“Parece-me essencial que haja pobres ignorantes. (...) Não é preciso instruir o artesão, mas sim o burguês. (...) Se o povo se mete a raciocinar, tudo estará perdido”. (Voltaire)
Esta frase de Voltaire (codinome de François-Marie Arouet) resume bem a idéia que se tinha o Iluminista sobre manter o povo sem escolas, sem formação. Estranhamente essa declaração nega os princípios de um movimento que inspirou a Declaração dos Direitos Humanos, França, 1789. Escolas para pobres, para quê? Formação acadêmica para os menos favorecidos era dinheiro jogado fora ou um risco para a soberania das burguesias dominantes. Mas nem sempre foi assim.
As primeiras escolas nasceram na Suméria há certa de cinco mil anos. Os primeiros documentos que comprovam foram encontrados na cidade suméria de Uruk, onde entre outros papiros, estava um que continha uma lista de palavras que provavelmente foram usadas com provável objetivo de estudo e a prática.
O progresso deu-se de forma lenta nos anos séculos que se seguiram, mas na metade do terceiro milênio, deve Ter existido uma série de escolas em toda a Suméria onde a escrita era formalmente ensinada. Na antiga cidade de Shurupk, a cidade do Noé sumério (Utnapishtim é o seu nome), foram escavados em 1902-1903 um volume considerável de "livros texto" datados de cerca de 2500 Antes da Nossa Era.
Semelhante às nossas atuais instituições de ensino, a escola suméria era o centro do que podemos chamar de escrita criativa. As criações literárias do passado lá eram estudadas e copiadas, além de promoverem o aparecimento de novas composições. Enquanto que é verdade que a maior parte dos graduados da escola suméria tornavam-se escribas a serviço do templo e do palácio, entre os ricos e poderosos da Mesopotâmia, também era verdade que alguns devotavam suas vidas ao ensino.
Tal qual o professor ou professora universitários de nossos dias, muitos destes estudiosos da antigüidade dependiam de seus salários para viver, e também dedicavam-se à pesquisa e a escrever nos seus períodos de folga. A escola suméria, que provavelmente começou como um anexo ao templo, tornou-se com o tempo numa instituição secular; seu currículo também tornou-se de caráter secular. Os professores eram pagos, aparentemente, com as taxas cobradas dos estudantes.
Educação não era nem universal ou compulsória. A maior parte dos estudantes vinha de famílias abastadas; os pobres mal podiam arcar com o custo e tempo demandados por uma educação prolongada. Até recentemente, achava-se que este era o estado natural da educação na Suméria. Mas em 1946, Nikolaus Schneider, um escavador alemão, provou este fato com dados concretos.
Dos milhares de documentos administrativos publicados a partir de 2000 antes da nossa era, cerca de 500 pessoas escreveram seus nomes como escribas, e deram indicações sobre a ocupação de seus pais e deles mesmos.
Schneider compilou uma lista a partir destes dados, e descobriu que os pais destes escribas, ou seja, os pais dos estudantes graduados eram governadores, pais da cidade, embaixadores, administradores de templos, militares de altas patentes, cobradores de impostos, gerentes, pertencentes à marinha (frota marítima), escribas, arquivistas, contadores, etc. Em suma, os pais destes jovens estavam entre os mais ricos cidadãos das comunidades urbanas. Sabe-se que mulheres figuravam na lista de escribas profissionais da Suméria.
Mais na frente, vemos que as primeiras escolas primárias foram surgindo com o apoio da Igreja católica, onde os padres ensinavam aos seus coroinhas e estes, tornavam-se disseminadores das primeiras letras no interior das primeiras grandes vilas. Os senhores de grandes propriedades também foram grandes responsáveis pelo surgimento de novas escolas primárias, havendo até grandes acordos entre as paróquias e os fazendeiros, que promoviam a formação educacional dos lugarejos. E foram destas pequenas escolas que surgiram as grandes organizações educacionais até os dias atuais.
É possível que através desses contratos firmados entre Igreja e Estado – ainda que informal, de prestar serviços educacionais para a população, tenha nascido a idéia de colocar o Ensino Religioso na grade curricular, como foi feito aqui no Brasil quando os Jesuítas catequizaram milhares de índios, negros e descendentes de portugueses pobres. Nessa época, as salas de aulas eram dentro das paróquias e as paróquias, por sua vez, estavam localizadas numa área pertencente ou ao Estado ou a um Senhor de Engenho e dos grandes fazendeiros.
