segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Dedicado a um amigo enfermo





O meu amigo está doente.
Tenho muitos amigos doentes. Por outro lado, muitos doentes são meus amigos e eu sou amiga de todos os meus doentes. Mas neste caso é diferente: tenho, mesmo, um AMIGO doente. Ou antes, o meu AMIGO está doente.



O pior de tudo é sentir-me impotente para fazer com que ele deixe de o estar. NÃO, digo eu, em silêncio, em voz alta, em quase desespero permanente, não ele, não o meu amigo... por favor, pergunto-me inquieta, desolada, numa amargura profunda, o que posso fazer para ajudar?Não quero ter como resposta que não há nada que eu possa fazer.



Há-de haver, sem dúvida, algo com que eu possa, de alguma forma, contribuir para que a dor de se saber doente não o torture, para além de lhe aliviar a dor física tanto quanto me é possível. Já fiz de quase tudo: li-lhe versos de Álvaro de Campos, cantei-lhe ao ouvido músicas doces e ternas, tentei fazê-lo rir com memórias de divertidas aventuras passadas juntos, dancei para ele ao som de uma música tradicional das Astúrias, abri o velho piano (um tanto ou quanto desafinado) da avó e interpretei, no que tentei ser o meu melhor, Diana Krall.



De vez em quando, consigo que lhe aflore ao rosto um sorriso. Isso é, para mim, felicidade! Infelizmente, dura pouco... muito pouco. Logo, logo, estou sentada à sua beira, a afagar-lhe a testa e o que resta dos seus cabelos, outrora sedutoramente fartos e negros. Beijo-lhe os olhos, seco-lhe os suores e as lágrimas e digo disparates "tonterías, si...", rimo-nos, então, os dois, por um momento, damos as mãos, apertamo-las como se pela primeira vez, e os nossos olhos interpenetram-se até sentirmos que conseguimos atingir a alma um do outro.
O meu amigo está doente.



Sou médica, sou humana, sou amiga. Infelizmente não possuo poderes divinos. Noite após noite dou comigo a perguntar: poderá algum deus, se existir, fazer o que não consigo? E mesmo não sendo crente, será que se eu pedir aos deuses todos, ou a um de tantos que há para escolher, para libertar o meu amigo desta doença, ele me ouvirá?
De retorno, oiço o silêncio. Apenas. Pelos vistos, não há respostas para perguntas que não se podem fazer...


Mafalda Coimbra (heterónimo de Maria Carvalhosa).

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