segunda-feira, 10 de novembro de 2008

A MÚSICA E A EDUCAÇÃO NA POLÍTICA

Geraldo Vandré


Canção da Despedida

Já vou embora, mas sei que vou voltar
Amor não chora, se eu volto é pra ficar
Amor não chora, que a hora é de deixar
O amor de agora, pra sempre ele ficar

Eu quis ficar aqui, mas não podia
O meu caminho a ti, não conduzia
Um rei mal coroado,
Não queria
O amor em seu reinado
Pois sabia
Não ia ser amado

Amor não chora, eu volto um dia
O rei velho e cansado já morria
Perdido em seu reinado
Sem Maria
Quando eu me despedia
No meu canto lhe dizia.

Geraldo Azevedo e Geraldo Vandré



Em uma entrevista cedida a um jornalista no ano de 2000, Geraldo Vandré diz que jamais foi cantor de protesto, mas, um cantor erudito. Questionado na mesma questão, quando o jornalista lembra que duas das canções – Pra não dizer que falei das flores e Canção da Despedida – tem um tom de protesto, ele diz que nunca foi bem entendido...


Se é ou se não é, se foi ou se não foi, eu, e creio que 99 em cada 100 brasileiros, acredito verdadeiramente que esta canção que selecionei acima, tem um tom muito claro de que existe um grau de protesto político contra o regime militar vivido pelo Brasil justamente na época que Vandré lançou a música.

Como eu gostaria de escrever, mesmo que fosse pra negar a sua intenção, uma canção tão carregada de revolta e tão encharcada de poesia, nos dias de hoje. Quem se envolveu nas últimas eleições municipais, como eu, sabe bem que associação pode-se fazer entre o contexto da música de Vandré e os dias atuais.

Não há como não remontar os anos negros da ditadura militar no Brasil, a partir do golpe de 64. Minha mãe tinha apenas seis anos de idade quando se iniciou o processo ditatorial brasileiro. Portanto, não tenho noção alguma do que podem ter sido aqueles anos, a não ser pelos relatos dos livros e de pessoas que viveram e sobreviveram àquela situação única. Livros, eu li muitos. Aos montes. Mas nada como um testemunho vivo para se sentir na pele a vergonha que se tem desta página da história do Brasil. E eu vivi tal experiência.

Fui militante da JOC – Juventude Operária Cristã, entre os anos de 1990 e 1998, através da qual viajei mundo e fundos conhecendo as dificuldades da juventude trabalhadora brasileira, levando a dupla missão que constituiu e continua a constituir a finalidade da JOC: a libertação dos jovens trabalhadores e trabalhadoras; ser testemunha da presença libertadora de Jesus e do projeto de Jesus Cristo no seio da classe operária.


Apenas para situar nos situarmos:


A JOC nasceu na Bélgica em 1925 pela iniciativa dum jovem padre, Joseph Cardijn e de um grupo de jovens trabalhadores e trabalhadoras. Nasceu para dar resposta à situação de sofrimento e exploração vivida pelos jovens operários e à necessidade da Igreja os entender e organizar. No Brasil, registra-se no ano de 1933, os surgimentos dos primeiros grupos de JOC nos principais centros industriais do Brasil: Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo. Em 1938 é criado o Secretaria Nacional da JOC para promover a difusão do movimento pelo território nacional. Este ano a JOC está completando oficialmente 60 anos de luta.


E foi nesse ínterim de militância que me situei no movimento por maravilhosos oito anos. A JOC me proporcionou muitos momentos de aprendizado inestimável. Um deles foi justamente quando, em Minas Gerais, conheci um militante que havia sido preso e torturado pelos militares em 1965. Quero chamá-lo apenas de João.


João contou-nos o que viveu durantes quase 60 dias de prisão e torturas das mais cruéis. Lembro-me que todos choraram ao final de cada cena contada por ele. Havia momentos que sentíamos desejo de está ao lado dele, quando ele nos contou do dia em o movimento resolveu colocar armas nas mãos para se defender. Todos nós nos arrepiamos quando João relatou que estava dentro da sede da JOC quando quatro militares invadiram e prenderam-no debaixo de socos e pontapés.

Ao final daquele relato vivo, não havia nem glória, nem havia total tristeza. Apenas um misto de alívio e de superação nos olhos de João. Ele carregava consigo as lembranças do que foram aqueles anos obscuros. Nós entendemos que havia muito por se fazer em prol da permanência da democracia. Tínhamos gratidão total ao companheiro João.

