terça-feira, 19 de julho de 2011

O Amor




Então, Almitra disse: “Fala-nos do amor.”
E ele ergueu a fronte e olhou para a multidão,
E um silêncio caiu sobre todos, e com uma voz forte, disse:


Quando o amor vos chamar, segui-o,
Embora seus caminhos sejam agrestes e escarpados;

E quando ele vos envolver com suas asas, cedei-lhe,
Embora a espada oculta na sua plumagem possa ferir-vos;

E quando ele vos falar, acreditai nele,
Embora sua voz possa despedaçar vossos sonhos
Como o vento devasta o jardim.
Pois, da mesma forma que o amor vos coroa,
Assim ele vos crucifica.
E da mesma forma que contribui para vosso crescimento,
Trabalha para vossa queda.
E da mesma forma que alcança vossa altura
E acaricia vossos ramos mais tenros que se embalam ao sol,
Assim também desce até vossas raízes
E as sacode no seu apego à terra.

Como feixes de trigo, ele vos aperta junto ao seu coração.
Ele vos debulha para expor vossa nudez.
Ele vos peneira para libertar-vos das palhas.
Ele vos mói até a extrema brancura.
Ele vos amassa até que vos torneis maleáveis.

Então, ele vos leva ao fogo sagrado e vos transforma
No pão místico do banquete divino.

Todas essas coisas, o amor operará em vós
Para que conheçais os segredos de vossos corações
E, com esse conhecimento,
Vos convertais no pão místico do banquete divino.

Todavia, se no vosso temor,
Procurardes somente a paz do amor e o gozo do amor,
Então seria melhor para vós que cobrísseis vossa nudez
E abandonásseis a eira do amor,
Para entrar num mundo sem estações,
Onde rireis, mas não todos os vossos risos,
E chorareis, mas não todas as vossas lágrimas.

O amor nada dá senão de si próprio
E nada recebe senão de si próprio.

O amor não possui, nem se deixa possuir.
Porque o amor basta-se a si mesmo.
Quando um de vós ama, que não diga:
“Deus está no meu coração”,
Mas que diga antes:
"Eu estou no coração de Deus”.

E não imagineis que possais dirigir o curso do amor,
Pois o amor, se vos achar dignos,
Determinará ele próprio o vosso curso.

O amor não tem outro desejo
Senão o de atingir a sua plenitude.

Se, contudo, amardes e precisardes ter desejos,
Sejam estes os vossos desejos:
De vos diluirdes no amor e serdes como um riacho
Que canta sua melodia para a noite;
De conhecerdes a dor de sentir ternura demasiada;
De ficardes feridos por vossa própria compreensão do amor
E de sangrardes de boa vontade e com alegria;
De acordardes na aurora com o coração alado
E agradecerdes por um novo dia de amor;
De descansardes ao meio-dia
E meditardes sobre o êxtase do amor;
De voltardes para casa à noite com gratidão;
E de adormecerdes com uma prece no coração para o bem-amado,
E nos lábios uma canção de bem-aventurança.




















Gibran Kahlil Gibran


Gibran Khalil Gibran nasceu no Líbano no final do século XIX, terra então dominada pelo Império Turco Otomano, há milênios conturbada e há milênios preocupada com o fenômeno filosófico e religioso. 

Com o crescimento do perigo fascista para a região, lá conhecido como sionismo, mudou-se para os EUA, ali radicando-se desde o início do século passado (caramba, somos todos do século passado!) e tornando-se uma das principais referências intelectuais para o conhecimento da alma do povo muçulmano, druso, maronita ou cristão ortodoxo em geral, libaneses em particular. 

Aos 14 para 15 anos tornei-me leitor ávido de sua obra, mais ou menos como os jovens hoje lêem Senhor dos Anéis ou Harry Potter, com a enorme vantagem, a meu juízo, de os escritos de Gibran trazerem sempre alguma mensagem importante para nós, algo que nos marca o horizonte existencial por toda uma (ou mais) existência! 

Ultimamente tenho estado mais propenso a reflexões perenes que as superficiais, políticas… Reproduzo sempre nas minhas falas, a título mesmo de isca, textos de três de suas obras mais admiráveis: O Louco, O Profeta e Temporais. 

No entanto, o livro que mais admiro e mais tomo como recurso poético é o livro Asas Partidas. Inclusive, na adolescência, reproduzi em uma pintura, a capa deste livro, ocupando a decoração de minha casa. 


Recomendo aos amigos e leitores deste blog, conhecer um pouco deste gênio poeta, que fala de sentimentos sublimes, que dá relevância aos valores que hoje são tão banalizados, sempre se utilizando de palavras simples e, ao mesmo tempo, tão puras, nobre, únicas, precisas. Aprendi muito com ele.

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