terça-feira, 24 de maio de 2011

Deus não tem teoria nem partícula


Por
Antônio Pavão*

“Partícula de Deus”, “descoberta da origem do universo”, “reprodução do Big Bang”, “surgimento do homem”, “brincando de Criador”, “desafio à religião”, talvez nunca tenhamos visto tantos disparates como esses publicados pela grande imprensa no anúncio da operação do acelerador de prótons do CERN.

O prejuízo é muito grande com o sensacionalismo e ignorância de certos jornalistas, ávidos por manchetes estrondosas. E a maior vítima é o público, que foi mal informado. Há todo um esforço para promover uma divulgação científica de qualidade e de repente se abre espaço para esse tipo pernicioso de jornalismo.

O novo acelerador produzirá energias da ordem de trilhões de elétron-volts, quando o Big Bang envolve energias quatrilhões de vezes maiores. Ou seja, para atingir a energia do Big Bang seria preciso aumentar o raio do acelerador a uma distância algo equivalente à distância da Terra à estrela Alfa da constelação do Centauro, a mais próxima de nós, tirando o Sol. Para chegar lá demoraríamos mais de quatro anos viajando na velocidade da luz, a 300 mil quilômetros por segundo! Esse gigante de 27 km, afundado a 100 m de profundidade na fronteira da Suiça com a França, irá desvendar a estrutura da matéria em dimensões inferiores a 0,0000000000000000001 m.

Além disso, poderá criar partículas até hoje desconhecidas e quem sabe oferecer respostas a questões que ainda nem foram formuladas. Mas isso nada tem nada a ver com o suposto Deus criador. No século XVII era comum, e alguns fazem isso até hoje, associar a pretensa “perfeição” do Universo com a existência do Criador. Mas quando o cometa Halley apareceu, quebrando a “harmonia” das órbitas “perfeitas” dos planetas no céu, foi um grande baque nessa visão deista do cosmos. Hoje sabemos que é mais simples entender o Universo partindo de uma visão de caos, ao invés de supor tal “ordem divina”.

Embora impressionante, o novo acelerador é apenas 10 vezes mais potente que o maior acelerador de prótons hoje em atividade no mundo, o Tévatron, situado no Fermilab nos EUA. Assim, mesmo lançando luz sobre a estrutura da matéria, não chegaremos ao “fim”, à menor partícula que eventualmente possa existir. Há muito caminho ainda a percorrer.

Deus, um delírio para uns, uma certeza para outros, nada tem a ver com esse colosso criador e esmagador da matéria. Portanto, devagar com o andor. Paradoxalmente, e lamentavelmente, o maior empreendimento científico construído até hoje é acompanhado da maior patacada da imprensa dos últimos tempos. É mais uma lenda criada, tipo essas tantas que correm diariamente na internet.

Sobrou para nós, divulgadores da ciência, correr atrás desse prejuízo e prosseguir nessa grande cruzada para levar informação correta, de qualidade, para o grande público. E para a imprensa responsável deveria ser mais uma lição.


*Diretor Executivo do Espaço Ciência.

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