Duas
temáticas me chamaram a atenção essa semana. A questão de saber quem realmente
somos e qual o nosso papel enquanto educador, bem como o que é ser, de fato,
corrupto. Busquei me inspirar em duas linhas de pensamentos. A primeira de um
livro de memórias de Zélia Gattai e um pequeno texto do Padre Vieira.
Vejamos!
Temática 01:
Anarquistas, Graças a Deus.
Anarquistas,
Graças a Deus é o livro de estreia da escritora brasileira Zélia Gattai,
publicado em 1979. Nele a autora, filha de imigrantes italianos, traz
reminiscências do país na primeira metade do século XX, bem como histórias de
sua infância.
É
uma história familiar, um álbum de memórias, de lembranças, de recordações de
uma família italiana como qualquer outra, mas que, também como toda família,
tem uma história especial, cercada de alegrias e preocupações, com questões
ideológicas e valores particulares.
Retrata
também o movimento ideológico dentre os imigrantes - um grupo forte, unido,
familiar - e a ajuda mútua que prevalece entre eles, a amizade, o
companheirismo, a luta em favor de viver bem, e que isso seja mérito de todos,
sem exceção.
Quando
eu era adolescente e em minhas primeiras primaveras adultas, eu recebi o título
de anarquista. No começo eu fiquei chateado. Mas, pesquisando, descobri que a
Rede Globo havia produzido uma minissérie e a partir daí, adorava quando alguém
assim me chamava para que eu completasse com a máxima “Graças a Deus”.
Quando
eu era coordenador do SINPRO em Pombos, a comissão que estava ao meu lado foi
praticamente desfeita pela força da necessidade pessoal da maioria. De um grupo
de 12 professores, restaram três. Foi nessa época que eu comecei a ouvir que eu
era “baderneiro”, “irresponsável”, “agitador”, etc.. Perseguição, humilhação, assédio
moral e crucificação foram os açoites que sofri por um tempo, até que me
obrigaram a assinar uma licença sem vencimentos por dois anos.
Três
anos se passaram. Uma nova gestão se instalou. As mesmas personagens que me
acusaram de irresponsável, agitador e baderneiro me ligaram. Estava eu em sala
de aula, quando o telefone tocou:
-
Ricardo? É fulana de tal! Estou aqui na casa de Beltrana, com Cicrana e CIA
LTDA.
-
Pois não, fulana! O que é que há? – perguntei em tom irônico.- É que a gente formou uma comissão pra lutar pela melhoria de salário, qualificação, reconhecimento e capacitação de nossa classe, etc. e tal... E pensamos em convidar você pra fazer parte do grupo.
Me
veio na lembrança tudo que sofri e o mais grave não saía da minha cabeça que
foi ter sido obrigado a ficar sem meu salário por 24 meses. Subiu um fogo na
minha dorsal que foi arrotado, assim:
-
Engraçado, fulana. Eu não estou acreditando no que você está me dizendo. É que
anos atrás quando eu lutava para defender justamente o que hoje você diz ser
reconhecimento, na época vocês chamaram de “baderna”, “agitação”, que isso era
coisa de gente que não gostava de trabalhar, de gente irresponsável. Você lembra-se
disso? Você lembra que muitas vezes você mandou meu ponto para ser cortado
porque eu estava em reuniões, à frente do sindicato? Não contem comigo para
nada. E, por favor, não me ligue mais.
Assim
que desliguei, senti um alívio e uma frase me veio à mente: “A
mão que afaga é a mesma que apedreja”.
(...)
Hoje,
bem mais maduro, mais tranquilo, mais experiente, ser chamado de baderneiro,
arruaceiro, irresponsável e agitador ou de simplesmente anarquista, não me
causa nenhuma dor, assim como também não me produz nenhum tipo de vaidade. Apenas
busco olhar para a fonte de origem daquele que me acusa e sinto dó, muita dó da
pessoa ou das pessoas. Como dizia Nelson Rodrigues, os idiotas se deram conta
de que eles são maioria. Às vezes recebo abaixo-assinados conclamando a mudar
este país. Santa ingenuidade. Os idiotas jamais permitirão tal heresia. Isso
não quer dizer, no entanto, que todos os brasileiros sejam canalhas.
Há
uma história interessante que gostaria de compartilhar com vocês, amigos e
amigas, bem como estas figuras que se acham detentoras do direito de
condenação:
Quando
nosso novo professor de "Introdução ao Direito" entrou na sala, a
primeira coisa que fez foi perguntar o nome a um aluno que estava sentado na
primeira fila:
-
Qual o seu nome?
-
Juan, senhor.- Saia de minha aula. Não quero que volte nunca mais! - gritou o professor.
Desconcertado,
Juan recolheu suas coisas e saiu da sala. Todos nós estávamos indignados, mas
ninguém falou nada. Em seguida, o professor perguntou à classe:
-
Para que servem as leis?
