Por
Onaide Schwartz Mendonça*
Até por volta da década de 70 ser professor estava no topo da lista de profissões. Os salários da rede pública eram atraentes de tal forma que docentes bem preparados disputavam as vagas, imperava o respeito e o estudo nas salas de aulas visto que a conquista do ensino superior era a principal forma de ascensão social. A escola pública era de qualidade e as particulares surgiram para atender aqueles alunos que não conseguiam acompanhar o ritmo da pública.
Na “democratização do ensino” no Brasil ao mesmo tempo em que escolas foram construídas e houve uma ampliação significativa do número de vagas para as camadas populares, a qualidade do ensino oferecido decaiu. Quantidade não foi sinônimo de qualidade, pois muitos cursos de formação de professores foram criados para atender à nova demanda, porém a formação dos profissionais deixou a desejar. Hoje a maioria dos cursos de formação não tem sequer uma disciplina sobre alfabetização que é base do ensino.
É preciso considerar que ao longo dos últimos 35 anos a escola tem passado por mudanças. Para disfarçar o fracasso de 50% dos alunos em alfabetização no início da década de 80 foi criado o Ciclo Básico. Os alunos deixaram de ser reprovados no 1° para serem reprovados no 2° ano. Com o passar do tempo a escola percebeu que a medida não era eficaz para manipular os dados do fracasso e então foi criada a progressão continuada que logo se transformou em progressão automática.
A propósito, a recente medida que cria o ciclo de alfabetização nos três primeiros anos do Ensino Fundamental, aprovada pelo MEC, onde a tão criticada aprovação automática é mantida, reincide nos erros que causaram o fracasso escolar atual.
Essas medidas consideram o aluno como o “coitadinho” que não aprende por ter “deficiências” e precisa ter sua educação “facilitada”. A escola não tomou consciência de que o aluno não aprende, salvo raras exceções, porque ela própria não consegue ensinar de forma adequada. Equívocos como esses levam o ensino público ao fracasso, banalizam a escola e desprestigiam o exercício do magistério impedindo o desenvolvimento pleno do país.
A criação de ciclos de 2, 3 ou mais anos não vai garantir a alfabetização dos alunos, pois para resolver o problema é preciso a utilização de metodologia adequada, já publicada no país, capaz de alfabetizar em um ano todas as crianças de classes comuns. Porém, os agentes de políticas educacionais ignoram tais conhecimentos elaborados pela Universidade.
Na última formatura do curso de Pedagogia, Faculdade de Ciências e Tecnologia da Unesp, Presidente Prudente, encontramos alunas que se formaram há dois anos e ouvimos relatos estarrecedores sobre suas experiências como professoras. Afirmaram que a formação recebida na Universidade foi ótima, pois foram aprovadas em concursos públicos, na sala de aula conseguiram ensinar os alunos das camadas populares, porém não perderam a primeira oportunidade de sair do magistério e ingressar na área de segurança pública, pois segundo uma delas:
“Além do salário ser muito melhor, ainda há o detalhe de que é mil vezes mais fácil cuidar de assassinos nos presídios do que trabalhar com crianças que vêm para a escola sem a menor educação, xingam e batem na gente, não tem limites, mandam a professora tomar “não sei onde” toda hora, parece que os pais não ensinam nenhuma forma de respeito pelas pessoas. Deus me livre! Não há amor pela profissão que aguente! Tive pena de deixar as crianças, porque sei que vou fazer falta para elas, eu gostava muito delas. Até as mães vinham me procurar dizendo que não entendiam como os filhos tinham aprendido a ler e escrever tão bem comigo…”
Esse depoimento nos ajuda a compreender melhor a falta de interesse pela docência. Assim, a sociedade assiste, perplexa, à falência da escola pública e do magistério. Não é por acaso que pesquisa da Fundação Carlos Chagas mostrou que apenas 2% dos 1501 entrevistados querem ser professor. Os salários pagos são ridículos! No estado de SP, um professor graduado em matemática, com dezenove anos de magistério, 3 especializações, portador do título de Mestre por universidade pública recebe cerca de R$1.000,00 líquidos por 30 aulas semanais, ou seja, o equivalente ao salário de servente de pedreiro.
