terça-feira, 13 de abril de 2010

A Escola é de Referência Porque os Alunos São de Referência ou os Alunos São de Referência Porque a Escola é de Referência?

Estudei todo o meu antigo primeiro grau numa escola do Estado, em Vitória de Santo Antão. Chamava-se Escola Polivalente José Joaquim da Silva Filho. Era um orgulho para todos nós alunos, professores, funcionários. Os alunos mais brilhantes e os abastardos, os mais simples e os mais esforçados dividiam as mesmas salas.

Era realmente uma escola diferenciada. Tínhamos além das salas de aula convencionais (onde o professor era respeitado), salas com oficinas profissionalizantes. Havia a Prática Integrada do Lar; Práticas Comerciais; Práticas Industriais e Práticas Agrícolas, sem contar com um Laboratório de Ciências super equipada com microscópios, lâminas e equipamentos outros.

Foi construída toda no estilo europeu, onde uma parte do telhado era d vidro, simulando queda de neve. As paredes eram de tijolos aparentes envernizados e não se encontrava um risco sequer nas dependências das salas que eram multifuncionais. Havia uma capela na entrada da escola onde rezávamos sempre que uma arte era cometida. As dependências eram todas de primeiro mundo. Quadras de vôlei, basquete, futebol de salão e hand boll; pistas de atletismo e salto a distância, formavam o grande completo físico da Escola.

Os professores eram um capítulo a parte. Recordo-me de uma professora contratada chamada Juliana que vinha de Recife dar aula de Educação Física porque nossa escola era “referência”. Foi por causa de uma professora, Débora, que eu resolvi me formar em Geografia. Foi por causa de uma professora, Lourdes, que Matemática deixou de ser um bicho pra mim. Foi por causa de um professor, José Edson, que eu passei a gostar de Inglês e a me interessar a aprender outra língua. Foi por causa de uma professora, Fátima, que eu despertei o gosto pela leitura, pela escrita, pela Literatura Brasileira. Foi por causa de uma professora, Lucineide, que eu aprendi que podemos desenvolver a amizade, o respeito, o carinho entre professores e alunos, tudo isso numa aula de Ciências.

Lembro-me que, quando o Polivalente fez 10 anos, eu fazia 8ª série. Passamos o ano inteiro envolvidos em uma reforma. Eu peguei em pincel, em rodo, em tinta, em vassoura, em enxada, em pá... Eu e todos os alunos das turmas da 8ª e da 7ª séries. Deixamos a escola um brinco, organizados pela empolgante professora Lulu, que nunca acertava meu nome (mas isso é uma longa história). Na 8ª série, nossa professora de Matemática era Orlene. Lembro que o pai dela estava muito doente e toda a nossa turma fez preces, se comoveu com a dor da professora. Orlene, anos mais tarde, numa conversa em sua loja de material escolar, me confessou: “Eu nunca mais encontrei uma turma como a sua”. Eu, que ensinava, respondi: “Eu espero encontrar um dia o que você encontrou no passado”.


Quantas saudades...


Se
me fizessem a pergunta que é o tema desta matéria, eu não saberia a resposta. Eu diria que eram as duas coisas. Aliás, parafraseando um pensamento lógico, diria, simplesmente: “A Recíproca é Verdadeira”.

Para mim sim. Aquela Escola era uma escola de referência! Referência de vida, de trabalho, de dedicação e amor. Não vinha citada em qualquer manual de pedagogia, não ganhava prêmio de gestão, mas conseguia produzir, em letras maiúsculas, o seu Projeto Educativo, onde ela própria fosse recheada de humanismo e de afetividade. A escola Polivalente tinha uma marca, tem um rosto, tem identidade. E olhe que não havia FUNDEF, FUNDEB, PDE, UNIDADE EXECUTORA e tantas outras verbas para a escola, nem 14º salário para os professores. Estou falando do final dos anos 80. Conclui a 8ª série em 1988.

A realidade
, 22 anos depois, é completamente adversa, embora as condições de estudo e de trabalho seja superiormente satisfatórios. Que fatores positivos justificavam o “status de referência” para a Escola Polivalente José Joaquim da Silva Filho? E o que falta hoje para as escolas não tenha mais esta realidade vivida por mim, há mais de vinte anos atrás?

