sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Cultura, o elo perdido da sustentabilidade






Entenda a economia criativa e o seu potencial para construção de um futuro sustentável.

Imagine um mundo onde a marca pode representar mais de 75% do valor de uma empresa, enquanto que os recursos naturais se tornam cada vez mais escassos. Diante desse quadro, a desmaterialização da economia passa a ser o foco da estratégia de desenvolvimento dos negócios e governos.


O cenário descrito acima se enquadraria perfeitamente aos dias atuais não fosse pelo último aspecto. O Google, um dos maiores casos de sucesso da atualidade, tem na sua marca, cujo valor estimado é de US$ 100 bilhões, o maior fator de desempenho, superando até mesmo seus próprios produtos e serviços. No entanto, a economia continua seguindo a lógica de gestão de recursos escassos. Como resultado disso, já ultrapassamos em 20% a capacidade de suporte e reposição da biosfera.

Esses dados, já bastante difundidos, reforçam a importância de buscar estratégias de desenvolvimento sustentável, acelerando a desmaterialização da economia. No entanto, a grande dúvida continua sendo como viabilizar essa transição de modelos econômicos e de pensamento. Uma das novidades nesse debate está na constatação de que, se a sustentabilidade é o fim, a cultura pode ser o meio para construir esse futuro desejado. Esse foi um dos focos de discussão da rodada de diálogo sobre economia criativa, que integrou a programação do FILE 2010, em São Paulo.

A mesa, coordenada por Lala De Heinzelin, assessora do Programa de Economia Criativa da South-South Cooperation, unidade do PNUD, contou com a participação de Liliana Magalhães, superintendente do Santander Cultural, Luciane Gorgulho, chefe do departamento de cultura, entretenimento e turismo do BNDES e Maria Arlete Gonçalves, diretora de cultura do Oi Futuro.

De acordo com a ONU, a economia criativa é responsável por 10% do PIB mundial. No relatório Creative Economy, a UNCTAD divulga que, entre 2000 e 2005, os produtos e serviços criativos mundiais cresceram a uma taxa média anual de 8,7%. Duas vezes mais do que o setor de manufaturas e quatro vezes mais do que a indústria.

O conceito ainda em formação, foi criado para designar um setor que inclui, porém extrapola a cultura e as indústrias criativas. De forma muito simplificada, podemos dizer que reúne as atividades que têm na cultura e na criatividade a sua matéria prima. É um conceito amplo o suficiente para incluir a diversidade, tanto de linguagem quanto de modelos de negócios, englobando uma vasta gama de atividades que vai

do indivíduo que trabalha educação complementar por meio da música a uma grife de automóveis de luxo.

Segundo Lala, estamos vivendo uma mudança de época, talvez, comparável apenas ao renascimento. Esse período é caracterizado pela transição de uma centralidade - que existiu durante décadas, em que todos os recursos eram tangíveis e, portanto, finitos - para um momento em que aquilo que tem mais valor está ligado ao intangível. “Nesse contexto, temos um recurso que é como se fosse a galinha dos ovos de ouro porque tudo aquilo que está ligado ao intangível – conhecimento, criatividade e cultura – além de não se esgotar, se multiplica e renova”, explica.

Não sem razão alguns países já elegeram a economia criativa como estratégia número 1 de desenvolvimento. É o caso do Reino Unido e, mais recentemente da China. A potência asiática adentra a era de pós-industrializaçã o, em que a integração global e o consumo cultural estão exercendo um impacto crescente, sobretudo no ambiente urbano.


Segundo a consultoria chinesa CCID Consulting, a indústria criativa e cultural já movimenta cerca de 170 bilhões de yuans, representando "uma tendência de crescimento reverso" para a crise financeira global com potencial de revitalizar a economia chinesa. O país conta com um Plano de Revitalização da Indústria Cultural, aprovado pelo Comitê Permanente do Conselho de Estado, cujo objetivo é orientar o desenvolvimento futuro desse setor. Em cidades como Beijing, a economia criativa cresce a uma taxa anual de 50%. (Confira mais dados no box abaixo).


Construção de capital social


Além de apresentar um grande potencial econômico, a economia criativa contempla atividades que atuam como fator de interação social, fortalecendo os valores, diferenciais e credibilidade de comunidades e empresas.

“A cultura representa o quarto pilar da sustentabilidade. É o que traz o nosso diferencial, pois permite que se agreguem valores. Ela vai ao encontro da nova sociedade do conhecimento, em que o poder está na troca”, afirma Liliana Magalhães, superintendente do Santander Cultural.

Possuidor de uma das diversidades biológicas e culturais mais ricas do planeta, o Brasil proporciona um ambiente propício para o avanço de um modelo de desenvolvimento baseado nos pilares econômico, ambiental social e cultural. Não são raros os exemplos de negócios que já trabalham nessa perspectiva, mas devido a falta de indicadores e mecanismos de incentivo adequados eles continuam a margem da economia.

O BNDES, um dos maiores bancos de fomento do mundo com um livro de desembolso de R$ 130 bilhões, tem se dedicado a desenvolver métodos para mensurar esse valor e que também possam embasar o financiamento às atividades criativas. Desde 2006, conta com um departamento de cultura, entretenimento e turismo, que disponibiliza linhas de crédito e fundos de investimento para esses setores. Esses recursos estão sob o guarda-chuva do Programa BNDES para o Desenvolvimento da Economia da Cultura estruturado em três subprogramas: BNDES Procult – Financiamento, BNDES Procult – Renda Variável e BNDES Procult – Não Reembolsável.

