquanto não formos uma classe com corporativismo necessário; enquanto a democracia estiver sendo ameaçada por nossa própria inércia; enquanto os salários apenas sejam para pagar contas e mais contas apenas, podem se preparar porque nenhuma mudança irá existir, nem por trâmites legais como o CONAE, COMUDE, FÓRUM DE EDUCAÇÃO, etc..
 
 
Professor Ricardo Vieira, discursando no COMUDE, 2009.

Prefeito Ozano Brito, Abertura do COMUDE, 2009.

Prof. Ricardo Vieira, ladeado por Kelia Cruz e Vasconcelos. Fórum de Educação, 2013.


Secretária Francisca Nogueira, Fórum de Educação, Setembro de 2013.


terça-feira, 30 de julho de 2013

Vida Longa ao Aprendizado





Ouvindo e estudando todos os ensinamentos e reflexões deixadas pelo Papa Francisco, eu me recordo das muitas batalhas que tive como educador anos atrás, em Pombos. Experiências traumáticas e valiosas, norteadoras e viscerais para a minha formação humana... Histórias que nunca vou esquecer. Por exemplo:

Eu dava aulas a uma turma de 8ª série na escola 11 de Dezembro, quando a os resultados da guerra de Ruanda foram apresentados pela televisão. Eram cenas de um genocídio cruel só comparado às misérias promovidas pelo Nazismo. A segunda guerra do Congo - consequência dos conflitos em Ruanda - estava no auge de sua força mortal. As vítimas do extermínio, segundo estimativas cautelosas, foram quinhentas mil; segundo os maiores críticos, um milhão.



Por ocasião dessas guerras, o então Papa João Paulo II, escreveu uma carta de solidariedade ao povo de Ruanda. Desde as primeiras notícias dos violentos massacres que estavam ocorrendo em Ruanda, a voz do Santo Padre João Paulo II elevou-se para invocar a reconciliação e a paz. Em 9 de abril de 1994, numa mensagem enviada à comunidade católica de Ruanda, o Papa dirigiu exortou a “não ceder a sentimentos de ódio e vingança, mas praticar o diálogo e o perdão com coragem”. “Nessa trágica fase da vida de sua nação - escreveu o Papa - sejam todos artífices de amor e de paz”.

Enquanto o Papa escrevia documentos, cartas e pronunciamentos, muitos líderes católicos e anglicanos apoiavam o regime extremista dos hutus e, o pior, foram mortos 103 padres, 76 freiras e 53 irmãos consagrados. Essas notícias, esses dados não chegaram a maioria da população ocidental. Quando soube disso, resolvi compartilhar com meus alunos formandos, aprofundar as questões do que se pode realmente fazer para vivermos em paz.

Grande parte daquela sala era de católicos apostólicos romanos, participavam de um grupo de jovens da paróquia de Pombos. Nessa mesma época, pela amizade e proximidade que tínhamos, alguns alunos me convidaram para conhecer o grupo de oração. Eu fui. Saí decepcionado com o tipo ou nível de discussão que circulava nas reuniões. A temática da vez era “padre deve ou não casar”.

Na segunda-feira seguinte, durante a aula, alguém me questionou sobre a questão e eu, incisivo, disse:
- Vocês estão perdendo tempo com questões irrelevantes para vida católica, para a vida religiosa, para o legado cristão de cada um que está aqui. Ao invés de discutirmos se padre deve ou não casar, que tal fazermos uma campanha do quilo para ajudar as pessoas da rua do lixo? Não vamos perder tempo com esse tipo de polêmica que não leva a nada. Alguns baixaram a cabeça, e, ouviram minha conclusão:

- Vejam a postura do Papa João Paulo II. Escreveu uma carta para o povo de Ruanda que está sofrendo com o que restou deles depois da guerra. São crianças, homens, mulheres, idosos mutilados pelo massacre. Se eu fosse Papa, mandava derreter todo o ouro do Vaticano (começando pela cadeira, pela pia, pelos anéis do próprio) e distribuiria para a população. Se ele é representante de Jesus na Terra, deve se recordar do Mestre que disse que o Filho do Homem não tem uma pedra para encostar a parede. (...).

Um dos jovens do grupo que me convidou (ainda me recordo do nome dele, mas prefiro n citar) me olhou com certo ódio e disse:
- Professor, o senhor está desrespeitando o Papa. O senhor só fala isso porque é Espírita. (...)

