Era Novembro do ano de 1987 - e eu ainda com espinhas a enfeitar meu rosto franzino, cabelos longos ao desalinho, calças jeans bem folgadas cheias de desenhos a base de tinta acrilex, camisa preta com uma guitarra pintada à mão, um monte de ligas de borracha no punho e um tênis Olimpikus recém presenteado por minha avó - ganhava um LP do grupo Legião Urbana da primeira namorada.
Eu já possuía fitas K7 de várias banda como The Smiths, REM, Led Zeppelin, Queen, Lulu Santos, Léo Jaime, Lobão, RPM, Pink Floyd e Guns N’Roses. Ouvia na Rádio Cidade Recife coisas como Joe Cocker, Jane Joplin, The Cure, U2, The Police, Paralamas do Sucesso, Kid Abelha e Os Abóboras Selvagens, Barão Vermelho, Ultraje a Rigor, Titãs, Ira, Engenheiros do Hawaii, Nenhum de Nós, Capital Inicial, Biquíni Cavadão, The Beatles e um tal de Elvis Presley que eu só conhecia pela fama de Rei do Rock.
Recordo que nosso bairro era um lugar pacato. Mal se ouvia uma discussão entre visinhos. Tínhamos o hábito de sentar na calçada da minha casa até altas horas da madrugada, para ouvir as fitas K7 que cada um trazia de casa. Enquanto meninos e meninas de outras ruas circulavam ou jogavam bola na Rua 27, minha turma escrevia poesia, cantava aos berros as letras de legião e Engenheiros, os casais de namorados davam beijos escondidos dos mais velhos. Assim passamos boa parte das noites de nossa feliz adolescência.
A música sempre foi minha companheira. E o rock era o ritmo que movia meu desejo de escrever, de cantar e de dançar no quintal da minha casa, no bairro da Bela Vista em Vitória. Todos os finais de tarde eu ouvia na Rádio Cidade o programa Toque de Amor, com Raudney Santos.
No final do programa ele sempre traduzia uma canção em inglês. Era indispensável pra eu copiar, gravar e escrever as músicas traduzidas a ponto de decorar diversas delas, depois de estudar a forma certa de pronunciar cada palavra. E o rock sempre trazia uma canção marcante.
Lembro que eu chorei ao conhecer a tradução da música de Elvis Presley “Always on my mind”. Era possível, para mim, sentir a força do desespero daquele que havia sido um ícone, mas um homem completamente infeliz pelos erros com a mulher amada.
Nessa época, confesso, eu era meio sádico, ou melhor, masoquista. Alimentava um amor platônico e afundava minhas emoções e minha auto-estima ao som do rock da Legião Urbana, especialmente. Foi o tom da revolução musical do Brasil nos anos 80, até os dias atuais. Sentia prazer em chorar escondido no meu quarto, cantando versos como: “Me fiz em mil pedaços pra você juntar e queria sempre achar explicação pro que eu sentia; como um anjo caído fez questão de esquecer que mentir pra si mesmo é sempre a pior mentira. Mas não mais tão criança a ponto de saber tudo”.
Mesmo adolescente não havia em minha personalidade a costumeira revolta da idade. Eu passei pela fase de conflitos e questionamentos de forma muito harmoniosa, sem brigas com minha família, sem atitudes extremas, sem deslizes nos estudos. E devo dizer que a música, o rock, me fazia parar e deslizar diante de tanta adversidade natural da minha própria evolução como pessoa, como homem. Mesmo na dor, havia esperanças de dias futuros repletos de sorrisos.
Os roqueiros dessa época não eram meus heróis, nem meus ídolos. Essa também era uma preocupação minha, interior, de não me deixar levar pela idolatria. Muitos amigos meus colocaram cigarros na boca, experimentaram bebidas alcoólicas e, alguns, enveredaram para drogas ilícitas. Alguns sabiam tocar instrumentos, falavam inglês, tinham posses, beleza e assédios e tinham pigmeus morais dentro deles como ídolos que serviam de modelo. Tenho orgulho em dizer que sempre fui careta e até paguei o preço de perder amizades estimadas por não desfrutar das mesmas aventuras.
Eu sempre costumo dizer que nasci em época errada, por uma série de motivos. E um destes motivos se refere justamente ao gosto musical, a minha memória musical que considero privilegiada. Ficou em mim muitas impressões musicais dos meus tios e da minha mãe. Aprendi desde cedo a gostar do brega dos Pholhas, dos Trepidantes, do Grupo Alcano, de Renato e seus Blue Caps, dos The Fivers, de Jessé, de Reginaldo Rossi, de Secos e Molhados, de João Gilberto, de Caetano e Gil, da Gal e da Betânia, de Ney Matogrosso, de Roni Von, de Altemar Dutra e Nelson Gonçalves, de Jerry Adriani, de Katia, de Cladia Teles, de Vanusa e Antônio Marcos, de Ovelha, de Leonardo Sulivan, de Marquinhos Moura, de Marcos Sabino, de Biafra, de Jorge Bem, Rita Lee, de Wanderley Cardoso e do Rei Roberto Carlos, além de tantos outros que formaram o meu eclético gosto musical, sempre recheado e aguçado pelo Rock n Roll.
