Sempre que tem eleição é a mesma coisa: republico meu texto “A espiral do silêncio”, escrito em 2002, sobre a possível influência das pesquisas eleitorais no resultado da votação. O texto foi divulgado originalmente no Comunique-se.
Em todo ano de eleição é o mesmo papo:
Em todo ano de eleição é o mesmo papo:
as pesquisas de opinião, que indicam a intenção de voto dos cidadãos, devem ser divulgadas ou proibidas?
Qual o grau de influência do resultado dessas sondagens na decisão do eleitor?
Essas e muitas outras questões controversas realmente precisam ser debatidas, no sentido de manter claro o processo democrático do qual todos nós participamos: indivíduos, mídia, sociedade.
A discussão, claro, transcende fronteiras e atinge vários países do mundo. Na Europa, por exemplo, há exatos 30 anos, a alemã Elisabeth Noelle-Neumann (foto acima) já fazia conclusões sobre um estudo que vinha realizando sobre a influência da mídia sobre a opinião pública.
Tratava-se da hipótese da espiral do silêncio, dissecada pelo professor Antonio Hohlfeldt, da PUC do Rio Grande do Sul, no livro Teorias da comunicação: conceitos, escolas e tendências (Vozes, 2001), uma coletânea de artigos organizada por ele e pelos colegas Luiz C. Martino, da Universidade de Brasília, e Vera Veiga França, da Universidade Federal de Minas Gerais, e que é a referência bibliográfica deste artigo.
Antes de mais nada, é preciso explicar por que a espiral do silêncio é considerada uma hipótese e não uma teoria. Segundo Hohlfeldt, “uma hipótese é sempre uma experiência, um caminho a ser comprovado e que, se eventualmente não der certo naquela situação específica, não invalida necessariamente a perspectiva teórica.
Pelo contrário, levanta, automaticamente, o pressuposto alternativo de que uma outra variante, não presumida, cruzou pela hipótese empírica, fazendo com que, na experiência concretizada, ela não se confirmasse”, enquanto uma teoria é um “paradigma fechado, um modo acabado e, neste sentido, infenso a complementações ou conjugações, pela qual traduzimos uma determinada realidade segundo um certo modelo”. Dadas as circunstâncias que serão expostas neste texto, portanto, é mais adequado classificar os estudos de Noelle-Neumann como uma hipótese.
Elisabeth Noelle-Neumann nasceu em 1916 na Alemanha.
Aos 24 anos, especializou-se em DEMOSCOPIA, isto é, na pesquisa da opinião pública sob organização científica (aliás, numa época bem instigante: a II Guerra Mundial mal havia começado e o nazismo, que muito abusou da propaganda, obtinha o apoio maciço dos alemães). A partir dos anos 50, ela começou a se interessar pela relação entre imprensa e opinião pública.
Ao longo do tempo, a pesquisa de Noelle-Neumann apontava que a auto-estima dos alemães diminuía à medida que a mídia fazia mais referências negativas ao povo. A pesquisadora começou a basear seus estudos em uma outra hipótese já existente, a da agenda setting, segundo a qual a imprensa teria o poder de determinar os assuntos principais da população, através da divulgação repetitiva de artigos e notícias sobre certos temas.
Através de uma fundamentação teórica apoiada em Platão, Rousseau, John Locke, David Hume, Alexis de Tocqueville, Walter Lippmann e Gabriel Tarde, Noelle-Neumann começou a perceber que as pessoas tendem a expressar menos sua opinião quando elas imaginam que ela pode estar em minoria ou ser recebida com desdém. Essa posição seria tomada para evitar um possível isolamento do indivíduo, temeroso do que pode acontecer caso declare uma opinião contrária à da maioria.
A pesquisadora, então, conclui que captar o “clima de opinião” é essencial para que as pessoas expressem seus pontos de vista. Conforme escreve Hohlfeldt, “ao perceberem ou imaginarem que a maioria das pessoas pensa diferentemente delas, essas pessoas acabam, num primeiro momento, por se calarem e, posteriormente, a adaptarem, ainda que muitas vezes apenas verbalmente, suas opiniões às do que elas imaginam ser a maioria. Em conseqüência, aquela opinião que, talvez de início, não fosse efetivamente a maioria, acaba por tornar-se a opinião majoritária, na medida em que se expressa num crescente movimento de verbalização, angariando prestígio e alcançando a adesão dos indivíduos”. Simbólica e visualmente, a influência da suposta opinião majoritária é encarada por Noelle-Neumann como uma espiral do silêncio, porque tende a ampliar-se enquanto silencia aqueles que a opõem, e daí nasce o nome da hipótese que a alemã desenvolveu.
