Por Alexandre Medeiros*
A notícia de ontem (22 de setembro de 2011) da medição das velocidades de neutrinos como sendo maiores do que a velocidade da luz no vácuo (realizada por uma equipe de cientistas franceses trabalhando no CERN) caiu como se fosse uma bomba no território da Física. A mídia comum, não os periódicos especializados onde se dá o verdadeiro debate científico, foi tomada de assalto pela notícia e a repercutiu pelo mundo. Em, poucos minutos jornais sensacionalistas de todo o mundo já anunciavam a queda do Rei Albert Einstein e a fragmentação do seu poderoso Império da Teoria Relatividade.
Alunos e ex-alunos meus correram para me comunicar também a “grande novidade” desta iminente revolução científica; mas, eu já a havia visto repercutindo na imprensa internacional.
Todos eles, assim como a mídia, em geral, estavam excitados com os novos ventos teóricos que já sentiam soprar.
“E então, professor?” Perguntou-me um deles, o mais afoito e o mais jovem, também. “A Teoria da Relatividade caiu mesmo?”
Se por acaso aquilo tudo que estava sendo anunciado fosse mesmo verdade, a sua pergunta poderia fazer sentido, ou não. De fato, a Relatividade prevê que a maior velocidade do Universo deve ser a velocidade da luz no vácuo. E era exatamente isso que os aludidos resultados estavam a contrariar. Mas, ainda era muito cedo para saber se aquilo era mesmo real e mesmo que o fosse para se poder avaliar melhor a extensão do “prejuízo”.
Eu ainda estava em estado de perplexidade com todo aquele alvoroço juvenil, e só pude dizer: “calma crianças, devagar com o andor que o santo é de barro”.
Eles me olharam meio atônitos; pois não era aquilo que eles queriam ouvir de mim. Queriam apenas que eu lhes desse um pouco de gasolina para jogarem na fogueira. Afinal, eu como seu professor de História da Física, sempre lhes falara das Revoluções Científicas do passado e eles estavam agora se vendo na iminência de adentrar em uma de verdade e das grandes. Ao menos, era isso que lhes diziam os jornais com seu sensacionalismo barato.
Mas, eu pensei cá comigo, que como diria o velho Nietzsche: “não é da minha boca que esses ouvidos precisam”. Afinal, a Ciência não se constrói com debates em jornais e muito menos com gasolina nos alvoroços. O palco do verdadeiro debate científico não é a grande mídia. Ela apenas o repercute na medida dos seus interesses imediatos de audiência. E isso pouco ou nada tem a ver com os caminhos da ciência. Portanto, “calma crianças, que o bicho papão talvez nem exista”.
Mas, e o que dizer dos fatos?
Procurei o site do CERN, palco da tão propalada descoberta e lá estava, realmente, a indicação de que os resultados do referido trabalho haviam sido comunicados ontem mesmo ao ArXiv. Já ficava claro, portanto, que “alguém” pouco cauteloso vazara precipitadamente a “preciosa informação”, ainda não digerida, para a grande imprensa.
Fui, então, ao site da Universidade de Cornell, onde o ArXiv está baseado e fiz o download do trabalho. Uma coisa me chamou imediatamente a atenção no mesmo: havia quase um milhão (risos) de autores. Pelo jeito, como diria o Andy Warhol, “todos ali queriam, ao menos, os seus quinze minutos de fama”. Ou quem sabe, talvez, com mais otimismo, entrar triunfante no panteão da glória revolucionária da ciência.
Confesso que a minha primeira impressão com aquela montanha de nomes não foi das melhores.
Mas, e o texto? O que dizia o texto, afinal?
Uma vela ao santo e a outra vela ao diabo. O texto contrastava em tudo com o sensacionalismo da mídia internacional, que a própria equipe de pesquisa, evidentemente, fomentara. E do qual agora, no corpo do artigo, procurava prudentemente se esquivar.
Mas, afinal, o que dizia o texto, homem de Deus?
O texto era apenas um relato “cauteloso” dos experimentos realizados com a detecção de neutrinos entre 2008 e 2011 e a determinação de suas velocidades nos laboratórios do CERN e nas instalações subterrâneas das montanhas do Grande Sasso, onde haviam sido feitas as medidas finais das velocidades. O artigo estava redigido de modo cuidadoso e detalhado no tocante aos procedimentos observacionais adotados, às técnicas utilizadas, ao tratamento estatístico, e figuras ilustrativas evidenciavam o trajeto das partículas sob as montanhas e suas localizações pormenorizadas com o auxílio de GPS.
O artigo era de uma cautela aparente, pois “todos” sabem que resultados semelhantes já haviam sido encontrados no Fermilab em 2007, mas que eles haviam sido posteriormente desacreditados por erros experimentais. E nada daquilo causara um furor jornalístico até então.
Logo...
Mas, as conclusões do artigo eram, de fato, perfeitamente cautelosas. Os autores afirmavam peremptoriamente, de maneira quase positivista, a sua adesão pura e simples aos resultados dos experimentos e a necessidade de sua confirmação posterior e independente. E mais, ainda, os autores recusavam-se também, prudentemente, a adentrar no terreno movediço das especulações teóricas açodadas antes que tais resultados externos fossem anunciados. Ótimo!
