Certa feita, durante uma conversa entre meu pároco e eu, aos 14 anos, perguntei-lhe:
- Padre, porque eu sofro tanto e outros são felizes?
A resposta foi inesquecível e inaceitável:
- É porque Deus quer meu filho.
Na minha ingênua infância eu não concebia como poderia existir um Deus que fosse injusto, que amasse uns e odiasse a outros; que escolhesse alguns e excluísse mais outros; que se vingava de seus filhos rebeldes e semeava riqueza para aqueles que estivessem ao lado de outros justos.
Não posso conceber a idéia de que as injustiças, as diferenças, as guerras, as catástrofes naturais como aquela que ocorreu recentemente do Haiti, onde se conta atualmente 200 mil mortos, a destruição que a chuva tem feito em São Paulo desde o começo do mês de Dezembro passado.
O mundo cristão acostumou-se a contabilizar tanto a desgraça como a felicidade que nós vivemos sob as quimeras vontades de Deus. Se eu sou feliz, rico, realizado, com saúde, com casa pra morar, com carro, tudo se deve ao fato de que Deus escolheu-me. Se não consigo emprego, se tenho um filho drogado, se não me estabilizo nos meus relacionamentos, se minha saúde é debilidade, aí também está o dedo de Deus.
O principal erro deste tipo de cristão é revestir Deus de sentimentos meramente humanos. A ira, o ódio, a vingança, o castigo, o “fazer justiça” punindo milhões, a vaidade, o orgulho, a força da destruição não podem fazer parte da psicologia de Deus. Quem pinta Deus dessa forma, nunca soube nem nunca saberá o que é Amor e sempre verá quem discorda de suas idéias hebraicas como sendo seus inimigos e dignos da misericórdia de Deus.
Certa vez eu fiz uma palestra onde o tema tratava de Deus e de seu perdão. O tema provocativo que eu dei a palestra foi “Deus não perdoa”. Por uma boa parte da minha explanação eu repetia essa frase afirmativa. Muitas pessoas não esperaram para que eu justificasse a minha afirmação, retirando-se do recinto, irritados. Assim como lá, aqui quero provocar as pessoas que me lêem sempre, não justificando o que afirmo na esperança de que sirva de reflexão acerca da imagem que temos de Deus que, para mim, não perdoa.
Mês passado eu estava em Natal-RN, curtindo minhas férias. Dias antes de voltar, tive que socorrer minha tia para um hospital na zona norte da capital. Enquanto esperava que ela fosse atendida, me dirigi para o balcão da recepção e fiquei assistindo o noticiário sobre o terremoto em Porto Príncipe, Haiti. Duas mulheres conversavam com cara de juízes inquisitórios. Uma era a recepcionista, mulher de 40 anos, e a outra uma paciente que pelos trajes identifiquei que era protestante. E elas conversavam diante da TV mais ou menos assim:
- Tá vendo aí?! Você sabe por que esse terremoto aconteceu lá?
Sem esperar a resposta da protestante, ela emendou:
- Só aconteceu isso lá porque eles não acreditam em Deus. Olha só o que dá?! Não acreditam em Deus e agora estão pagando pela falta Dele. Porque não acontecem essas coisas aqui? Porque Deus sabe que o Brasil tem pessoas que temem a ele, que acreditam nele... (...).
Eu fiquei tão irritado com tamanha ignorância que deixei de assistir a TV e me retirei do recinto, obedecendo ao ditado que diz: o que os olhos não vêem, o coração não padece. Percebem como tudo gira em torno da vontade soberana de Deus? Que tudo ocorre por vontade Dele?
Lógico que, como disse Jesus: “nenhuma folha cai sem a permissão de Deus”. O é interessante destacar é que Deus não arrancou a folha da árvore. Ele não disse pra ela se desprender e cair em direção a morte, desprendida do caule que lhe mantinha viva. Se ela caiu foi porque cumpriu uma lei natural. A interferência de Deus na vida de todos os seres vivos não os impõe a derrocada final. Não se barganha com a vontade de Deus.
