Por José Pio Martins*
Poucos vocábulos foram tão desfigurados e desvirtuados quanto o “neoliberalismo”. Seu uso perdeu tão completamente o sentido que é melhor abandoná-lo de uma vez por todas, pois ele nada mais significa.
Essa história teve início nos séculos 17 e 18, com o liberalismo clássico, que nasceu da revolta contra a tirania dos reis e a opressão do Estado sobre o indivíduo. De forma simplificada, o liberalismo surgiu para implantar cinco princípios:
1) liberdade de profissão, de empreendimento e de comércio;
2) submissão dos reis e governantes às leis votadas pela população representada;
3) perda do direito do rei e do Estado de confiscar bens e condenar pessoas sem processo e sem o direito de defesa;
4) garantia constitucional do direito de propriedade;
5) proteção judicial aos contratos juridicamente válidos.
Esse arcabouço legal libertou os indivíduos da tutela e da opressão do Estado e criou a maior revolução econômica, científica e tecnológica da história da humanidade. O liberalismo revelara grande capacidade de aumentar a produção, mas não mostrava a mesma exuberância na erradicação da pobreza.
Coube a Karl Marx produzir as mais sofisticadas teorias para denunciar as más condições de trabalho dos operários do mundo industrial. Reconhecendo os méritos do capitalismo na arte de produzir, pensadores de esquerda reivindicaram uma face humana para o sistema, uma espécie de “neoliberalismo”. Esse vocábulo foi erigido nas hostes esquerdistas, e não pela direita como pensam muitos dos nossos políticos.
A proposta (neoliberal) era que o Estado deveria estimular e incentivar o impulso produtivo do capitalismo e extrair, do setor privado, uma fração da riqueza gerada, a fim de financiar a melhoria das condições de vida dos pobres.
Adicionalmente, o governo deveria estabelecer normas legais sobre o ambiente de trabalho e sobre as relações entre patrões e empregados. O “neoliberalismo”, que tantos xingam e condenam, era, portanto, uma bandeira da esquerda não comunista.
Com o passar do tempo, o Estado foi ampliando sua intervenção e expandiu sua presença na educação, na assistência à saúde, na previdência social e no e no seguro desemprego. A esse sistema, cujo início é atribuído a Bismarck, em 1883, na Alemanha, foi dado o nome de “socialdemocracia”.
Nem o neoliberalismo nem a social-democracia propunham que o governo substituísse a iniciativa privada nas suas funções de produzir, pois seus ideólogos sabiam que o Estado não é o melhor instrumento de produção, não tem vocação empresarial e não é um gerente eficiente.
Todavia, de minha parte não gosto muito da expressão “socialdemocracia”, porque mistura um termo de natureza política (“democracia”, que é o regime político de exercício do poder pelo povo, via representantes eleitos) com um termo de natureza econômica (“social”, que significa colocar o Estado para tributar e oferecer serviços públicos).
O nome mais adequado a esse sistema seria “social-liberalismo”, dois termos ligados à questão econômica: um vinculado à produção (liberalismo); outro vinculado à distribuição (social).
Um adendo necessário: os liberais, desde John Locke e Adam Smith, nunca defenderam a omissão governo quanto à regulação de certas atividades, sobretudo aquelas exacerbadas pela vida moderna, como o sistema financeiro e o meio ambiente.
Ocorre que, no Brasil, uma parte dos que têm voz resolveu chamar de “neoliberal” qualquer coisa que lhes pareça ruim. É o reino dos slogans, no qual o xingamento prevalece sobre o argumento e os rótulos substituem o estudo e a análise.
Pelo rumo que o mundo está tomando, talvez o sistema econômico do futuro seja exatamente o “social-liberalismo”, capaz de preservar a impetuosidade produtiva do capitalismo livre e direcionar a presença estatal para a área social e para a regulação do sistema financeiro, da proteção ao meio ambiente, das relações de trabalho e da preservação da concorrência.
*José Pio Martins
é economista e
Reitor da Universidade Positivo.