Em suas próprias palavras: "Apesar da grande importância da medição aqui relatada e da estabilidade da análise, o impacto potencialmente grande do resultado motiva a continuação dos nossos estudos em investigar possíveis efeitos sistemáticos ainda desconhecidos que poderiam explicar a observada anomalia. Nós, deliberadamente, não tentamos qualquer interpretação teórica ou fenomenológica dos resultados".
Portanto, diante do acima exposto e mais ainda sabendo que hoje haverá no CERN, ao meio dia (horário de Brasília), um seminário dos autores da referida pesquisa a ser transmitido via Internet para o mundo e também que outras equipes já iniciaram os preparativos para testarem independentemente os aludidos resultados encontrados, vamos ressaltar a prudência nas conclusões a serem antecipadamente tiradas.
Afinal, como diz a sabedoria popular: "apressado come cru". Vamos aguardar, portanto, os resultados de outras equipes independentes e só depois tentar tirar quaisquer conclusões. Como eu disse desde o início: "devagar com o andor que o santo é de barro".
Essa palavra de cautela não deve, entretanto, ser confundida com qualquer postura reacionária à mudança. A quesatão é que não devemos nos esquecer do evento midiatico semelhante ocorrido quando do anúncio da célebre “Fusão Fria” que começou como uma grande fusão e terminou apenas como uma fria.
Mas, também não devemos garantir apressadamente que nada de novo poderá acontecer e adotar assim uma prudência conservadora sem fundamento na realidade, como aquela que o nosso “Grande Timoneiro” adotou recentemente diante do anúncio da crise econômica internacional de 2008. Na época o nosso Guia Supremo nos garantiu que aquilo começava como uma onda, mas que ele podia nos assegurar que depois viraria apenas uma marolinha. Não virou! Virou foi um Tsunami.
Portanto, como não temos uma bola de cristal, como acreditava ter o nosso Grande Timoneiro, é melhor termos cautela e não tirarmos conclusões apressadas. O que se avizinha tanto pode ser uma nova Fria, como também um verdadeiro Tsunami. Quem viver verá!
ADENDOS
ARTIGO ORIGINAL dos pesquisadores franceses:
Measurement of the neutrino velocity with the OPERA detector in the CNGS beam
OPERA
(Submitted on 22 Sep 2011)
Abstract: The OPERA neutrino experiment at the underground Gran Sasso Laboratory has measured the velocity of neutrinos from the CERN CNGS beam over a baseline of about 730 km with much higher accuracy than previous studies conducted with accelerator neutrinos. The measurement is based on high-statistics data taken by OPERA in the years 2009, 2010 and 2011. Dedicated upgrades of the CNGS timing system and of the OPERA detector, as well as a high precision geodesy campaign for the measurement of the neutrino baseline, allowed reaching comparable systematic and statistical accuracies. An early arrival time of CNGS muon neutrinos with respect to the one computed assuming the speed of light in vacuum of (60.7 \pm 6.9 (stat.) \pm 7.4 (sys.)) ns was measured. This anomaly corresponds to a relative difference of the muon neutrino velocity with respect to the speed of light (v-c)/c = (2.48 \pm 0.28 (stat.) \pm 0.30 (sys.)) \times 10-5.
Artigo original completo disponível em: http://arxiv.org/abs/1109.4897
LINK do SEMINÁRIO de 23 de setembro de 2011 – 16:00 (horário da Suiça), 12:00 (horário de Brasília):
New results from OPERA on neutrino properties (23 September 2011) indico.cern.ch
*Professor Alexandre Medeiros - Físico UFRPE. |
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Que devo dizer?
Bem, na condição de professor de Geografia, interessado em assuntos da Física, da Quântica, da Química da Biologia, das Ciências em geral, leitor contumaz ainda com muita sede de conhecer “de tudo um pouco”, eu posso dizer o que sei (ridicularmente) em consequência ao que sinto (humanamente), por exemplo, o período de desenvolvimento de uma droga é de, aproximadamente, 10 a 12 anos, certo? Sei também, desde os primeiros anos de estudos universitários, que tempo, ciência, consenso e canja de galinha não fazem mal a ninguém.
Os diferentes tempos que envolvem a pesquisa científica, a decisão política, a opinião pública e as nossas impressões pós “descobertas” estão em naipes totalmente distintos. Li recentemente em um periódico científico, um artigo que dizia que a própria evolução do conhecimento científico, representada pela filosofia da ciência hegemônica até a primeira metade do século XX, como uma empreitada contínua, progressiva e cumulativa, passa a representar, após as revoluções científicas de Kuhn, saltos descontínuos nos quais paradigmas supostamente incomunicáveis se sucedem de tempos em tempos.
Recordo-me, como poeta, do meu poeta preferido, por uma série de motivos (dentre eles, ser professor de Geografia) o poema Verdade: “A porta da verdade estava aberta, mas só deixava passar meia pessoa de cada vez”.
Eu prefiro ser, como diria um grande professor do século XVIII, crente de que a verdade está na ciência até que ela própria desminta o que aparentemente seja empírico. Essa tênue linha filosófica será, sempre, a gasolina dos nossos cérebros, ou melhor, como diria Lobato “a graça” na engrenagem das nossas limitadas ideias.
O importante é sempre perguntar: por quê? Muito mais até que ouvir conselhos de um “timoneiro” de primeira viagem.
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