Na Globo, Dilma se mostrou ao público quase como é:
uma invenção de Lula que quase tem idéias mais ou menos claras sobre quase tudo
Acompanhei o debate entre José Serra e Dilma Rousseff no Twitter. Muita gente reclamou que estava frio demais. Eu mesmo cheguei a brincar que a melhor coisa até o momento em que escrevia era o sorvete de crocante com café que Dona Reinalda havia trazido pra mim. Brincadeira à parte, o fato é que um debate como o da Globo pode até ser mais chato para quem é entusiasmadamente Serra ou Dilma — e, pois, vibra quando um desfere uma porrada no outro —, mas é muito mais útil para deixar claro o que pensam os candidatos sobre determinados temas.
O tal confronto direto, escolha feita por Band, Record e Rede TV, não funcionou. A razão é simples: os dois candidatos, que não são burros, resolveram usar o tempo da tréplica para dar estocadas no adversário, quando o outro não tinha tempo para reagir. O formato escolhido pela Globo inibiu esse expediente. Afinal, Dilma não tinha de responder para Serra; Serra não tinha de responder para Dilma. Ambos se deparavam com eleitores de verdade, com quem eram obrigados a dialogar. Fugir da questão para falar o que lhes desse na telha, a exemplo do que se viu nos outros encontros, seria desastroso. E foi aí que Dilma se deu mal.
A frieza do encontro, onde a troca de acusações acabaria soando como indesculpável indelicadeza, foi pior para Dilma. Recorrer à tática de elencar as conquistas do governo Lula, como ela até ensaiou fazer, mais exporia a sua fragilidade do que evidenciaria competência. Dilma gaguejou muito, demonstrou insegurança e não conseguiu passar aquilo que seu programa tanto vende: a imagem da pessoa segura e competente. A petista fez um intenso trabalho de “media training”. Mas foi treinada para brigar, não para responder com serenidade. De fato, há uma coisa curiosa, que se revelou neste debate também: Serra sempre foi muito melhor do que o seu pouco mais que sofrível programa no horário eleitoral; e Dilma sempre foi muito pior. Isso nos diz duas coisas: o melhor candidato teve a pior propaganda. E vice-versa.
Ninguém deu qualquer resposta espantosa ou inusitada. A diferença fundamental entre ambos foi de postura, de clareza, de segurança. Ele esteve mais “presidencial”, com fala mais segura e fluente, idéias mais claras, raciocínio mais inteiro. Vai mudar alguma coisa? Não tenho a menor idéia. Será o suficiente para lhe garantir a vitória? Também não sei. Se a diferença for mesmo aquela que apontam os institutos de pesquisa, é difícil que o tucano consiga vencer a distância; se for a do tracking do PSDB, as chances são grandes; se for a do tracking do PT, elas são boas — no partido, há gente com muita raiva do próprio levantamento; prefere o que dizem os institutos, coisa inédita na história das eleições.
Ontem, sem poder esbravejar, sem poder lançar acusações ao vento, sem poder satanizar o governo FHC, Dilma se mostrou ao público quase como é: uma invenção de Lula que quase tem idéias mais ou menos claras sobre quase tudo. Se existem indecisos de verdade e na hipótese de que o sentido das palavras tenha alguma relevância, o contraste foi favorável ao tucano.
Por Reinaldo Azevedo
http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/
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