Nestas minhas memórias, muitas coisas estão ocultas do mundo. Nestas minhas lembranças musicais, muitas canções estão bem aqui, dentro do meu peito e da minha mente, prontas para serem ativadas como num megatrom de sentimentos e recordações, sem rebeldia, mas com coragem; sem gritos e alardes, mas com tonalidade e suavidade...
O mundo inteiro hoje comemora 25 anos do DIA MUNDIAL DO ROCK. . O Live Aid, concerto beneficente organizado por Bob Geldof em 1985, foi o evento escolhido para servir de marco para o gênero musical popular que nasceu, na verdade, na década de 1950.
O disco de Bill Haley and His Comets, “Rock Around the Clock”, lançado em compacto no dia 12 de abril de 1954 é considerado a primeira gravação de rock and roll da história. O gênero dançante se originava de uma aceleração do rhythm and blues com toques de folk music. Nessa época, o cenário pós-guerra na Europa e nos Estados Unidos suscitava na juventude uma urgência sem igual. Era preciso viver o hoje como se não houvesse amanhã, pois a qualquer momento, uma terceira e fatal guerra poderia eclodir.
A dança erotizada e esquizofrênica do rock and roll contaminou milhões de adolescentes na América e desencadeou o surgimento de grandes “estrelas”. Era o nascimento da indústria cultural! Chuck Berry lançou uma penca enorme de canções de dois minutos com temas e riffs repetidos. Little Richard introduziu a popularidade do piano e antecipou o movimento que bombaria dali a vinte anos, o glamorous ou glam rock. Jerry Lee Lewis preferia as menininhas e, auto proclamado a “fera do rock”, acabou casando com uma prima de treze anos. E muitos outros vieram: Chubby Checker, Gene Vincent, Fats Domino, Carl Perkins, e finalmente, o “rei”: Elvis Presley, the pélvis!
Apadrinhado por um coronel, Elvis era o ídolo americano. Amoroso com a mãe, servente à pátria, bonitão, tingia os cabelos louros de preto para não ficar tão distante do universo blueseiro que o inspirava. A despeito da tez macia de Presley, o rock cinquentista abriu as portas para ídolos e sex symbols negros, Chucky Berry talvez tenha sido o maior deles.
Uma imagem pouco usual de Elvis louro nos anos 1950
Mas o primeiro compacto de Elvis, “That’s All Right Mama” foi o que encantou um menino órfão de mãe no outro lado do Atlântico. Paul McCartney se juntou a John Lennon por saber tocar e cantar todo a extensa letra de “Twenty Flight Rock”, de Eddie Cochran. Os Beatles vieram de Liverpool, cidade portuária empobrecida pela guerra, para a swinguing London, trazendo consigo gente como os selvagens Rolling Stones, mais tarde o Pink Floyd e o The Move com verdadeiras peças musicais de dez minutos.
No lado americano, o líder dos Beach Boys, pai do surf rock, já tinha embasbacado até os Beatles com o disco “Pet Sounds” e o compacto “Good Vibrations”, e já estava pirado de vez na batatinha. Jimi Hendrix, com uma pequena ajuda (financeira) dos amigos, ganhou o mundo, tomou todas, e morreu engasgado no próprio vômito. John conheceu Yoko Ono, cantou pela paz, pelo fim de outra guerra e inventou o peace and love rock.
Em agosto de 1969, o grande festival de Wooodstock chegou para consagrar a confusão. Quatro dias numa fazenda no interior do Estado de Nova York reuniram Jefferson Airplane, Joan Baez, Santana (alguém da latinidade!), Greatful Dead, Creedance Clearwater Revival, o poderoso The Who, Janis Joplin, Neil Young (ainda com seu grupo de sobrenomes, Crosby, Stills, Nash & Young) e a memorável interpretação de Joe Cocker para “With a Little Help From My Friends”, de Lennon e McCartney. Em 1º de agosto de 1971, um ano após o fim dos Beatles, George Harrison realizou o primeiro concerto beneficente da história do rock, pelas vítimas de Bangla Desh, reunindo Eric Clapton – já saído do fenomenal e bagunçado Cream – e o incrível e ranzinza Bob Dylan. E voltamos para o ponto de partida!
