domingo, 11 de abril de 2010

Professores brasileiros precisam aprender a ensinar

10 de Agosto de 2009
Para o economista Martin Carnoy é preciso supervisionar o que ocorre na sala de aula no Brasil; problema também afeta escola particular



"Por que alunos cubanos vão tão melhor na escola do que brasileiros e chilenos, apesar da baixa renda per capita em Cuba?"

A pergunta norteou estudo do economista Martin Carnoy, professor da Universidade Stanford, que filmou e mensurou diferenças entre atividades escolares nos três países. No Brasil, o professor encontrou despreparo para ensinar e atividades feitas pelos alunos sem controle. "Quase não há supervisão do que ocorre em classe no Brasil."

Para ele, o problema também atinge a rede particular. "Pais de escolas de elite pensam que estão dando ótima instrução aos filhos, mas fariam melhor se os colocassem em uma escola pública de classe média do Canadá." Carnoy sugere filmar o desempenho dos professores. "Não basta saber a matéria. É preciso saber como ensiná-la." Ele esteve no Brasil na semana passada para lançar o livro "A Vantagem Acadêmica de Cuba", patrocinado pela Fundação Lemann.

FOLHA - O que mais chamou a sua atenção nas aulas no Brasil?

MARTIN CARNOY - Professoras contratadas por indicação do secretário de Educação do município, que dirigem a escola e vão lá de vez em quando; 60% das crianças repetem o ano, e professoras pensam que isso é natural porque acham que as crianças simplesmente não conseguem aprender. Fiquei impressionado, o livro [didático usado na sala de aula] era difícil de ler. Precisaria ter alguém muito bom para ensinar aquelas crianças com ele. Ficaria surpreso se qualquer criança conseguisse passar [de ano]. Vi escolas na Bahia, em Mato Grosso do Sul, em São Paulo, no Rio... [entre outros].

FOLHA - Qual a metodologia do estudo?

CARNOY - Como economista, usei dados macro para explicar as diferenças entre os países nos testes de matemática e linguagem. Fizemos análises com visitas a escolas e filmamos classes de matemática e analisamos as diferenças entre as atividades em classe. Há uma grande diferença, pais cubanos têm renda baixa, mas são altamente educados, em comparação com os do Brasil. O estudo foi finalizado em 2003 e depois comparamos Costa Rica e Panamá. Na Costa Rica, há coisas engenhosas, aulas com duas horas, em que se pode realmente ensinar algo. Supervisionar a resolução de problemas de matemática e, principalmente, discutir resultados e erros. Os alunos cubanos têm aulas acadêmicas das 8h às 12h30. Depois, almoço. Voltam às 14h e ficam até as 16h30, quando têm uma sessão de TV por 40 minutos. A seguir, artes e esportes, mas com o mesmo professor.

FOLHA - Ter o mesmo professor durante quatro anos (como os cubanos) é uma vantagem?

CARNOY - Quatro anos, pelo menos. Mas os alunos não mudam de um ano para outro. No Brasil, se alunos e professores mudam muito de escola, como fazer isso? Se a ideia é tão boa, se funciona, deveríamos fazer algo para que pelo menos professores não mudassem tanto.

FOLHA - Qual a sua avaliação sobre a proposta da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo que vincula o aumento de salário à permanência do professor na mesma escola e à aprovação em testes?

CARNOY - Sugeri ao secretário Paulo Renato que acrescentasse um teste: filmar o professor, como no Chile. Professores de outra escola avaliam os videoteipes. Professores podem ser bons nos testes, mas péssimos para ensinar. Se você tiver um professor experiente que foi bem ensinado a ensinar e teve um bom desempenho com os alunos, a diferença é visível em relação a uma pessoa sem experiência, como eu. Profissionais que viram as fitas disseram que há grande diferença entre o professor cubano e o brasileiro.