Dias depois fui chamado pelo diretor para uma conversa. Sem querer saber da minha versão, me contou que um grupo de alunos havia ido se queixar de mim ao pároco e que o mesmo pedira a minha saída da escola, porque, segundo a leitura de todos, eu estava tentando manipular a cabeça dos meninos e influenciá-los para mudarem de religião.

Quando terminei a conversa com o diretor, revoltado, chorando, anunciei que estava indo procurar o padre para uma conversa franca. O diretor disse que valeria a pena, etc. Mas, mesmo assim, eu fui direto à casa paroquial. Cheguei em frente ao portão da casa paroquial e praticamente gritei para que o padre viesse me atender. Depois de muito insistir, ele mandou uma pessoa me receber, dizendo que não estava. Até hoje eu trago comigo umas verdades que ele precisava ouvir, travadas na minha garganta. Assim como me dói até hoje, a decisão do diretor em me deixar a disposição da Secretaria de Educação, tirando-me daquela escola que eu tanto gostava de trabalhar.

Quem conhece o padre sabe de milhares de controvérsias, erros e injustiças cometidas por ele. Quem conhece alguns daqueles alunos, sabe o caminho que trilharam desabonando a sua conduta cristã. Quem NÃO me conhece, até hoje me aponta como casca de ferida. E eu, como sempre falo, deixo que o tempo mostre a verdade que não abro mão: a fé deve ser vivida sem cegueiras e repleta de questionamentos. Eu queria, só por um instante, olhar os rostos dos ex-alunos diante do que se fala abertamente hoje sobre os Papas, sobre os escândalos, sobre as comparações INEVITÁVEIS entre Francisco e seus antecessores.



O que disse para eles (alunos) naquele ano foi que se a fé sem obra é morta, como ensina o evangelho. Que não adianta rezar e continuar a fazer tudo errado, como diz canção de Fernando Mendes. Que não vale a pena acreditar na religião sem ter o direito de questioná-la, sempre que necessário. Que o mundo precisa de tolerância, em todos os sentidos. Mas, profeticamente plagiando, diria que eles não tinham ouvidos de ouvir, de entender, de tolerar que há verdades fora de nós.

Eu queria olhar para eles (alunos, diretores e padre) diante de uma constatação publicada por um católico recentemente e que agora compartilho com vocês. Observem o texto e a imagem. Se a imagem diz tudo, o texto não refuta o que disse há 14 anos. O texto é o seguinte:

REPARE NAS 7 DIFERENÇAS:

1. Mudou o trono dourado por uma cadeira de madeira... Algo mais apropriado para o discípulo de um carpinteiro (O Sr. Jesus).
2. Ele não aceitou a estola vermelha bordada a ouro roubada do herdeiro do Império Romano, ou a capa vermelha.
3. Usa os mesmos sapatos pretos velhos, não pediu o vermelho clássico.
4. Usa a mesma cruz de metal, nenhuma de rubis e diamantes.
5. Seu anel papal é de prata, não de ouro.
6. Usa sob a batina as mesmas calças pretas, para lembrar-se de que é apenas um sacerdote. Você já descobriu a sétima diferença?
(Retirou o tapete vermelho, Parece que não se interessa tanto pela fama e aplausos.).






Mesmo sendo Espírita, agradeço a Deus pela chegada desse novo Papa, ou desse Papa novo, com ideias e atitudes muito mais coerentes, tolerantes, cristãs, humanas e verdadeiramente humildes. É por tudo isso que assistimos na última semana que o povo brasileiro, nação de tantos credos, aplaude Francisco, como se ele fosse da família carnal.

No mais, depois destes anos todos em sala de aula, aprendi muita coisa. Só não aprendi ainda a silenciar diante de um momento que inspira aprendizado. E assim como Francisco e tantos outros, prefiro errar falando a silenciar na omissão. Pensemos nisso.

PS: João Paulo II foi um dos grandes líderes religiosos e um dos homens mais influentes do século XX. Seu legado permanecerá sendo respeitado e reverenciado por todos, inclusive por mim.

terça-feira, 23 de julho de 2013

DESENCARNA, VIAJA DOMINGUINHOS





Um Cristo pregado numa cruz
Um cego que tenta acender a luz
Como o dia que transcorresse sem o sol
Como o peixe a ser fisgado no anzol
Como um rio que não corresse mais
Como um louco que já não vive em paz

Assim sou eu vivendo sem teu amor
Sou como as águas do riacho que a correnteza levou
Como as águas do riacho que a correnteza levou
Como as águas do riacho que a correnteza levou

Como a rosa que morreu com a idade
Como o vento que destruiu a cidade
Como a chuva que molhou o nosso pranto
Como a vida que vive lá no canto
Como a folha que seca cai no chão
Como o mar sem a sua agitação
Assim sou eu vivendo sem teu amor.

