Não pretendo fazer uma falação calcada em otimismo demagógico, nem discutir as conhecidas dificuldades que entremeiam o nosso caminho. Gostaria mais de falar de eixos norteadores de minha tentativa pessoal de contribuir na construção de uma sociedade justa e solidária: são eles a responsabilidade, o compromisso, a esperança e o amor.
São palavras um tanto quanto desgastadas pelo seu uso constante em discursos de toda a espécie. Todavia, têm para mim um significado muito além desta dimensão: são verdadeiramente os pontos cardeais que utilizo para não me deixar prender pelos nós do mau uso delas.
A responsabilidade é aquela premissa de estar sempre buscando a coerência entre a teoria e prática, entre o dito e o feito, entre o querer e o fazer. É ela que me faz ser meiga e dócil no trato com alunos e colegas, por entender que as relações de aprendizagem e de trabalho precisam ser prazerosas e gentis para serem frutíferas.
É ela também que me faz vencer uma enorme timidez para expor as coisas em que acredito. É dela que retiro forças para vencer a temeridade de calar, quando seria fácil – e até cômodo – ficar quietinho no canto. Ela me faz falar e brigar, como se nem fosse eu mesmo. Também me faz vencer o cansaço, em noites que me debruço sobre livros. Com ela transformo, não sei por que magia, as 24 horas do dia em muitas, muitas mais que eu possa entender ou explicar!
A responsabilidade de me fazer exemplo para alunos conseguiu alterar a calma e mansa forma de olhar o mundo, que me legou a minha educação familiar para uma forma mais ativa e crítica de analisar o que me rodeia. Por causa dela, perdi um pouco da ingenuidade no julgamento dos fatos e me percebi aprendendo a espiar o que há por trás deles.
E aí ela se acorrentou ao compromisso: o que antes era certo porque diziam ser certo, passou a ser a fonte do querer descobrir. O que se declarava ser sacerdócio, abnegação, transformou-se em luta, em engajamento não mais solitário, mas essencialmente coletivo. O compromisso não é um ato individual, é uma postura social e política.
Ele exige uma expansão que extrapola nossa dimensão, porque quer mais e só sobrevive se nos dispusermos a fazer crer no que cremos, mais e mais pessoas. Está diretamente ligado à competência profissional e pessoal de crescer, de aprender mais, de lutar mais para transformar em melhor aquilo que fazemos e vivenciamos.
Mas não me basta só isto. Para poder levar avante o compromisso com responsabilidade, não abro mão de cultivar a esperança. Não aquela esperança frouxa de que vai acontecer, mas a esperança como aquela de quem sabe faz a hora e não espera acontecer.
Partilho da mesma esperança de Paulo Freire em sua Pedagogia. É uma esperança que se constrói, na certeza de que é possível. Ela me sustenta na superação de dificuldades e me impulsiona rumo ao futuro. Ela me emociona com pequenas vitórias e não me deixa desiludir nos fracassos. Com a esperança, me resgato dos 36 anos vividos e me torno mais disposto a perseverar. Ela me dá a coragem de arrancar de cada tropeço, um impulso para frente e não para o chão.
E aí, vem o amor. Não é um amor piegas, nem um amor de mão única. É um amor que me dá asas à imaginação e me faz ver o mundo sempre colorido, mesmo quando o dia é cinzento e chuvoso. É a base do meu dia-a-dia, é unificador de minhas convicções e o meu próprio perdão aos meus desacertos. É o meu elo com todos os outros, superando desafetos, diferenças, incompreensões.
Com estes parâmetros construí minha práxis pedagógica. Retirei deles a convicção de que a Geografia seria o meu caminho para fazer Educação. Através deles vislumbro uma Geografia que não é só localizar e nem apenas explicar fatos ou fenômenos geográficos, mas é concretizar uma ação transformadora da/na sociedade.
Não acredito numa Geografia fria de conceitos bem ou mal formulados. Acredito numa Geografia que canta ou murmura em rios que se salvam de ações de uma sociedade imediatista e sem um planejamento sério e compromissado com o amanhã; vibra e vive com mulheres e homens de qualquer classe, raça, crença, sexo, nacionalidade ou convicção política; ri e chora com companheiros vivos ou inertes deste Planeta Azul.
Creio numa Geografia que se faz com crianças, jovens e adultos, sem aquela decoreba sem graça que não conduz a nada, sem aquele desfiar inútil de números estatísticos e de nomes sem nenhum significado, porque são descontextualizados.
Acredito que a Geografia permite fazer a leitura do mundo muito além do simples ato de codificar ou decodificar símbolos alfabéticos: ela nos permite ler na observação dos astros do Universo que nos rodeia, nas montanhas que se elevam ou nos mares que se prolongam até ao horizonte, nos vales ensombrecidos, nas florestas decapitadas pelos homens, no trigo que brota na fábrica que apita e solta fumaça no ar, nos homens de ombros caídos e na fala dos seus dirigentes. Ela não só nos conta as coisas, mas nos permite pensar, ao analisá-las, em como mudá-las, uma vez que estamos todos nelas inseridos.
Para fazer esta Geografia, acredito numa metodologia de prazer que inclua leituras, pelo simples prazer de ler e buscar saber como outros constroem seu conhecimento, verificando as diferentes "verdades" que cada autor produz.
Proponho uma Geografia que se aproprie do prazer de jogos inocentes que possibilitam testar convicções sem disparar o terror das perguntas, nas quais não cabem certezas para errar, nem erros para acertar, apenas tentativas para medir conhecimento com zero ou dez, certo ou errado.
Quero uma Geografia que use a música, a história em quadrinhos, o filme, a poesia, a dramatização, a observação e o diálogo. Gosto de textos em que o autor conversa comigo e não daqueles que falam com a própria ciência. Prefiro rir com o professor que me mostra o mundo como gente ou me provoca ao mostrar o homem como lobo do próprio homem.
Não quero fazer Geografia insossa de aspectos físicos, humanos e econômicos, como se o homem não fizesse parte da natureza e o econômico não fosse produzido pelo humano. Quero a Geografia una, inteira, aquela que me conta como a Terra é um organismo vivo que precisamos cuidar para as futuras gerações, nossos netos, bisnetos, tataranetos e seus descendentes.
Penso que o papel do professor de Geografia na formação de uma sociedade crítica não precisa ser de um cavaleiro do Apocalipse, duro e cruel. Não vejo a necessidade de amargura ou de pseudo-seriedade sem alegria e prazer.
A crítica não se faz com critiquice, mas com a capacidade de análise e de reinvenção do que precisa mudar. Se não for assim, de que me vale o futuro? Se não creio na mudança para o melhor, talvez devesse me calar e não ser professor.
De que vale um mestre que não crê que a aprendizagem é um ato de amor e não tem limites? Que compromisso há em discutir o que não se acredita que pode mudar? Para que aprender? Para sofrer ou para viver? Prefiro não fechar os olhos para a realidade, mas fitá-la com toda a intensidade, para perceber onde está seu brilho e fazê-lo incidir sobre suas sombras. Quem sabe assim, a Geografia possa justificar melhor sua existência como ciência e como parte dos estudos escolares.
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