terça-feira, 2 de setembro de 2008

CONHECE-TE A TI MESMO


Khrisna resolveu testar a sabedoria de seus súditos. Convocou Duryodhana, um rei conhecido por sua crueldade, e pediu que encontrasse um homem bom em seu reino. Duryodhana viajou durante um ano, e voltou à presença de Khrisna, dizendo:
“-Busquei um homem bom, e não encontrei. São todos egoístas e malvados”.

Khrisna chamou o rei Dhammaraja, considerado um homem santo. Pediu que percorresse seu reino em busca de um homem malvado. Dhammaraja viajou durante dois anos, e voltou a Khrisna, dizendo:

“-Perdoe-me, mas não encontrei ninguém mau. Todos têm um lado bom, apesar dos defeitos”.

Então Khrisna comentou com os outros deuses:

“Viram? O mundo é um espelho, e devolve a todos os reflexos do próprio rosto”.


Quer ver uma pessoa, por mais tagarela e comunicativa que seja, parar de falar, ficar sem assunto? Basta que você faça uma destas simples perguntas: “Quem é você?” ou “Como você se define?”. 99% das pessoas não conseguem responder. Mas se você perguntar: “O que você acha de fulano?” Bom, pode se preparar para um relatório com nuanças que você jamais supôs existirem.

Analisando estas duas situações, em uma única pessoa, levantam-se duas questões que merecem tratarmos aqui, até mesmo para trocarmos nossas experiências e fazer com que o objetivo deste Blog seja alcançado. Perguntamos:
1º - Por que as pessoas não conseguem falar de si próprias?
2º- Por que estas mesmas pessoas têm tremenda facilidade de falar (negativamente, na maioria dos casos) de outras pessoas?

Pra responder, inclusive a mim mesmo, busquei me recordar de um santo da Igreja Católica, doutor da lei, Santo Agostinho. Ele aconselhava a todos fazerem o que ele mesmo fazia. Ao cair do dia, ele pegava uns grãos de arroz e uns grãos de feijão preto e para cada ato bom que ele havia feito, era atribuído um grão de arroz, e, para ato negativo, um caroço de feijão.
Isso deveria ser feito todos os dias para que, diariamente, ele pudesse ir se avaliando e, ao mesmo tempo, se conhecendo. Ele falava que quanto mais nos analisamos, nos conhecemos, mais próximo estaremos da “felicidade” e isentos de quaisquer tipos de feridas. Garante Agostinho que se o autoconhecimento não for prioridade em nossas vidas, mais incorreremos no erro de ver os semelhantes na condição de juízes implacáveis que condenam sem hesitarem.

Em fração de segundos poderemos fazer uma lista de pessoas que agem assim, que são assim. Julgam o mundo como se não fizessem parte dele, mas que na verdade não enxergam seus próprios defeitos. Vou contar uma historinha que me auxilia na busca de nossas respostas.
Certa vez um discípulo fez essa pergunta a um sábio:
- Por que nossos semelhantes só vêem os defeitos alheios, Mestre?
Ele respondeu:
- Os homens andam enfileirados, uma atrás do outro, por isso eles não vêem seu próprio "traseiro". Então, olham, analisam e criticam o "traseiro" do outro.

Ou seja, não nos olhamos de maneira crítica, para perceber que fazemos parte de uma grande unidade e que temos nossos defeitos e qualidades. Para nós as nossas próprias qualidades se sobressaem, e das outras pessoas somente vemos os defeitos, pois a tendência do ser humano é se achar sempre desprovido do defeito alheio.

A tarefa sugerida por Santo Agostinho demanda uma série de desprendimento, de disciplina e de muita humildade para admitirmos que nós somos falhos, somos fadados ao erro constantemente, que não somos dono da verdade, que necessitamos de tolerância, tanto para dar como receber. Muitos dizem que não têm tempo para si, de parar e olhar para dentro de si mesmos. Admitimos, auto-análise é mesmo muito complicado. Falar de si mesmo é muito difícil. Mais fácil é falar do outro.