Segundo Luciane Gorgulho, do BNDES, há recursos para fomentar a economia criativa, o que falta é dar visibilidade a esse setor, uma vez que ainda não existem muitas estatísticas sobre o tema. “É importante disseminar suas histórias de sucesso da economia criativa, setor que hoje enfrenta dificuldades semelhantes das empresas de software, muitas delas surgidas em garagens”, destaca. Esse segmento de tecnologia ganhou credibilidade a partir da repercussão de casos de sucesso e se consolidou apesar da bolha da internet.

“E como sair dos limites que estamos acostumados a atuar?”, provoca Lala. Segundo ela a solução que uma empresa está buscando pode estar em um trabalho desenvolvida por um garoto na periferia. “Os negócios têm um papel importante para o fomento da economia criativa porque podem conferir acesso e credibilidade. Se o mesmo menino lançar determinada solução poderá enfrentar resistência em alguns setores. Mas essa dificuldade pode ser minimizada se uma grande empresa identificar seu projeto e de alguma maneira apoiá-lo”.

Essa integração é fundamental, pois ajuda a construir confiança, ativos mais comprometidos desde a última crise financeira global. “É preciso haver um entendimento que o desenvolvimento resulta de um processo coletivo e que é essencial se conectar a outros para ter força de reverberação”, afirma Liliana, do Santander.


Ainda segundo Lala, o principal fator que impede o País de transformar em realidade seus potenciais e recursos consiste na falta de capital social, resultado da articulação de diferentes setores. “As potências endógenas só vão se concretizar se houver um processo capaz de elevar a auto-estima e, ao fazê-lo, reforçar os laços e a identidade, estimulando a cidadania. Tendemos a achar que a semente é a maçã e tentamos vender a torta. Mas antes é necessário preparar o terreno para essa semente germinar e tornar essa torta desejável”, reforça.


Quem é quem na economia criativa

Reino Unido

As indústrias criativas britânicas geram £67 bilhões em receitas e crescem duas vezes mais do que o restante da economia. Esse setor também tem um papel vital na construção de um futuro sustentável.

Formalmente definidas como as artes cênicas, antiguidades, artesanato, arquitetura, design, moda, publicidade, rádio e TV, cinema e vídeo, música, publicações, jogos de vídeo e software, a inovação, as indústrias criativas terão um papel fundamental no enfrentamento dos grandes desafios do nosso tempo - a escassez de recursos, mudanças climáticas, resíduos, poluição, uma população em crescimento e pobreza.

Alguns exemplos já existentes:

O movimento Bauhaus defendeu uma filosofia de design da justiça e utilidade, para fornecer o acesso universal a um bom design, melhor habitação e uma vida melhor para todos.

Nos últimos 20 anos, o marketing social ajudou a educar, sensibilizar e comunicar, questões tão amplas como o comportamento anti-social em trens, estilos de vida mais saudáveis e os malefícios do cigarro.

Novas formas de mídia social – habilitadas por software de TI e plataformas como o Twitter, kiva ou NetSquared – estão diminuindo distâncias geográficas e sociais, proporcionando que as pessoas se mobilizem na busca de soluções para problemas que lhes são comuns.

A arquitetura verde agora é mainstream e já há exemplos emblemáticos de excelência de construção seguindo princípios de sustentabilidade, como o Eden Project, a vila dos Jogos Olímpicos, entre outros.


Adaptado de artigo publicado no Forum for the Future



China

A indústria criativa movimenta cerca de 170 bilhões de yuans, representando uma alternativa ao modelo de desenvolvimento centrado na rápida urbanização que trouxe uma série de problemas sociais e ambientais.

A economia criativa já é foco de investimento e políticas públicas. O país conta com um Plano de Revitalização da Indústria Cultural, aprovado pelo Comitê Permanente do Conselho de Estado, cujo objetivo é orientar o desenvolvimento futuro desse setor.

Em Beijing, Shanghai and Shenzhen, as indústrias criativas crescem cerca de 12.3%, 13.3% e 15.0%, respectivamente, enquanto que o PIB dessas cidades cresce 19.4%, 22.8% e 25.9%, respectivamente. Em 2008, o valor acrescentado no setor cultural criativo em Pequim superou os 100 bilhões de yuans, representando 9% do PIB da cidade. E, esse número ainda está crescendo a uma taxa anual de mais de 50%.

Adaptado de artigo publicado originalmente na Bloomberg



Brasil

A indústria criativa movimenta R$ 381 bilhões e emprega 35,2 milhões de pessoas. O setor representa 16,4% PIB brasileiro:

2,6 % - 12 áreas principais: artes visuais, publicidade, expressões culturais, televisão, música, artes cênicas, filme e vídeo, mercado editorial, software, moda, arquitetura e design)


5,4% - atividades relacionadas a essas áreas: material de artesanato, publicidade, instrumentos musicais, registro de marcas e patentes, dentre outras)


8,4% - atividades de apoio: consultoria especializada, insumos, maquinários)

Fonte: A Cadeia da Indústria Criativa no Brasil - Firjan
Por Juliana Lopes, da Revista Idéia Socioambiental

0 comentários:

Postar um comentário