Antonio Gomes da Costa Neto, o tal mestrando da UnB que, Deus do céu!, denunciou Monteiro Lobato, afirma em entrevista à Folha que ele não quer, não, censurar o autor. É que, segundo ele, “Os professores, no dia a dia, não têm o preparo teórico para trabalhar com esse tipo de livro. Então, não é que ele deva ser proibido. O que não é recomendado é a sua utilização dentro de escola pública ou privada.“
Ah, bom! É o mesmo argumento que se empregava na República Velha para tirar de milhões de brasileiros o direito de votar: eles seriam muito ignorantes para isso e fariam besteira. É o argumento que a censura empregava durante as ditaduras havidas no Brasil, seja a de Getúlio, seja a militar: falta capacidade às pessoas para discernir o bem do mal, e a exposição a material potencialmente nefasto lhes causará prejuízos. A esquerda adere aos argumentos que dizia servirem antes aos conservadores. Não é, como se nota, que ela fosse a favor da liberdade; apenas era contra a censura aplicada pelos adversários. Quando aplicada pelos aliados, tudo bem!
É um escárnio. Submete-se Monteiro Lobato a padrões, debates e proselitismos que estão postos hoje em dia, mas que não estavam dados então. É claro que não se descarta a possibilidade de um professor trabalhar em sala de aula a figura de Tia Nastácia — que, atenção!, é um dado da formação histórica, familiar, social e moral brasileira. Que seja, pois, tema de aula se for o caso. Proibir a obra ou meter nela uma tarja de “racista” é uma estupidez sem par.
Deverá agora “O Mercador de Veneza” vir com a advertência: “Cuidado! Obra anti-semita, só recomendável para quem está devidamente instruído sobre este assunto”. Ou, do mesmo Shakespeare, sobrepor à capa de “Othelo” algo assim: “Cuidado! Sugere-se que temperamento emocional e desequilibrado do protagonista pode estar relacionado à sua origem racial e mesmo à cor de sua pele”? Vai-se proibir Alexandre Herculano, em Portugal ou em qualquer lugar, ou apensar um tratado a seus livros advertindo para a possível manifestação de preconceito contra a fé islâmica? É o fundo do poço moral, a que não se chega sem uma dose cavalar de ignorância, preconceito às avessas, estupidez e, obviamente, patrulha ideológica.
Já contei aqui de um amigo articulista que foi “molestado” — sim, molestado moralmente! — porque, num artigo sobre economia, escreveu que via “nuvens negras” no horizonte. Quis saber o militante? “Nuvens negras? Como sinal de coisa ruim? Não pode! É racismo”. Desde a “Ilíada” pelo menos, de Homero, nuvens negras estão associadas a maus presságios, são prenúncios de acontecimentos aziagos — e os negros nem sequer haviam ainda entrado na história dita ocidental. Há nuvens negras em Machado de Assis, um autor… negro! Aliás, vejam vocês, esse autor também espelha em sua obra as relações sociais de seu tempo. Sem contar que, antes das tempestades, o céu costuma, efetivamente, enegrecer, não é?
Querem mandar Monteiro Lobato de volta para a cadeia, agora uma cadeia moral. Vou ver se encontro um pequeno ensaio que escrevi sobre sua obra, no tempo em que eu ainda escrevia sobre cultura — em vez de combater a “incultura” da política brasileira. Que o tal rapaz faça a sua “denúncia”, vá lá. Que um parecer bucéfalo seja aprovado por unanimidade no Ministério da Educação, aí já estamos no terreno da paranóia e da mistificação.
PS - E não me espanta que tal cretinismo tenha acontecido na gestão do ministro Fernando Haddad, este homem notoriamente incompetente, competentíssimo na arte de fingir competência. Em breve, Monteiro Lobato só poderá ser recomendando depois da leitura do livro “Emília, a boca de trapo, pede desculpas por todas as ofensas a Tia Nastácia”.
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