Anos atrás eu li uma pesquisa onde os psicólogos afirmavam que nós enxergamos nos outros os defeitos que temos em nós mesmos. Quando li isto, procurei me policiar, me avaliar com mais veemência, me conhecer com mais honestidade. Já conhecia a receita do sucesso de Agostinho e sempre tive claro que o ser humano gosta de se prevalecer em todos os aspectos e não aceita ser contrariado. Eis que me vem na lembrança outra história interessante. É a historia da mulher que sempre reclamava para o marido que as roupas da vizinha estavam sempre mal lavadas e imundas.
- A vizinha deveria ter vergonha de colocar as roupas sujas no varal – dizia ela ao marido, todos os dias.

Um dia, cansado de tantos comentários da mulher, o marido foi até a janela de onde dava pra ver as roupas do varal da casa vizinha. Ao chegar perto da sua vidraça, percebeu que as roupas da vizinha eram limpas. Suja era a janela da sua casa.

O interessante é que não precisamos conviver 24 horas por dia com os defeitos dos outros, mas sim com os nossos próprios. E sempre, com estes somos geralmente, condescendentes. Adoramos fazer "vista grossa" quando magoamos, quando somos intransigentes, quando somos implicantes com bobagens. Normalmente sempre tendemos a culpar as atitudes alheias, pelas nossas falhas e nos colocamos na condição de vítima e, o outro, nosso algoz e, assim, dizemos freqüentemente:
"Eu tive que perder a cabeça, você viu o que ele fez comigo?";
"Eu tava quieto no meu canto, ele é que me provocou";
"Eu suporto tudo, menos esse tipo de coisa".

A psicologia trans-pessoal e os ensinamentos Budistas nos orientam no sentido de que só “perdemos a cabeça” porque ela nunca esteve no lugar certo. Se algo nos “provoca a quietude”, esta calmaria nunca foi verdadeira. E, se “suportamos um elefante e nos engasgamos com uma formiga”, somos desequilibrados em algum nível de compreensão de nós mesmos.

Se a gente parar para examinar a situação de fora, acabamos percebendo que o que mais detestamos nos outros é exatamente o que não suportamos em nós mesmos. Digo isso porque sou uma pessoa muito impaciente e simplesmente me irrita profundamente ter que conviver com outro impaciente, porque parece que tudo fica à beira de um ataque de nervos. Era justamente isso que Khrisna quis ensinar aos seus.
Era isso que Santo Agostinho propôs. Ou seja, conhecer e reconhecer os nossos defeitos poderá causar dor, mas o processo da dor fará com que nós sejamos mais tolerantes conosco mesmos e com os outros. Isso também ocorre na maioria dos casamentos.

Os relacionamentos amorosos que tendem a durar mais são aqueles em que as duas pessoas possuem alguns tipos de defeitos diferentes. É muito mais fácil suportar alguém explosivo, quando você consegue controlar seus impulsos emocionais.
Têm alguns defeitos que parecem funcionar como um ponto de discórdia que vai afundar um relacionamento, mas quando paramos para analisar direitinho, vamos ver que um acaba ajudando o outro em suas divergências, por exemplo: Uma pessoa sem controle financeiro, casada com uma pessoa meio "pão dura".

No decorrer do relacionamento um pode ajudar o outro a não chegar aos extremos. O "pão duro" pode ajudar o gastador a não se descontrolar financeiramente e o gastador ajuda o "pão duro" a não se tornar um avarento! É um meio termo saudável, que dentro do relacionamento funciona legal.

Portanto sejamos mais tolerantes com os defeitos alheios, porque eles podem ser o reflexo de nossos próprios defeitos, que não estamos conseguindo olhar. Sem contar que o defeito do outro pode ser um ponto de equilíbrio que nos ajudará a controlar nossas características negativas.

Pra finalizar, que tal deixarmos de ir atrás dos “homens maus e egoístas” e começarmos a colher “homens bons e tolerantes”? Eles podem estar bem próximos de nós. Basta que olhemos o espelho com mais coragem.

Vale tentar.

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