FOLHA - A Secretaria da Educação pretende oferecer curso de treinamento de professores de quatro meses. Em Cuba, dura 18 meses, para o nível médio. O que é importante num treinamento?

CARNOY - [Em Cuba] São oito meses para a escola fundamental. Mas são para os professores que não foram à faculdade. Você deve se lembrar que houve escassez de professores, com o incremento do turismo, que atrai pelo pagamento em dólares. Tiveram de produzir muitos professores, muito rapidamente. Então, pegaram os melhores estudantes do ensino médio e lhes ofereceram cinco anos de universidade nos finais de semana. O que é importante nesses cursos de treinamento é ensinar como dar o currículo, como ensinar matemática. O Estado deve estabelecer padrões claros, como na Califórnia. Isso é o que tem de ser ensinado em matemática no terceiro ano. No Chile, há um currículo nacional, mas não ensinam aos estudantes de pedagogia como ensinar o currículo.

FOLHA - O sr. dá muita importância ao diretor...

CARNOY - E também à supervisora, que em muitas escolas no Brasil não fazem nada, não entram em sala. Em Cuba, diretores e vice-diretores ou supervisoras assistem às aulas. Nos primeiros três anos de serviços de um professor, eles entram muito, ao menos duas vezes por semana. São tutores que asseguraram que a instrução siga o método e o nível requeridos pelos padrões estabelecidos.

FOLHA - Os bônus a professores, como ocorre no Estado de São Paulo, são um bom caminho?

CARNOY - Não há boas evidências de que esse sistema de estímulo funciona. O modelo usado em São Paulo, em que todos os professores ganham mais dinheiro se a escola atingir a meta, pode funcionar. Tentaram isso na Carolina do Sul, no final dos anos 80. Foi um grande sucesso por poucos anos e, depois, deixou de sê-lo porque não houve mais melhora. Eles só atingiram um certo limite e não conseguiram mais progredir. Há o efeito inicial do esforço e depois, quando as pessoas têm que saber melhor como aprimorar o desempenho dos alunos, nada acontece. E não existe mais na Carolina do Sul. O que tem sido feito, em geral, nos EUA não é bônus, mas punição. Se a escola fracassa em atingir a sua meta em três anos, como na Flórida, os estudantes podem receber vouchers e frequentar escolas particulares, em vez de públicas. A forma como estão fazendo em São Paulo não é a melhor. Eles medem neste ano como a segunda série aprende e, no próximo, quanto a segunda série aprende. Mas não os mesmos alunos. Escolas pequenas têm mais chance de receber bônus do que grandes. Se a escola cai, não há punição. Só não recebe bônus. Não estou defendendo punição, só digo que eles [bônus] são mal mensurados. Você pode fazer como em São Paulo, mas não dar bônus todo ano, e sim a cada dois anos. E aí poderá ver o que se ganhou com os alunos que se mantiveram na escola e ter as médias, mas com as mesmas crianças através das séries. O problema da falta de professores é mais grave porque é sobretudo um absenteísmo autorizado, não é ilegal. Em Cuba, professores e alunos faltam pouco. É tudo controlado.

FOLHA - Melhorar o ensino público provocaria uma avanço na educação como um todo, inclusive nas escolas particulares?

CARNOY - Pais de escolas de elite pensam que estão dando ótima instrução aos filhos, mas fariam melhor se os colocassem em uma escola pública de classe média do Canadá. Mesmo os melhores docentes brasileiros são menos treinados do que os de Taiwan. Os melhores professores no Brasil têm em média desempenho abaixo da média do professorado de países desenvolvidos. Investir e melhorar a escola pública, que é a base de comparação dos pais, elevaria o resultado das melhores escolas particulares também. Professores são bons em pedagogia, mas não no conhecimento a ser ensinado. Não treinam muito matemática e não sabem como ensiná-la.

FOLHA - O que do modelo cubano não pode ser transposto considerando que Cuba vive sob ditadura?