Assustados,
começamos a responder:
-
Para que haja uma ordem em nossa sociedade, disse alguém.
-
Não! Respondeu o professor. - Para cumpri-las.
- Não!
- Para que as pessoas erradas paguem por seus atos.
- Não! Será que ninguém sabe responder?
- Para que haja justiça, falou timidamente uma garota.
- Até que enfim!!! É isso: PARA QUE HAJA JUSTIÇA! E para que serve a justiça?
Mesmo
incomodados pelo comportamento grosseiro do professor, respondemos:
-
Para salvaguardar os direitos humanos.
-
Bem, o que mais? - Para mostrar a diferença entre o certo e o errado. Para premiar a quem faz o bem.
- Não está mal... Agora, respondam: agi corretamente ao expulsar Juan da sala de aula?
Todos
nós ficamos calados.
-
Quero que todos respondam ao mesmo tempo!
-
Não! - Poderiam dizer que cometi uma injustiça?
- Sim!
- E por que ninguém fez nada? Para que servem as leis se não nos dispomos a colocá-las em prática? Todos nós temos de reclamar quando presenciamos uma injustiça!!! Vão buscar o Juan!!!
Naquele
dia recebemos a lição mais importante do curso de Direito: "quando não
defendemos nossos direitos, perdemos a dignidade”.
O que é ser Corrupto?
Padre
Vieira, em São Luís do Maranhão, no sermão em homenagem à festa de santo
Antônio, em 1654, indagava: "O efeito do sal é impedir a corrupção, mas
quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela que
têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção?"
A
seu ver, havia duas causas principais: a contradição de quem deveria salgar e a
incredulidade do povo diante de tantos atos que não correspondiam às palavras. Lembram-se
do que disse acima? “Como dizia Nelson Rodrigues, os idiotas se deram conta de
que eles são maioria”.
Outro
dia li que o psicanalista Luís Felipe Pondé, da Folha de São Paulo, defende uma
tese insólita. Que quando se fala de corrupção, todo mundo mente. Quase todo
mundo prefere um pai ou marido corrupto a um honesto, mas pobre. Para resistir
à corrupção, você tem que ser radical, ou religioso, ou moral ou político. Disse
alguém que o sucesso da Inglaterra era devido ao fato de os homens honestos
serem tão audazes quanto os canalhas. E é verdade. Mas, o que é ser corrupto? Será
que ser corrupto é ser apenas um sujeito cooptado, comprado, ladrão, bandido?
Na
minha concepção, corrupto não é só aquele que rouba ou negocia com o erário
público. Shakespeare, célebre conhecedor da natureza humana, faz com que
Ângelo, em Medida por medida, pronuncie as seguintes palavras:
“Uma
coisa é ser tentado e outra coisa é cair na tentação. Não posso negar que não
se encontre num júri, examinando a vida de um prisioneiro, um ou dois ladrões,
entre os jurados, mais culpados do que o próprio homem que estão julgando. A
Justiça só se apodera daquilo que descobre. Que importa às leis que ladrões
condenem ladrões?”
Costumo
dizer que pedagogicamente educamos pelo exemplo. Não podemos exigir ética na
política ou formar uma geração cidadã, consciente dos seus direitos e deveres e
capaz de assumir a defesa da justiça social, se nossos exemplos afirmam o
oposto. Afinal, mesmo os ladrões têm a sua ética. A personagem criada por Shakespeare
tem razão.
Não
gosto muito de usar o verbo “pecar”, mas, há uma frase que me remonta ao termo,
dita por Abraham Lincoln, que é a seguinte: “Pecar pelo silêncio, quando se
deveria protestar, transforma homens em covardes." Um dia eu
perguntei a um amigo vereador: “Você é corrupto?” Ele, lógico, afirmou
negativa. E, no mesmo instante, me devolveu a pergunta.
Dizem
por ai que todo homem tem seu preço. Há quem vá mais longe afirmando que alguns
homens são vendidos a preço de banana. Sempre esperei, na vida, o dia da Grande
Corrupção, e confesso, decepcionado, que ele nunca veio. A mim só me oferecem
causas meritórias, oportunidades de sacrifício, salvações da Pátria ou pura e
frontalmente a hedionda tarefa de lutar contra a corrupção.
Enquanto
eu procuro desesperadamente uma oportunidade, as pessoas e entidades agem
comigo de tal forma que às vezes chego a duvidar de que a corrupção exista.
Mas, falar em corrupção, como anda a sua? Vendendo saúde ou combalida e
atrofiada como a minha?
Para
àqueles que se ofendem com afirmações coerentes, segue um texto extraído do
livro "Todo homem é minha caça", Editorial Nórdica Ltda. — Rio de Janeiro,
1981, pág.60.