Esta é canção “Correnteza” de Jorge de Altinho e Ezequias Rodrigues.

Não sei explicar direito, mas foi esta a primeira canção que me veio à mente quando soube do desencarne de Dominguinhos. Aliás, é possível que eu saiba. Contudo, me falam elementos fonéticos que possam expressar com exatidão o sentimento que corre nesses parágrafos. O que sei que sinto, nesse momento, não é de perda. É de total alívio. Alívio diante de uma angústia, de um sofrimento, de uma dor que lhe mata minuto a minuto. Talvez, posso assim dizer, a mesma dor retratada pela canção do poeta Altinense. Quiçá, mas dramaticamente ainda, seja o mesmo suplício enfrentado por Prometeu, após revelar Pandora ao mundo dos mortais.

Imaginemos, por exemplo, um sujeito que está sentado no corredor da morte, totalmente inocente dos seus crimes. Ele observa os médicos passando, organizando a dose letal; ele recebe o padre pra extrema unção; compreende a leitura das leis que pesam sobre ele e... por um motivo qualquer, resolvem adiar por mais um dia a sua morte... por mais dois dias... por mais dois dias. E quando finalmente chega o dia, a dose não foi letal. Ele sente ópio lhe invadir lentamente, torturando o seu corpo. Por dias ele permanece nessa condição.

Suponhamos, também, um paciente acometido de uma doença degenerativa. Um professor ou um cantor que ganha sua vida com a voz e perde as cordas vocais. Um velocista que precisa das pernas pra bater seus recordes e torna-se tetraplégico. Um pianista que tem seus dedos e mãos atrofiados por um acidente qualquer. Corpo doente é corpo limitado e preso, condenado a não viver em plenitude tudo que se pode e se deve viver.

Doença e saúde se referem ao estado em que se encontram as pessoas e não ao estado de órgãos ou partes do corpo. O corpo físico nunca está só doente ou só saudável, já que nele se expressam realmente as informações da consciência. O corpo de um ser humano vivo deve seu funcionamento ao espírito que o habita.  Quando as várias funções corporais se desenvolvem em conjunto dentro de uma harmonia, ele se encontra num estado que denominamos de saúde. Se uma função falha, ela compromete a harmonia do todo e então falamos que ele se encontra em um estado de doença. A doença é a perda relativa da harmonia.

Por fim, imaginemos, vencermos todas essas limitações. O professor voltar a dar aulas. O cantor voltar a encantar com sua voz. O atleta percorre distâncias maiores. O musicista que se entrega novamente aos concertos mais completos de sua carreira. Nesse momento, o Cristo não estará mais no alto do madeiro e nem o mar irá perder a sua agitação. Os dias irão transcorrer em pleno sol de verão e a vida não mais viverá num canto, esquecida.

É justamente assim, creio eu, que está se sentindo Dominguinhos. Vencedor das suas batalhas. Herói nas suas limitações. Homem de carne e osso que não sofre mais com as limitações impostas pela doença. Ser eterno que traça agora nova rota em direção ao infinito.

Agarrado com sua sanfona, se junta ao rol dos sanfoneiros nordestinos que outrora partiram e aguardavam ansiosos pelo reencontro com o compadre. Sivuca, de garra com sua sanfona, deve tá tocando “Subindo ao Céu”, todo prosa. Já o Rei do Baião, deve solicitar a canção “Ave Maria Sertaneja”, com os olhos voltados para o afilhado, estendendo-lhe o abraço. Lindú (do Trio Nordestino) provavelmente se balança de alegria com o reencontro, gritando: “Êta, bicho bom”.

O Festival de Inverno de Garanhuns, com certeza, sofrerá o frio mais atordoante de sua história. O seu filho mais ilustre acabou de partir para as estrelas. E daqui, do mundo dos mortais, continuaremos sentindo o frio da tua ausência, a saudade da tua voz, a solidão da tua voz grave e a alegria de que temos a certeza do teu lugar no céu dos justos.

Vai, teu sorriso está conosco. Tua canção e tua poesia continuarão ecoando entre os Brasis desses Sertões.