Enfim, em 1972, Noelle-Neumann apresenta um artigo chamado Return to the concept of powerful mass media num congresso em Tóquio e afirma que “pela consonância das reportagens e dos editoriais, reforçados pela acumulação das periódicas repetições da mídia, a maioria das atitudes pode ser influenciada ou moldada pela mídia. Os processos individuais de formação da opinião são então reforçados pelas observações individuais do meio ambiente social. Nós entendemos que as concepções sobre quais opiniões são dominantes em um determinado meio, ou quais opiniões podem tornar-se dominantes neste meio, estão sendo influenciadas pelos mídia. Este processo, digo, é mais pronunciado que muita gente admite”.
Sete anos depois, a pesquisadora voltaria a estudar a ligação entre mídia e opinião pública, dando uma nova conceituação a esta expressão: “conexão da controvérsia, que alguém é capaz de expressar sem o risco de auto-isolamento que tem duas fontes: os mídia e a observação imediata do meio ambiente, do que as outras pessoas pensam e do que elas expressam em público”.
Nos anos 80, Noelle-Neumann lançaria A espiral do silêncio Opinião pública: nossa pele social, livro em que sintetizaria todos os seus estudos sobre o assunto. Nele, a pesquisadora questionava a democracia no âmbito de sua hipótese (“Nessa teoria [da espiral do silêncio] não havia lugar para o cidadão informado e responsável, o ideal em que se baseia a teoria democrática. A teoria democrática básica não leva em conta o medo do governo e do indivíduo à opinião pública”) e listava os quatro pressupostos que sustentam sua pesquisa:
1) a sociedade ameaça os indivíduos desviados com o isolamento;
2) os indivíduos experimentam um contínuo medo ao isolamento;
3) este medo ao isolamento faz com que os indivíduos tentem avaliar continuamente o clima de opinião;
4) os resultados dessa avaliação influem no comportamento em público, especialmente na expressão pública ou no ocultamento das opiniões.
Tal qual o tema que observa, a hipótese da espiral do silêncio é muito controversa e polêmica. Em 1990, dois pesquisadores norte-americanos desenvolveram um estudo que chegou a resultados que não combinavam com o que Noelle-Neumann pregava.
Porém, a própria dupla relativizou as conclusões obtidas, devido à diferença de contexto entre as situações envolvidas. Além disso, outros pesquisadores, embora valorizem a contribuição dos estudos da alemã, questionam a hipótese. Por exemplo: não se explica até que ponto o temor do isolamento influi na opinião das pessoas, e não se sabe se a espiral do silêncio funciona em qualquer grupo, seja ele pequeno ou grande.
A pesquisa de Noelle-Neumann, hoje, nos remete diretamente à divulgação das sondagens eleitorais durante a campanha. Se a espiral do silêncio estiver correta, a consolidação de um panorama apontado pela pesquisa eleitoral (crescimento de um candidato, queda de outro) influencia diretamente o indivíduo.
O “vitorioso” de um debate entre candidatos, resultado obtido apenas com alguma pesquisa de opinião, também pode ser beneficiado. Imagine, então, um ambiente eleitoral em que os candidatos pouco se diferem um do outro, acarretando o aumento de indecisos: aquele que sustentar ou parecer sustentar a menor preferência terá grande vantagem.
Apesar das críticas à hipótese da espiral do silêncio, está claro que as conclusões alcançadas pela alemã não foram obtidas à toa. É possível que haja algumas variações do contexto em que ela fez seus estudos para o brasileiro e atual. Porém, Noelle-Neumann ao menos nos inquieta com o sabor da curiosidade e abastece a discussão.
Será que a hipótese pode nos ajudar a compreender os erros e acertos das pesquisas de opinião? E as confirmações e as falhas das sondagens seriam capazes de negar ou consolidar a hipótese? Empírico e teórico se misturam. A análise do resultado pode trazer respostas importantes sobre o verdadeiro poder das pesquisas eleitorais.
1 comentários:
Estimado Colega Ricardo,
parabenizo-o pela inclusão do tema "A Espiral do Silêncio" aqui neste excelente Blog! Esse assunto é muito bom para que se possa compreender , por exemplo, porque as pessoas omitem que votarão em Serra. Tenho vários amigos que sei que votarão em Serra, mas , como estão fora dessa espiral, negam.
Receba o meu forte abraço.
Lucivãnio
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