Responda
com muito cuidado às perguntas abaixo e depois conclua sobre sua própria
personalidade: você é um corrupto total ou um idiota completo? (Não há
meio-termo.) Conte 10 pontos para cada resposta certa (você é quem decide qual
é a certa) e verifique depois o grau de sua corruptibilidade.
Nota:
Se você roubar neste teste, é porque sua corrupção é mesmo absolutamente
incorruptível.
A) Você descobre que o chefe
do seu departamento está com um caso complicado com a secretária do outro chefe
em frente. Você:
1)
Finge que não viu nada.
2)
Diz à secretária que ou também está, nessa ou vai botar a boca no mundo. 3) Oferece o seu sítio ao chefe pra ele passar o fim de semana.
4) Bota a boca no mundo.
5) Insinua ao chefe que há a perigosa hipótese de a mulher dele vir a saber (e enquanto isso põe a promoção embaixo do nariz dele pra ele assinar).
B) Você acha que a Lei e a Ordem é uma mística
social maravilhosa para:
1)
Impor a lei e a ordem.
2)
Acabar com a grita dos descontentes. 3) Grandes oportunidades de ganhar algum por fora.
4) Dividir o bolo entre os íntimos sem ninguém de fora piar.
C) A primeira vez em que
você ouviu falar do escândalo de Watergate você disse:
1)
Isso é que é país!
2)
Como é que o governo americano permite uma imprensa dessas? Isso desmoraliza um
país! 3) Eu não compraria um carro usado desse Nixon.
4) Isso jamais aconteceria entre nós.
5) Quanto terão levado esses caras pra se arriscarem dessa maneira?
D) Você, como representante
oficial da fiscalização, comparece à apresentação de contas, em dinheiro, no
Instituto dos Cegos. Fica surpreendido com o alto volume das arrecadações e em
certo momento:
1
) Diz : "Estou surpreendido com a miserabilidade dos donativos". E
tenta enrustir algum.
2)
Diz: "Como representante do fisco sou obrigado a reter 30 % de tudo porque
esta arrecadação é totalmente ilegal". 3) Diz: "Teria sido até uma boa arrecadação se metade das notas não fossem falsas".
4) Disfarça bem a voz e diz, entredentes: "Todos quietinhos aí, seus Homeros de uma figa: Isto é um assalto!"
E) Você se demite do cargo
de maneira irrevogável por insuportáveis pressões morais e absoluta
impossibilidade de compactuar com a presente política da firma. Eles prometem
triplicar o seu salário. Você:
1)
Recusa, indignado, por pensarem que é tudo uma questão de dinheiro. Só ficará
se eles derem também as três viagens anuais à Europa a que todos os diretores
têm direito. E participação nos lucros retidos da companhia.
2)
Diz que, evidentemente, isso e uma prova moral de que eles estão de acordo com
você. O dinheiro, aí é definitivo como demonstração de confiança na sua gestão.
3) Pede para pensar 5 minutos antes de dar a resposta.
4) Explica que tem mulher e filhos e não pode manter um pedido de demissão feito, afinal de contas, por motivos tão irrelevantes.
F) Há uma diferença
fundamental entre fraudar e evitar o imposto de renda. Quando você descobriu
isso, você:
1)
Ficou indignado com as possibilidades de os poderosos usarem tudo a seu favor.
Como é que se pode escamotear um ordenado?
2)
Começou a estudar furiosamente a legislação para descobrir todos os furos. 3) Tinha 11 anos de idade e estava terminando o curso primário.
4) Nunca mais pagou um tostão de imposto.
G) Você dá um nota de 10 pra
pagar o jornal, no jornaleiro velhinho da banca da esquina, e percebe que ele
lhe deu 50 como troco. Você imediatamente:
1)
Corrige o erro do velhinho?
2)
Reclama chateado aproveitando a gagaíce do vendedor: "Pô, eu lhe dei uma
nota de 100?" 3) Chega em casa e manda todos os seus filhos comprarem vários jornais?
4) Bota o dinheiro no bolso e fica freguês?
H) Você teve que fazer um
trabalho na rua, não pôde almoçar, comeu um sanduíche. Você apresenta a conta
na companhia:
1)
Um sanduíche — 3 cruzeiros.
2)
Almoço — 32 cruzeiros. 3) Almoço com o representante da A&F Ltda. — 79 cruzeiros.
4) Despesas gerais — 143 cruzeiros.
I) Quando o desfalque dado
pelo auditor geral (8.000.000 pratas) chega a seus ouvidos você murmura:
1)
"Idiota, se deixar apanhar assim".
2)
"Será que eles vão descobrir também os meus 10.000?". 3) "Se ele tivesse me dado 10% eu tinha feito o negócio de maneira que ninguém nunca ia descobrir".
4) "Eu fiz bem em não entrar no negócio".
Conselho
de amigo:
Quando
alguém, na rua, gritar "Pega ladrão", finge que não é com você.
By
E o seu nível de corrupção,
como vai?Millôr Fernandes
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