CARNOY - Há, de fato, uma falta de criatividade [no ensino]. Não se pode questionar, ser contra a Revolução. Mas as crianças sabem que estão aprendendo o esperado. São bons em matemática, sabem ler bem e aprendem muita ciência, mesmo nas escolas rurais ou de bairros urbanos de baixa renda. O Brasil tem a capacidade de enfrentar esses problemas [ter crianças bem nutridas, com bom atendimento médico]. Por que em uma sociedade com uma renda per capita que não é tão baixa não se faz isso? Acho que tem de ser construído um sistema de supervisão, com pessoas capazes de ensinar e treinar novos professores a ensinar. Os professores no Brasil estudam muito linhas de pedagogia e menos como ensinar. Podem esquecer tudo aquilo de Paulo Freire, um amigo. Devem ler sua obra como exercício intelectual, mas queremos que professores saibam ensinar.

FOLHA - Não é possível conciliar na América Latina bom ensino com autonomia, democracia?

CARNOY - A melhor escola é a que tem professores com democracia. Mas temos de ter um acordo de quais são os nossos objetivos. Tony Alvarado é um supervisor em Manhatan que trocou metade dos professores e dos diretores para melhorar a qualidade das escolas. Ele disse aos professores: "Este é o programa. Vão implementá-lo comigo ou não? Têm uma semana para pensar. Se não quiserem, são livres para sair".

FOLHA - No Brasil seria mais difícil...

CARNOY - Seria muito mais fácil! Um quarto do professorado muda de escola todo ano! Em Nova York, não se demitiu. Alvarado mandou-os para outros bairros. Precisa, no início, de um certo autoritarismo. Porque alguém tem de dizer o que fazer no início. E depois, sim, há uma democracia. Os diretores devem se preocupar com os direitos das crianças. Em Cuba, é o Estado. Aqui, os sindicatos de professores preocupam-se com os direitos dos associados - e estão em certos em fazê-lo. Mas e as pobres crianças que não têm sindicatos para defender seus direitos à educação?

Frases

Mesmo os melhores docentes brasileiros são menos capacitados do que os docentes de Taiwan

Um dos problemas mais graves no Brasil é o absenteísmo do docente. E pior, o absenteísmo autorizado

Leia a reportagem publicada no Portal da CGC Educação (07.08.2009), por Fábio Galvão

Recrutamento dos melhores alunos para o magistério, supervisão dos professores, além de saúde e boa alimentação, são as repostas, diz o professor da Universidade de Stanford Martin Carnoy, autor do livro "A vantagem acadêmica de Cuba"

Polêmico, o autor do livro "A vantagem acadêmica de Cuba" defendeu um controle maior do Estado sobre a educação pública, criticou os sindicatos brasileiros e as universidades e condenou o sistema de pagamento de prêmio em dinheiro por mérito para professores, sistema que vem ganhado força no Brasil.

O livro, recentemente lançando em português com apoio da Fundação Lemann, é resultado de um estudo realizado em 2007 para tentar entender porque os alunos de Cuba tiram notas muito mais altas em matemática e linguagens nos testes internacionais na comparação com os demais países da América Latina. Carnoy visitou escolas e filmou aulas de matemática da 3ª série no Brasil, Cuba e Chile.

Embora ressalte a ineficiência da economia cubana e seu governo autoritário, o professor de Educação e Economia diz que Cuba tem três lições básicas que podem e devem ser aprendidas pelas autoridades brasileiras: o recrutamento dos melhores alunos do ensino médio para o magistério e sua excelente formação; saúde e boa alimentação das crianças; e um sistema de tutoria e supervisão dos professores, com ênfase na melhoria da instrução. "Em Cuba, a educação e saúde são prioridades absolutas. Tanto as crianças quanto os pais delas são mais educados que nos demais países", afirmou.

