Certa vez, o poeta Carlos Drummond de Andrade disse, meio aborrecido:
“Acho o Brasil infecto. Não tem atmosfera mental; não tem literatura; não tem arte; tem apenas uns políticos muito vagabundos”.
“Acho o Brasil infecto. Não tem atmosfera mental; não tem literatura; não tem arte; tem apenas uns políticos muito vagabundos”.
Um determinado locutor que se declara partidário de um grupo político, vem atacando com ferozes verbos (mal conjugados) outra corrente política apelidada de “grupo do mal”. Ele tem sido muito infeliz na função que lhe cabe, que é honroso dever de publicar os fatos de forma imparcial. E o interessante é que este mesmo locutor, sofreu perseguição e até foi agredido fisicamente quatro anos atrás, pelas mesmas pessoas que hoje ele defende.
Depois de ouvi-lo fiquei pensando, cá com meus botões: o que a política não faz! Ou melhor, me corrijo: o que a politicagem não é capaz de fazer! Foi quando me veio à memória este desabafo do meu ídolo Drummond. A política brasileira parece que representa um horrendo conto das mil e uma noites de sacanagens. Parece que nada é real, verdadeiro, autêntico, único.
As vésperas de uma eleição, vejo amigos se afastarem dos seus amigos; sei de famílias que esquecem os laços consangüíneos; sinto na pele professores te olharem atravessados e até arriscam nos afrontar com assédios morais tão freqüentes nas instituições escolares; e pelas ruas da cidade, pessoas várias se digladiam levadas por uma lavagem cerebral que só a partidária imunda é capaz de promover. Muitos eleitores e quase todos os políticos se esquecem de que temos o direito de escolher e essa escolha deve ser respeitada. É simplesmente ingênuidade esquecer de que a família e que os verdadeiros amigos são para sempre e, escolhas políticas são todas passageiras, como todos nós somos.
Muitos ainda arriscam em gritar nos microfones: “é a festa da democracia.” Que festa é esta, onde pessoas que conversávamos amigavelmente, hoje, mal nos dão um bom dia? Que festa democrática é esta que oprime a liberdade de pensamento, de ideologia e de esperanças por renovação? A democracia aí estampada nas ruas e nos lares, na verdade, tem funcionado como uma ditadura. Este tipo de comportamento reflete nos políticos que elegemos de dois em dois anos. Lembro-me o que uma das figuras mais nobres do Brasil, Millôr Fernandes, certa vez disse: “Democracia é quando eu mando em você. Ditadura é quando você manda em mim.”
As pessoas eleitas pelo povo parecem estar sempre interpretando um papel, ao invés de serem elas mesmas. Não há opinião própria, não se cultiva a personalidade, muda-se de julgamento como se troca de camisa. Os nossos representantes até se esquecem do que pensavam e do que fizeram no passado, inclusive os malfeitos, e isso efetivamente os favorece, porque alimenta a amnésia popular.
Como o brasileiro é um povo sem memória, os políticos podem mimetizarem-se à vontade, pois ninguém vai lembrar mesmo do que obraram há pouco. Não se vai lembrar, por exemplo, que o pessoal do PT defendia todo tipo de CPI. E a turma do PFL, que estava sempre disposta a barrá-la, hoje a cultua como se fosse parte de sua práxis política. Este é um exemplo nacional. Mas, quantos exemplos municipais nós podemos citar? Puxemos pela memória! Que memória? – perguntaria certamente o mestre Drummond.
Atente para este texto, um achado do professor de História do Cefet-SP José Augusto Araújo:
“O Brasil vem sendo sacudido por uma sucessão interminável de denúncias e práticas comprovadas de corrupção, que criam um desalento e um pessimismo tão profundos na população a ponto de esta considerar que os políticos e os governantes em geral não passam de corjas de ladrões. Não é para menos: a corrupção inscreveu-se na normalidade da vida pública brasileira. (...)
O que confere normalidade à corrupção no Brasil é a sua extensão, o seu caráter histórico-cultural e a sua impunidade. (...) Diariamente surgem denúncias por todo o País envolvendo vereadores, prefeitos, governadores, deputados, secretários, ministros, funcionários públicos, fiscais, chefes administrativos, juízes, policiais, e assim por diante. Ladeando-a e fundindo-se com a corrupção temos o neopatrimonialismo, que, em síntese, pode ser definido como o uso do cargo público para constituir privilégios privados. (...)”
Há alguma inverdade nestas palavras? Será que o professor está sendo injusto em seu texto quando ele questiona as ações que são divulgadas na televisão todos os dias, contra aqueles que ele chama de “corja de ladrões”? A sã consciência diz que não. Mas quantos professores, quantos funcionários, quantos comerciantes, quantos comerciários, quantos, enfim, eleitores pensam e agem assim, em nosso município? Onde está a tal democracia? Quem são os ídolos políticos que o povo defende e manda as favas a própria família?