O Live Aid de 1985 foi organizado em benefício das vítimas da fome na Etiópia e aconteceu simultaneamente em Londres e na Filadélfia reunindo Led Zeppelin, Black Sabbah, David Bowie, Phill Collins (já fora do Genesis), Duran Duran, e novamente ele: Bob Dylan. Dylan, aliás, curtiu a idéia e apareceu no mesmo ano no especial beneficente Usa for África junto com uma pá de cantores americanos em coro para o refrão de Michael Jackson e Lionel Ritchie: “We are the world, we are the children”.
Passada a pedreira do hard rock e do punk dos anos 1970, a década seguinte trazia um mundo novo. Ditaduras caíram na América Latina, a Alemanha estava uma confusão só,
e o Estado Soviético estava se cansando da guerra – que agora era fria. Guns and Roses e Bon Jovi, americanáços, competiam com vários e diferentes sotaques para a língua inglesa: REM, U2, Police, The Cure, The Smiths, Echo & the Bunnymen, Bauhaus, Jesus & Mary Chain, Men at Work, Midnight Oil. Ao mesmo tempo, um monte de bandas remanescentes do glam e voltando-se para as maravilhas da eletrônica, surgia o embrião da dance music, mas aí já é outra história.
No Brasil, os famigerados anos 80 foram o berço do Brock. Em busca de uma identidade nacional modernizada, bandas de Brasília, de São Paulo, do Rio, do Sul, e até do mangue! A Legião Urbana de Renato Russo virou febre e passou de uma cópia em português do Joy Division direto para a história da MPB. O rock foi politizado, e as gravadoras amaram, afinal, acabávamos de sair de um governo militar repressor e entupido de ié ié ié. Os Paralamas do Sucesso, Titãs, Hojerizah, e Lobão meteram pau na situação do Brasil. Cazuza, Barão Vermelho, falaram da vida nas cidades; e Ultraje a Rigor, Ritchie, Blitz, João Penca e Seus Miquinhos Amestrados, chutaram o balde com o besteirol sem fim! E depois?
A partir do final dos anos 1990, com a morte de Kurt Cobain, efêmero baluarte do rock tipo grunge, a indústria fonográfica começou a balançar as pernas e coleguinhas como o Pearl Jam começaram a tentar modelos alternativos de conquista de fãs. O Radiohead foi atrás dessa onda, o Oasis falou falou e no final das contas acabou brigando com todo mundo. Com a chegada do século XXI, parece que muitos mitos do velho rock and roll começaram a desmoronar, a começar pelos Ramones que, de tanto se chaparem foram morrendo um a um. Em 2006, o lendário guitarrista dos Rolling Stones Keith Richards apareceu na TV brasileira para falar do show em Copacabana e o repórter não pôde deixar de reparar nos dedos tortos e calejados, foi de horripilar! Em Londres, 2 de julho de 2005, o Pink Floyd se reuniu pela última vez no Live 8 (mais um concerto beneficente e comemorativo à memória do Live Aid, lembram?), já que em 2008, o tecladista Richard Wright morreu de câncer. O mesmo fez o Led Zeppelind em 26 de novembro de 2007, mesmo sem poder ressuscitar o fantástico baterista John Bonham, morto em 1980.
Depois de muitos revivals e shows no Brasil, as grandes bandas da história do rock começam a revelar mais uma reviravolta na indústria da música. A internet, o download, e o Guitar Hero trazem uma nova cultura de escuta que, na verdade, tem como ponto de partida os grandes nomes e hits do rock. A garotada que nasceu quando o Nirvana já era coisa do passado tem suas bandas, suas esquisitices e deprês, mas também ouve em todo canto algum sucesso de Robert Plant e Jimi Page. É claro que é muito raro o ritual de tirar o LP do plástico, colocar de vagarzinho a agulha e sentar no chão com os amigos para ouvir; mas enfiar um fone dentro do ouvido no ônibus, na rua, nas filas do MacDonalds é uma nova forma de se relacionar com a música massiva hoje e trás com ela novos tipos de som. E assim caminha a humanidade.
Digam o que disserem, mas não é qualquer um bom velinho de 69 anos que tem pique pra encaram uma platéia de 70 mil pessoas e cantar e tocar por duas horas sem mudar a tonalidade das músicas, e esse vovozinho é Paul McCartney. Alguns velhos continuam se superando, encarando a estrada, a web e o estúdio com muita dignidade. Quer a prova? Vem ao Brasil em outubro um dos maiores espetáculos da terra. Senhoras e senhores, com vocês: Rush! O trio canadense de guitarra, baixo e bateria muito bem tocados está aí. Quase sessentões, eles vêm pra mostrar que rock é isso: som e suor, e nada mais.
Feliz dia do rock!