Talvez as Escolas atuais não tenham um núcleo de professores com ligação afetiva com seu local de trabalho e consonante com os demais colegas de profissão;

Talvez nos falte, hoje, alunos que tenham uma despretensiosa afeição pelos seus mestres, pelo seu espaço escolar, onde a essência humana seja sempre posta a prova;

Talvez nos falte um comportamento mais coletivo que individual, tanto dos docentes quanto dos discentes, sem o timbre da solidariedade;

Talvez seja a ausência da troca e do respeito conivente entre professores e alunos, porque ensinar é um ato de cumplicidade, é uma via de mão dupla, onde cada um dar e recebe.

Talvez, por fim, a maioria esmagadora das escolas atuais seja extremamente pobríssima de orgulho próprio, de patrimônio humano, indispensáveis pela boa estruturação do ensino-aprendizagem.

Na condição de professor
, sinto falta da minha vida de aluno. A minha escola não era perfeita. Longe disso. Tínhamos insatisfações diversas. Inclusive, reclamávamos porque tínhamos seis aulas na sexta-feira, extremamente cansativas, de História com a professora Conceição. Mas nunca nos sentimos sufocados por falta de autonomia, por falta de humanismo, por falta de consideração e flexibilidade.

Como professor
, não sei mais o que podemos ser chamar de “referência”, se os alunos ou os professores. Não sei como resolver problemas que meus professores nunca enfrentaram com a minha geração. O verde e o vermelho são sinais que se confundem na maioria das escolas atuais.

Trabalho numa escola que acabou de receber o tão almejado “status de referência”, funcionando das 7 às 17 horas. No turno da noite, todos os projetos e algumas turmas de 7ª e 8ª séries ainda dividem o espaço. Se espaço físico, qualidade na equipe de professores e gestão fossem os únicos itens que dessem a referida escola o tal status, haveria certo conforto em aceitar tal definição.

Porém, eu que estou trabalhando em um lindo projeto do governo do estado, com jovens e adultos que precisam concluir o ensino médio, não estou confortável em arrotar que estou num espaço onde os alunos são a referência maior dos trabalhos desenvolvidos.

Os alunos que deveriam ser de “referência” pelas qualidades humanas e educacionais, na verdade não estão entendendo a nova proposta que lhes são oferecidas. Grandes partes dos alunos da escola de referência estão longe de ser assim tratados. Obviamente, fazendo justiça aos que querem estudar, não estamos generalizando a realidade. Há muita gente lutando para conquistarem o seu espaço, estão em busca de uma formação, de uma construção moral, cívica, humana e profissional.

Todas as noites quando entro na minha sala do Programa Travessia, encontro cadeiras quebradas e viradas, lixo, paredes riscadas com palavras de baixo calão, desenhos pornográficos, destruição dos cartazes que produzimos junto com os alunos e, agora, atos de vandalismo que culminaram com o arrombamento do meu armário. Simplesmente arrancaram uma das portas onde guardávamos nosso material. A minha sala parece que foi sacolejada por um terremoto. Mas um terremoto de gente sem educação, sem cultura e sem consciência.

Onde vamos parar? Eu não sei. Só sei que sinto saudade de um tempo lindo de se viver.

Eles não sabem que a sua escola é composta por espaços que também são como jardins, com uma enorme profusão de canteiros com plantas e flores de toda a espécie, árvores de vários tipos, incluindo árvores de fruto, plantadas ao longo dos anos por alunos, professores e funcionários. O interior das paredes deveria ser visto como um canteiro decorado com vasos de flores, onde os jardineiros seriam eles próprios, ao lado dos professores.

Tais alunos
não sabem o que é ser “referência”. Por quê? Ora, porque não vemos mais comprometimento coletivo. Somos, muitas vezes, intervenientes, carentes, tantas vezes vacilantes, tantas vezes indeterminados. Desconhecemos, ainda, esta fórmula de ser coletivo. Não temos esta identidade que defende a escola como a extensão de nossa própria casa, como incutiam meus professores dos anos 80.

Mas afinal o que é uma escola de referência?
O que são alunos de referência?

Se acredito numa escola de referência?
Claro que acredito.

Mas quem disse que não há muitas escolas de referência? São, simplesmente, Escolas em que nós, professores, não somos meros figurantes, mas desempenhamos, coletivamente, o papel de principais protagonistas ao lado dos alunos que buscam tudo aquilo que minha geração sonhou em ter e conseguiu: formação.

0 comentários:

Postar um comentário