Não aceito a idéia de que Deus castiga, assim como creio com total convicção de que Ele não perdoa. Que forma pequena de conceituarmos Deus! Deus, que é nosso Pai, soberanamente justo e bom, viveria a dar castigos aos filhos que Ele criou, por amor?
Deus, de quem Jesus afirmou que veste a erva do campo, que hoje se apresenta verde e amanhã já secou e é lançada ao fogo… Deus, de quem Jesus nos cientificou que providencia o alimento para as aves que voam pelos céus, porque elas não semeiam… Terá acaso Deus maior cuidado com a erva, os animais do que com os seres humanos?
Observamos que, no mundo, o homem tem graduações para o atendimento prioritário, onde o ser humano é mais importante do que o animal, por sua condição de ser moral, imortal. Se Deus regesse o Universo, ao sabor de paixões como as que temos nós, os humanos, viveríamos o caos.
Em certa manhã, Ele poderia estar de mau humor e, porque um número determinado de pessoas de um planeta O desagradasse, resolveria por eliminar aquele globo do conjunto universal. Por ter preferências por uns seres em detrimento de outros, concederia bênçãos inúmeras àqueles, deixando de atender a esses, que não Lhe mereceriam melhor atenção.
Deus é soberanamente justo e bom. Tenhamos isso em mente. Infinito em Suas qualidades, estende Seu amor a toda Sua criação, a quem sustenta com esse mesmo amor. E, se as dores, os problemas e dificuldades se acumularem, verifiquemos até onde nós mesmos criamos todos esses entraves. E, sempre, nos reportemos ao Pai amoroso e bom, suplicando nos auxilie a resolver os problemas, a modificarmos a nossa maneira de ser, a nos tornarmos criaturas melhores.
Com certeza, a pouco e pouco, veremos se diluírem, como névoa da manhã, o que hoje catalogamos como insolúvel, extremamente doloroso ou amargo. Também observamos que, em casos de grandes comoções e necessidades, o homem salvaguarda os seres mais frágeis: idosos, crianças, mulheres. Ora, será Deus menos sábio que nós mesmos?
Na primeira questão de “O Livro dos Espíritos", Kardec faz esta pergunta ao Espírito de Verdade: O que é Deus? A resposta é o título de nosso texto. O que pode significar esta resposta? Esta primeira resposta já traça toda uma linha de raciocínio para a visão do Universo que nos rodeia, pois tudo isto se baseia na compreensão que temos do Criador. Os espíritos colocam a Deus como a inteligência suprema do universo, arquiteto de todas as leis, sejam elas morais, físicas, químicas, orgânicas. Pois todas elas foram criadas por esta inteligência para a harmonia deste Universo.
Ele é a causa primária de todas as coisas, pois tudo veio d’Ele, nada existia antes d’Ele, tudo o que existe no mundo material e também no mundo espiritual foi Ele quem criou. Aqui, os espíritos nos demonstram que Deus não tem corpo, ou seja, não é homem ou mulher, preto ou branco, velho ou moço. Que Ele é uma força positiva e inteligente que a tudo permeia.
1 comentários:
De fato, um Deus que não faz tudo como amor livre, não é Deus. Aliás, nada é. Assim, o exagero não é exagero. Afinal, um Deus que é antes de todas as coisas, e que é amor, e que se entrega como garantia de Sua própria criação antes de realizá-la, é mais multiforme nas formas de Seu amor do que se pode imaginar, assim como chocantemente diversas são as criaturas que fez e as inconcebíveis variáveis de todos os Seus atos criadores. Sem o amor de Deus a existência não tem vida.
Efeitos práticos de toda calamidade, coletiva ou pessoal, é a expectativa do que brote do caos. E não aceitar que o caos tenha o carma de ser caos para sempre; pois de fato, é do caos que Deus principia coisas novas. E esta consciência precisa estar muito viva em nós.
Gleizy
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