O desejo de ser as
coisas melhorarem não adormece. Nunca nos livramos do desejo, ou então nos
livramos apenas ilusoriamente. Seria mais cômodo esquecer esse anseio do que
realizá-lo, mas para onde isso levaria hoje? Os desejos ainda assim não
cessariam, ou se travestiriam em novos, ou até nós, os sem-desejo, seríamos os
cadáveres que os maus pisariam no caminho para a sua vitória. Não é hoje de
desistir dos desejos.
Os que sofrem privação
sequer pensam nisso: eles sonham que seus desejos um dia serão realizados.
Sonham com isso, como diz a expressão coloquial, dia e noite, portanto não só
aa noite. Isso também seria muito estranho, já que o dia é o momento em que a
privação e o desejar mais se fazem presentes. Há sonhos diurnos em número
suficiente, só não foram satisfatoriamente observados.
Mesmo de olhos abertos,
no seu íntimo a pessoa pode ver tudo colorido ou em forma de sonho. Se a
propensão para melhorar aquilo que nos tornamos não adormece nem durante o sono,
como o poderia durante a vigília? Poucos são os desejos que não estão
carregados de sonho, justamente quando eles tomam consciência de si. Mas,
então, quem sonha durante o dia é visivelmente diferente de quem sonha durante
a noite. Muitas vezes, quem devaneia segue um fogo-fátuo, desvia-se do caminho.
Mas ele não dorme e não submerge na névoa.
Por quanto tempo o
nosso interior impulsiona só para a frente? O desejar quer alguma coisa, não
ocorre de um modo qualquer, raramente aflige sem razão. Porém, se ele se
apressa em aterrissar, o impulso que nele opera consegue atingir seu alvo? Por
algum tempo, num primeiro momento, talvez o impulso e qualquer apetite possam
ser surpreendentemente saciados.
Não há nada que deixe o
saciado mais indiferente que um pedaço de pão e para o curioso não há nada mais
ultrapassado que o jornal que acabou de ler. Contudo, nos bastidores, tudo se
levanta outra vez. Começando com a fome, não há desejo arrefecido. E também as
imagens pintadas diante dos olhos por um desejo que está se saciando aas vezes
param no ar como se não pudessem baixar até o chão.
O desejo e a vontade
voltados para eles continuam vivos, eles mesmos continuam vivos. Também os
sonhos realizáveis, quando aterrissam em solo plano, nem sempre chegam
inteiros: frequentemente, um resquício fica pra trás. Ele é diáfano como o ar,
como o vento. Todavia, é perceptível, é mais forte que a carne. Um homem espera
pela moça, o quarto está cheio de inquietação carinhosa, a última luz do
anoitecer está nele, aumentando a expectativa.
Contudo, quando a
esperada ultrapassa o limiar e tudo fica bem, tudo está aí, o próprio esperar
não está mais presente, desapareceu. Ele nada mais tem a dizer e, ainda assim,
levou algo consigo, algo que não repercute na alegria existente. A satisfação
completa é rara, provavelmente nunca ocorreu. No sonho de algo, antes de
regozijar-se o coração, tudo era melhor ou parecia ser.
Imaginar-se rumando
para o melhor sucede, num primeiro momento, apenas interiormente. É um
indicativo de quanta juventude reside no ser humano, quanta coisa há nele a
esperar. Esse esperar não quer adormecer, por mais que tenha sido enterrado:
nem mesmo no caso do desesperado ele tem os olhos totalmente fixados no nada.
Até o suicida se
refugia na negação como se fosse um colo: ele espera o sossego. Inclusive a
esperança frustrada vagueia por aí atormentando, qual fantasma que não encontra
o caminho de volta para o cemitério, e anda atrás de imagens refutadas. Ela não
desaparece por si mesma, mas somente dando-se uma nova forma. O que caracteriza
o amplo espaço da vida ainda abera e ainda incerta do ser humano é a
possibilidade de assim velejar em sonhos, que são possíveis sonhos diurnos,
muitas vezes do tipo totalmente sem base na realidade.
O ser humano fabula
desejos: é capaz disso e em si mesmo encontra material suficiente, mesmo que
nem sempre seja o melhor, o mais durável. Esse fermentar e efervescer acima da
consciência constituída é o primeiro correlato da fantasia, que principalmente
é apenas interior, situado no interior de si mesma.
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