Vendo-me hoje e vendo tudo que tem vivido as pessoas que tiveram a coragem de não concordarem com o lema “mudar pra quê, pra que mudar?”, eu olho para estas páginas horrendas do Brasil e sucumbe-me a dor de imaginar que todos nós estamos passando pelos mesmos sofrimentos intelectuais e morais que enfrentou João.

E eu não preciso ter vivido o que João viveu pra saber que toda ditadura é uma ameaça à construção histórica, porque é uma ameaça à memória dos vencidos, dos opositores, cujos testemunhos se desbotam e se perdem, sufocados, sem ter para meios para propagar-se.

Encontrei há pouco tempo atrás, numa página da internet uma matéria da Revista Seleções, logo após o golpe, exibia como título "A nação que salvou a si mesma", e oferecia um pôster com o seguinte slogan: "Verde-amarelo, sem foice nem martelo". Não sei se a nação se salvou e nem sei se a “foice e o martelo” seriam a pior das opções para o Brasil em dias como os nossos. Sei que apesar de tudo, vale observar que foi naquela época que foram instituídos a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB, 1961), a Assistência Social - Escolar, o Código Sanitário, o Estatuto do Trabalhador Rural (1963), o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade, 1962), a Superintendência Nacional do Abastecimento (Sunab, 1963) e outros instrumentos democráticos.

O país estava paralisado por causa dos ataques contra os princípios democráticos? Claro que não. Este era um dos argumentos usados pelos conservadores para instaurar a crise política e aterrorizar a população com a ameaça do comunismo e da "baderna". Não, não estava. Pelo contrário: uma ampla agenda de reformas democráticas vinha sendo conduzida por pessoas que não se curvavam diante do rei mal coroado que não queria o amor em seu reinado.

A ditadura brasileira foi desmobilizadora. Os militares entendiam que a ideologia só atrapalhava. Apesar de algum apelo retórico (do tipo "Brasil, Ame-o ou deixe-o"), não houve um esforço de mobilizar, de organizar a sociedade civil. Esta foi uma contradição que minou a ditadura. O modelo adotado propiciou uma sociedade civil cada vez mais organizada e plural, que o governo teve que tolerar, não pôde absorver. Na década de 70, cresceu a organização do associativismo, do sindicalismo, das associações de moradores. A sociedade estava se redemocratizando de baixo para cima. É como o mito da fênix.


Suely Souza de Almeida, Decana do Centro de Filosofia e Ciência Humanas (CFCH) da UFRJ, identifica as "ditaduras" a que somos submetidos ainda hoje: "Lutamos contra outras formas de ditadura: a do grande capital, do trabalho escravo, dos mecanismos discriminatórios, da efemeridade dos projetos sociais".


Eu completaria a idéia de Suely dizendo que enfrentamos muitas outras formas contemporâneas de ditadura, como por exemplo, a de não sermos professores livres para escolhermos nossos representantes políticos no município sem medo de represálias.

Onde já se viu proibir professor de entrar em espaço público (escola municipal) para tratar de assuntos pessoais com outro colega de profissão, a não ser em regimes ditatoriais?


Onde já se viu coibir que no espaço público (escola municipal) a presença de um amigo jornalista, em caráter amigável, que não seja em formas de governo fascista?


Será que não estamos saindo do caminho construído nos últimos 40 anos, que é a democracia? Como venceremos estes resquícios de ditadura e quando sufocaremos as ações fascistas se professores se desconhecem na ciranda do poder?


Aloísio Teixeira já dizia: “A vitória da democracia resulta de esforço cotidiano”. Poucos querem perceber que as ações, principalmente da democracia dentro dos ciclos educacionais, exige de cada professor e de cada educador um esforço hercúleo diário para que os subterfúgios politiqueiros acima citados, não ganhem proporções ainda mais disseminadas.

Parece que após quase 20 anos de democracia, nossa Educação ainda não é democrática. Se aceitamos a Educação como o principal pilar de qualquer democracia que se preze, chegamos à triste constatação de que não conhecemos a verdadeira cidadania. Dizem melhor as palavras de Anísio Teixeira:

“Só existirá democracia no Brasil no dia em que se montar no país a máquina que prepara as democracias. Essa máquina é a da escola pública”.

“Amor não chora. Eu volto um dia”...

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