Não é à toa que hoje faltam professores formados em áreas específicas como física, química, matemática para dar aulas no 2° ciclo do Ensino Fundamental e Médio e a conseqüência é a de que pessoas sem a formação devida têm assumido as salas de aula. Nessas condições não é possível existir uma escola de qualidade. Portanto, providências urgentes precisam ser tomadas para que tenhamos profissionais capacitados nas salas de aula e a escola pública resgatada na busca de uma educação de qualidade.
Onaide Schwartz Mendonça, doutora em Letras/Lingüística, professora do Departamento de Educação e Coordenadora do Curso de Pedagogia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Unesp, Câmpus de Presidente Prudente. Alfabetizou durante 10 anos no Ensino Público.
E-mail: onaide@fct.unesp.br
A “Veja” desta semana (edição impressa) revela algo preocupante: apenas 2% dos estudantes brasileiros cogitam a possibilidade de serem professores. Foi isso que revelou uma pesquisa feita pela Fundação Carlos Chagas a pedido da Fundação Victor Civita.
Observe bem: esses 2% não decidiram. Repetindo, eles apenas cogitam a possibilidade de ingressarem no magistério. E ainda assim, os estudantes ouvidos afirmam que seguiriam a profissão como única opção para entrarem no ensino superior e não por gostarem da carreira.
Mas não é apenas isso que preocupa. Esses pouquíssimos estudantes que pensam em ser professores receberam as piores notas do boletim. Tantos números negativos revelam os profissionais docentes que as escolas terão no futuro e a continuação da desvalorização do professor diante da sociedade e dos governantes.
Embora nos surpreendamos, o que a “Veja” fez (ao lado da Carlos Chagas e da Fundação Victor Civita) foi traduzir em números uma triste realidade educacional que está evidente há muito tempo.
O Jornal da Record, a partir de hoje, exibirá uma série que discute essa triste realidade. Recomendamos acompanhar. É mais uma forma de nós discutirmos a situação da Educação no Brasil.
Muitas vezes nossas posições neste blog é criticada e vista como radical, como intransigente e exageradamente dura, quando o assunto é avaliar as condições de trabalho, de salário, de relações interpessoais, da estrutura funcional das escolas, do sistema público, em todos os níveis.
No entanto, o que buscamos é ter um olhar mais apurado da realidade como um todo, incluindo, inclusive, a nossa própria postura, que nunca se autodenominou "perfeita" ou se disse "a melhor" prática pedagógica. Longe disso. Nossos equívocos são muitos, mas, a nossa vontade de acertar, o desejo de colaborar, e, acima de tudo, o amor pela profissão é muito maior em nossas intenções.
A pesquisa aponta para questões que levantamos sempre em nossos textos e conversas em capacitações e encontros. O que sempre me chama atenção é falta de interesse em se fazer o que é preciso fazer, a partir das coisas mais simplórias e básicas no sistema educacional.
Jamais apontei o salário como principal vilão do fracasso que vivemos, nem quando iniciei a profissão em 1995. Por outro lado, a profissão está repleta de pessoas que apenas enxergaram no magistério uma forma mais rápida e fácil de se ter estabilidade profissional, mas que poucos fazem da educação uma causa, um ideal e não uma simples forma de ter segurança financeira.
Recentemente soube que o MEC está estudando a aplicação de uma avaliação que servirá de base para medir a capacidade funcional dos postulantes a professor, bem como saber como anda a vida profissional dos regentes. É muito parecido com o sistema do atual do ENEM. Resta saber se os estados e municípios usarão como meio de acesso ao serviço público. Acho uma ótima idéia, apesar de não acreditar em provas como esta. Mas creio que será possivel corrigir as distorções atuais. Se não acentuar a estatística trazida nos dois textos acima, esta prova pode nos ajudar a trazer de volta o respeito pela profissão, cada vez mais distante da realidade cruel que vivemos dentro das escolas brasileiras.
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