Carnoy destacou que o sistema de ensino cubano é altamente centralizado e controlado, com um currículo mais aprofundado e com menos conteúdo. No Brasil, disse ele, a educação pública é muito descentralizada, com pouco controle sobre o que acontece na sala de aula. "Em Cuba, os alunos passam quatros horas aprendendo, com exercícios individuais. Os alunos aprendem com seus próprios erros. Os diretores das escolas são líderes instrucionais e as professoras são como uma segunda mãe. No Brasil, a aula é muito expositiva e os alunos passam grande parte do tempo copiando ou trabalhando em grupos", compara Carnoy.

Ele frisou ainda que, ao contrário do Brasil, em Cuba as escolas urbanas e rurais são praticamente iguais e os alunos aprendem as mesmas disciplinas. A questão da violência em Cuba é quase residual, enquanto no Brasil é uma das grandes preocupações dos professores. "Violência, saúde e condições precárias podem significar baixos níveis de aprendizado", disse.

Controle suave e absenteísmo autorizado


O professor da Universidade de Stanford criticou os cursos de formação de professores no Brasil e chegou a defender um "controle suave" das universidades. "No Brasil, os cursos ensinam a pedagogia geral, não a pedagogia do ensino. O professor aprende matemática, mas não aprende a ensinar matemática", sustentou.

Carnoy defendeu métodos de avaliação dos professores, assim como da própria escola. "Nós temos que avaliar o progresso do aluno, do professor e da escola", disse, ao lembrar que em Stanford os professores são avaliados também pelos próprios alunos. Em Cuba, afirmou, os professores são formados para garantir um currículo nacional. "Há mais supervisão e os supervisores são claros sobre o que o é o currículo e como os professores devem ensiná-lo da maneira eficaz", relatou.

Ele fez duras críticas ao que chamou de "absenteísmo autorizado" dos professores que impera no Brasil. "Os sindicatos dos professores deveriam defender os interesses dos alunos e não os seus próprios interesses", criticou. No entanto, ele reconhece que os gestores precisam dialogar com os sindicatos, caso contrário quem acabará perdendo é o aluno.


Bônus e prostitutas

Questionado sobre a política de bônus por mérito que vem ganhando força no Brasil, Martin Carnoy admitiu que uma boa remuneração para o professor é essencial para melhorar a qualidade da educação, mas tem dúvidas sobre se o prêmio em dinheiro é a melhor solução. "Este tipo de premiação não dever ser no nível do professor, nem deve ser pago todo ano", afirmou. Ele acredita que a avaliação não deve servir nem para punir, nem para premiar. É apenas mais um instrumento para orientar a instrução. O perigo, na opinião dele, que é o ensino acabe sendo direcionado apenas para o teste. "Os testes não medem tudo", afirmou.

O professor norte-americano teme que este tipo de política pública provoque uma escolha seletiva. "Um professor, por exemplo, pode pressionar para que os piores alunos saiam da sua classe. Ou um diretor pode colocar os maus alunos na classe de um professor que ele não goste", disse.

Carnoy alertou ainda para um fenômeno perigoso que está acontecendo em Cuba com a expansão do turismo. "Como os salários variam pouco em Cuba, a contratação para a docência de pessoas bens instruídas não é um problema, mas hoje é possível encontrar prostitutas, camareiras e taxistas ganhando mais que muitos professores", relatou.

Questionado se um maior controle do Estado não poderia comprometer a democracia, Martin Carnoy admitiu os riscos, mas retrucou. "Democracia para quem?". Na opinião dele, só há democracia política com democracia econômica. Ele culpou o sistema brasileiro pela má qualidade da educação ao constatar que as melhores universidades são freqüentadas pelos mais ricos, enquanto os mais pobres estudam nas piores universidades. "Educação de qualidade custa caro. Se você quer uma educação de qualidade, tem que pagar ", disse.

fonte: Folha de São Paulo (10.08.2009)
Maria Cristina Frias e Roberta Bencini

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