Passei a manhã de sábado em Curitiba, tirando fotos de Santa Felicidade para mostrar ao meu amigo italiano Paolo, e voltei inteiramente imbuído de uma impressão que sempre esteve comigo mas vai ficando a cada dia mais unânime: o presente não me interessa. Não encontrei o bairro que retinha na minha memória; esse foi substituído por uma paródia grotesca, superpopulosa e arquitetonicamente catastrófica do que antes havia por lá.
Meu amigo Julian já opinou que sou obcecado pelo passado; dizer assim é recorrer a um understatement e a uma injustiça. Dito dessa forma parece que meu interesse no passado é doentio porque seu objeto é irreal, quando é na verdade o presente que carece de realidade.
O presente, senhoras e senhores, é uma afronta e uma piada. Somos a continuação medíocre, a parte 2 que o bom senso não deveria ter deixado chegar aos cinemas. Somos o capítulo mais fraquinho de uma série de ficção científica que o roteirista não tem mais criatividade ou saco para terminar. O autor deveria ter sabido parar enquanto a coisa estava fluindo, mas daí viemos nós e colocamos tudo a perder. Somos Piratas do Caribe 3: No Fim do Mundo.
Somos ficção.
Deveria ficar evidente que somos ficção, porque a realidade quando era escrita costumava ter personagens verdadeiramente encorpados e extravagantes, não a sopa rala que somos obrigados a engolir hoje. Nem a superpopulação nem a revolução da informação, que deveriam contar em nosso favor, nos ajudaram nesse sentido.
No início do século XX o mundo se arrepiava de um pólo a outro diante das idéias originais e apavorantemente contundentes de gente como Planck, Einstein, Freud e Jung - isso porque, trinta anos antes, havia Darwin e havia Marx. E hoje, que temos a benção onipresente de São Google e processadores de texto e email e iPods e webcams e edição colaborativa e wikipédia e mais livros do que leitores e software de conferências, onde estão as grandes sacadas revolucionárias e seus proponentes? Onde está o profundo conhecedor das questões deste século? Onde estão os protagonistas da história?
Sinto dizer, moçada, mas eu e você somos a terrível prova de que dessa novela não sai mais personagem que preste. O lance é o universo mudar de canal e investir nas rêmoras ou nos marcianos. Os efeitos especiais não são ruins, mas não há reviravolta que salve este último episódio.
Decidi por isso, como medida paliativa nesses últimos estertores da criação, deixar oficializado nesta nota que, no que me diz respeito, apenas o passado tem peso, coerência interna e credibilidade.
Fica então decidido que:
1. Nada que aconteceu depois de 1950 sobrevive ao mínimo critério da verossimilhança, e será devidamente ignorado (e/ou talvez ridicularizado) como história e como narrativa por mim e pelos meus seguidores;
2. Se você tem 40 anos é uma criança no sentido mais literal do termo, e receberá de mim tratamento condigno – ou seja, não me encha o saco. Volte quando tiver mais de 65, menos deslumbrado e mais na sua, e quem sabe a gente encontre do que conversar.
3. [Embora seja evidente,] registre-se que nenhuma página com menos de cinqüenta anos merece ser lida, muito menos página digital, muito menos minha.
4. Se você tem iPod, cale a boca.
5. Se você tem endereço de email, cale a boca.
6. Se você tem acesso a internet, cale a boca.
7. Se você tem iPhone ou Nintendo Wii, cale muito a boca.
8. Se você nunca leu as obras completas de Shakespeare, cale a boca.
9. Se você lê blogs, cale a boca.
10. Se você escreve blogs – putz.
11. Que os últimos 70 anos não constem nas atas.
12. Substituam-se por uma errata formal com a seguinte inscrição: “Foi mal”.
13. Revogam-se todas as disposições contemporâneas.
Quando
declarou o fim da História, Francis Fukuyama cria que havíamos no capitalismo e na democracia alcançado a Jerusalém celeste e a glória. Ignora ele que a história de fato acabou, mas pela via da mediocridade, da irrealidade e da estagnação. Atingimos nosso nível de incompetência. Somos o bloqueio do autor. Hoje é um lugar que não existe.Jorge Luís Borges
0 comentários:
Postar um comentário