segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Congresso dominado

Embora muitos ainda não tenham definido as suas escolhas, pesquisas indicam que aliança governista terá ampla maioria no Legislativo



Como tem sido regra nas campanhas desde 1994, quando a eleição para a Presidência da República passou a coincidir com as escolhas para o Congresso, as atenções mais uma vez se voltam quase que exclusivamente para a sucessão presidencial. É compreensível que assim seja. No presidencialismo brasileiro, o chefe do Executivo concentra muito poder em suas mãos. Para o bem e para o mal, em torno da sua figura se mobilizam os anseios e as expectativas da sociedade.
É sintomático que pesquisa Datafolha, realizada a duas semanas da eleição, tenha revelado que apenas um terço da população havia escolhido seu candidato a deputado federal até aquela data. Isso se deve, em parte, às características do Legislativo, instituição na qual o poder é pulverizado entre vários representantes. Mas se deve sobretudo à desinformação de muitos sobre a importância de escolher de maneira criteriosa aqueles que irão desempenhar o papel de legisladores e, em tese, de fiscalizadores do Executivo.
Não é à toa que em São Paulo o candidato Tiririca seja a grande atração da atual temporada eleitoral. Segundo as projeções, o candidato a deputado federal pelo PR deve sair das urnas consagrado, com algo em torno de 900 mil votos -o que poderá ser uma das maiores votações da história para a Câmara dos Deputados.
Tiririca não é um palhaço avulso no processo eleitoral. É um puxador de votos, estrategicamente escalado como tal. Seu partido está coligado ao PT e ao PC do B, o que significa que ajudará a eleger alguns companheiros (ou mensaleiros) do PR ao PT.
Tiririca representa, digamos, a face cômica, ou debochada, ou ainda a superfície pitoresca de uma avalanche governista no Congresso. Esse talvez seja o ponto crucial, para o qual não se deu ainda a devida atenção.
O consórcio que sustentará Dilma Rousseff, caso se confirme a tendência de vitória em 3 de outubro, deverá obter domínio inédito nas duas casas legislativas desde a redemocratização do país. É impossível saber com exatidão o tamanho dessa maioria, mas é praticamente certo que será suficiente para levar a cabo eventuais mudanças no texto constitucional. Para isso, são necessários os votos de 3/5 da Câmara (308 deputados) e do Senado (49 senadores).
Segundo projeções feitas até agora, sujeitas a oscilações, a base de apoio a Dilma pode eleger até 401 deputados e somar 58 senadores após a renovação do mandato de dois terços do Senado. Mesmo que não alcance esse teto virtual, o bloco governista no Congresso será bem mais expressivo do que foi, por exemplo, no início dos mandatos de Lula. Em 2003, o petista reuniu 31 senadores e 254 deputados a seu favor, número que cresceu para 49 senadores e 353 deputados no início de 2007.
Não se ignora que a maioria governista é muito heterogênea, congregando entre 10 e 15 partidos. O amálgama parlamentar que Dilma deve receber como herança do lulismo tende a se comportar segundo os mesmos padrões que o próprio Lula estimulou durante seu reinado. O cimento dessa base é a fisiologia.
Parece ir se configurando um Congresso servil ao Executivo, sem iniciativa ou luz própria, com baixa ou quase nenhuma capacidade de formulação, propenso a se tornar balcão de negócios paroquiais e caixa de ressonância dos grandes interesses do governo.
Fonte: Editorial da Folha de São Paulo, 25 de setembro de 2010

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