Embora a Lei de Diretrizes e bases da Educação em seu artigo 33 – Lei n° 9.394 de 20 de dezembro de 1996 com redação dada pela Lei n° 9475, de 22 de julho de 1997, declare em seu art. 33° que o ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão, nunca houve uma preocupação em preparar o professor para especializar-se para a tarefa e nunca traçou uma grande de assuntos que deveriam ser abordados durante o ano letivo.
Com essas duas brechas na lei, o ensino religioso ficou a mercê de um forte proselitismo. O professor de formação católica puxava a sardinha pra sua religião. O mesmo acontecia se o professor fosse protestante. Estamos nos referindo ao ensino público. Mas há experiências bem direcionadas no ensino particular.
Em Vitória de Santo Antão, cidade que vivi por longos anos, ao lado da Igreja Matriz de Santo Antão funciona a Escola Paroquial. Do outro lado da cidade, há uma escola protestante da Igreja Adventista. Já em Gravatá temos a Escola Batista Betânia e o Instituto Nossa Senhora de Lourdes são exemplos que forçosamente os alunos irão ver conteúdos de religião bastante específicos.
Vivemos a cultura de uma sociedade judaica-cristã, fruto de uma triste colonização. Em 31 de outubro de 1517 Martin Lutero fixou suas 95 teses na porta do palácio de Wittenberg, e em 22 de abril de 1500, dezessete anos antes, Pedro Alvares Cabral descobriu o Brasil. Portanto, o tipo de catolicismo ao qual fomos iniciados era de características medievais, ou seja, indulgente, inquisitório e intolerante.
Na constituição federal são atribuídos os exercícios sacerdotais à apenas três categorias religiosas: o Padre (sacerdote católico), o Rabino (sacerdote judaico) e o Pastor Protestante (sacerdote de confissão evangélica).
Ficam de fora as religiões não cristãs Islamismo e Budismo, desconhecendo, portanto o líder Islã (geralmente um Xeque) e o Monge Budista como sendo, respectivamente, autoridades sacerdotais em exercício no Brasil. Além deles, O Palestrante ou Conferencista Espírita e o Babalorixá, representantes do Espiritismo e Umbandismo (religiões cristãs) também estão fora da classificação de católicos e protestantes.
No entanto, dentre todas as grandes religiões e seitas reconhecidas pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – a única que nasceu no Brasil, e, portanto, selada como genuinamente brasileira, é a Umbanda que nasceu precisamente na noite de 16 de novembro de 1908, no distrito de Neves, em São Gonçalo, próximo a cidade de Niterói.
O ensino religioso nas escolas não é definido, segundo a lei federal, 9394 da LDB, se é ou não cristão, e por isso mesmo precisamos abranger o maior número possível de expressões religiosas em nossa sociedade, para garantir o direito de livre expressão de culto, sob o risco de ignorarmos tais manifestações culturais e tornar-nos este dispositivo de lei como proselitismo e intolerância religiosa, o que contraria o espírito da própria lei. Reduzir o ensino religioso às próprias convicções religiosas, à historicidade cultural ou familiar é crime de discriminação religiosa.
E é na escola que essa garantia do respeito e da tolerância deve coexistir. O professor, a meu ver, deve ser preparado para discutir todas estas tendências religiosas e garantir que não haja descriminação e hostilidade por parte de um grupo religioso majoritário.
Seja na aula de História, de Artes, de Religião ou até na aula de Português, os professores devem promover a formação de um caráter de religiosidade e não de religião. Como Educadores, precisamos fazer com que nossos alunos transcendam a sua própria visão religiosa e descubram como é bom viver em harmonia com as pessoas que estão ao seu redor, sem precisar abrir mão da própria dignidade, sem necessitar da idéia soberba de separatismo.
Todos os envolvidos da Escola, seja ela pública ou não, desde a Suméria aos dias atuais, precisaram e precisam se despenderem de suas próprias verdades e abrirem suas mentes e corações para uma visão holística, justa, respeitosa, humilde e para a possibilidade de que, mesmo sendo pobre, semi-analfabeto ou rico e letrado (contrariando Voltaire), cada ser humano possui um verdade sobre Deus, sobre Jesus, sobre Budah, sobre Maomé, sobre Kardec, sobre Lutero. E esta, deve ser rigorosamente preservada.
1 comentários:
Professor Ricardo,
Gostei do seu texto. Realmente é de grande importância que o ensino religioso nas escolas públicas do Brasil contemplem todas as tradições religiosas. Por esse motivo é vital que o professor seja licenciado em Ciencias da Religião e não um Teólogo, ou mesmo de outra área, como história ou filosofia.
Sala de aula não é lugar de fazermos catequese, mas sim ambiente de construção de saberes
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