Recordo-me do escândalo do mensalão. O Roberto Jefferson virou herói nacional ao desmascarar o esquema, que ele mesmo teria sido beneficiado. Ele apunhalou o próprio governo que o anistiou. Lula chegou a dizer na época que lhe daria um cheque em branco, tamanha era a confiança que depositava nele. Quem manda confiar num homem que foi líder da tropa de choque de Collor?
Notório esperto, no sentido mais carioca do termo, Jefferson é descrito pelo jornalista Ricardo Noblat como um sobrevivente: “Sobreviveu à gordura que lhe ameaçava a saúde. E sobreviveu a muitos governos, sabendo permanecer à sombra deles quando lhe era conveniente, e sabendo se afastar deles quando julgava necessário”.
Assim como Roberto Jefferson, muitos eleitores, sangue sugas, contratados e funcionários efetivos em todo o Brasil, sobrevivem (em condição humilhante) debaixo de conchavos políticos, de barganhas eleitorais, de subsistência moral dos que vendem o voto, literalmente, por algum modo de vida – diga-se de passagem – mui vergonhosa.
Querem outro exemplo?
Anthony Garotinho, ex-governador do estado do Rio, aquele que era considerado o representante dos “evangélicos” do Brasil, em sua campanha para presidência, dizendo-se preocupado com a crise institucional – crise esta que se arrasta desde D. Pedro – foi taxativo ao afirmar: "São denúncias graves que devem ser apuradas com rigor e com serenidade”. E completou: “A que ponto nós chegamos da vida pública brasileira. É um momento muito difícil, por isso devemos agir com serenidade”.
Como Jefferson, o Garotinho sentou-se no próprio rabo e apontou o prolongamento alheio, esquecendo-se do seu, que comprovadamente foi, ou é, um exemplo de hipócrita político brasileiro. Certamente a serenidade que lhe faltou quando agrediu verbalmente uma juíza eleitoral, taxando-a de petista, quando ela os condenou à perda dos direitos políticos por três anos por causa de abuso de poder econômico durante a campanha eleitoral. Isto sem falar nas irregularidades do seu mandato de governador e das supostas acusações que pesam contra a sua esposa.
E como esquecer de Antônio Carlos Magalhães, o mesmo dos grampos telefônicos e da violação do painel do Senado, que agora aparece como arauto da moralidade pública? Pelo menos Toninho Malvadeza diverte com suas fanfarronices. Ele acaba de criar uma alcunha para o tesoureiro do PT: “Dilúvio Soares”.
Já o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, agastado com as dezenas de denúncias que pipocaram no seu governo, está sendo mais comedido, não colocando lenha nessa fogueira. O pai do Real – que mudou pra melhor a vida dos brasileiros – também é alvo da justiça e hoje tem ponderado os seus ataques contra o governo de Lula.
E o também tucano Aécio Neves, governador de Minas Gerais e possível candidato a sucessor de Lula foi sempre um adversário sensato, tem sido mais cauteloso ao afirmar: “O presidente tem uma história que merece o nosso respeito. O presidente Lula não é o presidente Collor”. Tem razão.
Em outro texto que eu publiquei neste blog, falei da importância do voto. Que direito de votar e uma das primeiras regras da democracia. Que precisamos ter memória política e vontade independente. É a partir do nosso voto que escolhemos principalmente o rumo das nossas vidas e de nossas famílias.
Tenho conversado com pessoas mais experientes e elas falam que não têm desejo algum de sair de casa e votar em quem quer que seja. Este é um senso comum. Mas precisamos refletir sobre o que a Igreja Católica aponta como sendo um dos pecados mais desumano: Omissão.
Ex-vereador da Cidade do Recife, o Professor Rafael de Menezes, muitos anos atrás, no programa do radialista Samir Abou Ana disse uma frase que eu jamais vou esquecer e que trago comigo na minha prática profissional e na minha vida pessoal. Disse o ilustre professor: “É na omissão dos que se intitulam bons, que os maus prevalecem-se”. Ou seja, como é que nós, - os bons - não conseguimos construir uma identidade ideólogica enquanto que os maus decidem o que será feito das nossas vidas?
A clássica idéia de que para mudar o mundo precisamos mudar a nós mesmos, parece completamente esquecida pelo povo em geral. O poeta Carlos Drummond de Andrade poderia acrescentar ao seu desabafo: “Nem todos são vagabundos, mas o povo é sem memória”.
1 comentários:
Gostei do blog por abordar uma temática realmente diversificada, onde é possível nos encontar diversas situações inclusive da história. Fote abraço
Lindembergue
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